Dirigi até o antigo casarão, pulei o muro na base mais baixa e corri para o lindo jardim. Continuava a mesma coisa ali, as rosas bem cuidadas, a perfeita fragrância de cada uma delas. Caminhei pelo labirinto até alcançar o centro onde as lindas rosas de Halfeti sempre estariam, aquela era uma das coisas que pareciam nunca mudar. O céu acima do domo continuava em um tom acinzentado, mas agora caía uma chuva fraca, dando ao lugar um ar misterioso. Passei os dedos no pequeno domo onde as rosas estavam, queria tocar aquelas pétalas negras pelo menos uma vez. Fechei os olhos e podia lembrar com perfeição de cada momento que corri para ali procurando esconderijo da minha própria infelicidade. Quando eu era bem pequeno e meus pais brigavam comigo, o dia que Meli começou a me evitar, quando meus pais falaram que nós íamos para Londres e percebi que nunca mais veria Meli. Mas voltei a vê-lá e a levei ali. Como eu queria que ela estivesse ali comigo nem que fosse só mais uma vez. Ouvir a risada dela, o timbre, as coisas simples que me fazia tanta falta. E saber que ela não poderia estar ali por minha causa era ainda pior, a culpa me corroía por dentro como se estivesse bebendo ácido. Cada lágrima caída era um pedaço de mim se despedindo.
As palavras de Victor escoavam em minha mente, e ele tinha toda razão, era justo se ele não quisesse nunca mais me ver, Meli estava ferida por minha causa, a amiga dele, irmã, poderia nunca mais acordar por minha causa. Eu era um canalha.
- É linda, não é? - Escutei uma voz rouca falar.
Olhei para todos os lados procurando o dono da voz, até que vi um senhor, ele parecia bem velho, tinha o corpo curvado, cabelos tão branco quanto a neve. As mãos estavam sujas de terra, deveria ser o jardineiro.
- Me desculpe, por favor não chame a polícia. - Me apressei em falar. - Não queria invadir. Eu já vou embora, não precisa avisar teu patrão.
O senhor riu, uma risada cansada.
- Calma meu filho, não precisa ficar assustado, não vou chamar a polícia.
- Não? - Perguntei.
- Não. Sempre gostei que meu jardim recebesse visitantes, mas meus filhos insistem em manter esse lugar fechado.
Olhei para ele confuso.
- Vejo que choras, rapaz. Qual o motivo de sua infelicidade dessa vez? - Perguntou ele.
- Dessa vez?
Ele riu mais uma vez, já estava ficando irritado.
- Mas é claro, eu sempre o observei, todas as vezes que veio aqui, desde que era um menino.
Olhei para ele ainda mais confuso.
- E por que nunca veio falar comigo, ou me expulsar de seu jardim?
- Como falei, gosto que meu jardim receba visitas... E você sempre me lembrou eu mesmo quando era jovem.
- Da última vez que estive aqui o senhor mandou me prender. - Falei em tom de acusação.
- Não foi eu, naquele dia meus filhos estavam em casa. Briguei com ele por dias.
Sorri. Aquele senhor brigou com os filhos por minha causa, a situação era bem estranha.
- Cadê a a menina que estava com você no outro dia? - Perguntou o senhor. - É por ela que choras?
Assenti.
- O que aconteceu com ela? - Perguntou.
Contei-lhe toda a história. O senhor era um bom ouvinte, não me interrompeu nenhuma vez. Quando terminei ele me encarou por um longo tempo, fiquei com medo que ele tivesse a mesma reação do que Victor, que me mandasse embora, mas ele não me mandou, fez uma pergunta que me pegou de surpresa:
- E agora, você a ama?
Eu a amava? Sim, mas de que forma? Era tudo tão confuso, ela estava em um leito de hospital por minha causa, é possível amar uma pessoa e a machucar dessa forma?
Abrir a boca para responder, mas ele me interrompeu.
- Não responda agora, meu filho. Vou te contar a minha história primeiro.
- Tudo bem. - Falei.
Ele respirou fundo.
- Eu tinha 16 anos quando a conheci, era a menina mais linda de toda a cidade, seu nome era Sophia, os cabelos loiros longos, lindos olhos azuis. Gostei dela de primeira. Saiamos praticamente todos dias, naquela época não nos beijávamos, não sem eu pedi a mão dela para o pai, e não era o que eu queria. Gostava dela, mas não amava, eu achei que não amava.
"Alguns anos se passaram, ela fez 21 anos e recebeu a notícia que tinha um câncer cerebral em estado avançado, foi horrível, era o melhor amigo dela. Sabíamos que ela ia morrer, mas ela tinha um sonho, um sonho que ela tinha que realizar. Começamos a resolver as coisas para nosso casamento. Foi um dia incrível, hoje percebo que foi o dia mais feliz da minha vida. Esse casarão estava todo enfeitado com rosas coloridas, ela amava rosas, laços dourados, a cerimônia aconteceu exatamente aqui. Naquela época ela já tinha perdido todo o cabelo, mas estava linda, o vestido branco, uma fita vermelha presa na cintura. E o buquê de rosas de Halfeti, ela insistiu que queria as rosas negras. Cinco dias depois do nosso casamento ela morreu, mas antes ela me fez uma pergunta:
- Você me ama?
Eu respondi que sim, era claro que eu amava. Ela me perguntou de que forma, nunca fiquei tão confuso como naquela hora, não sabia como a amava, para mim sempre foi amizade, mas vendo ela ali, morrendo, percebi que não era. Eu amava ela, mas amava de verdade, queria ela para toda uma vida. Amava ela como minha mulher. Então respondi.
- De todas as formas possíveis.
Ela sorriu e me deixou, para sempre, estava morta. E eu nunca mais a esqueci, plantei todas essas rosas em homenagem a ela, e a rosa de Halfeti logo ali, a primeira delas, que já morreu há anos, veio do buquê dela. Me casei mais uma vez, tive filhos, mas nunca fui realmente feliz. A única mulher que realmente amei morreu, e isso eu jamais, nunca vou superar."
Ele parou de falar, podia ver as lágrimas rolarem em rosto marcado pela idade. Ele me olhou e sorriu.
- Agora me responde, você ama ela? - Perguntou.
Uma lagrima também escorreu em meu rosto. Eu nunca tive tanta certeza de um sentimento. Eu amava a Meli, eu sempre a amei, e sempre iria amar. Tinha que ter uma explicação, minhas burrices eram pelo medo exagerado de a perder, de não fazê-lá feliz. Minha vontade de fazer ela sorrir era porque não conseguiria viver sem aquele sorriso. Tinha que ter pelo menos um motivo para meus dedos se encaixarem tanto nos dela.
- Sim. - Respondi. - Eu a amo.
- De todas as formas possíveis?
- De todas as formas possíveis. - Repeti.
Meu celular começou a tocar, o rosto de Victor brilhava na tela, possivelmente a raiva tinha passado e ele estava preocupado. Deixei o celular de lado, queria continuar a conversa com o senhor.
- Não vai atender? - Perguntou o Senhor.
- Não. - Falei.
- Atende logo, rapaz, esse barulho faz mal as minhas rosas.
Então atendi.
- Jason? - Falou Victor.
Fiquei em silêncio por um segundo, a voz dele continuava tensa.
- Estou aqui.
- Vem para o hospital agora. - Falou. -A Meli acordou.
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Cicatrizes: Quanto um amor machuca?
RomanceMelina Foster dividi a casa com seus dois melhores amigo, Bárbara e Victor, segue uma vida normal até que um antigo amor do passado volta de Londres para morar com eles. Melina descobre que ainda é completamente apaixonada por seu antigo amigo Jason...