2- Caminho das sombras

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Segui Draco sem hesitar, como se minha própria vontade tivesse sido engolida por uma força antiga, uma correnteza profunda e inevitável. Cada passo que dava parecia guiado por uma mão invisível, que não reconhecia ou respeitava minha autonomia. O destino havia me capturado, envolto em correntes forjadas muito antes do meu nascimento, e agora, eu era apenas uma peça no tabuleiro de um jogo muito maior. O que deveria ser assustador ou avassalador tornou-se um alívio frio, como se dentro de mim soubesse que esse momento chegaria. Ansiei, secretamente, por uma razão para existir.

Enquanto deixava minha casa para trás, o mundo que conhecia começava a se dissolver em uma sombra indistinta. Os cheiros da minha infância – o pão assando no forno, o aroma do chá de ervas que minha mãe preparava toda tarde – eram agora apenas ecos distantes. Me lembrei das noites tranquilas em que meu pai me contava histórias sobre heróis e reinos distantes, e me perguntei se, algum dia, ele havia imaginado que seu próprio filho estaria destinado a algo assim. Havia uma leveza no peito ao pensar neles, mas ela foi rapidamente esmagada pelo peso das correntes invisíveis que agora me prendiam ao meu destino. O mundo parecia ter perdido sua cor, seu calor. Havia apenas o frio, e Draco à minha frente.

Meus pais me encararam pela última vez antes de eu partir, seus olhos cheios de tristeza, mas sem luta. O silêncio entre nós foi um vazio ensurdecedor. Queria dizer algo, um último adeus, talvez, mas as palavras nunca vieram. Uma parte de mim sabia que eles compreendiam que eu não voltaria. Sabiam que eu já não pertencia àquele lugar, e talvez nunca tivesse pertencido. Foi nesse silêncio que o mensageiro do rei, rígido e indiferente, observava a cena, como quem executa um dever rotineiro, sem emoção. E Draco, sempre vigilante, já era a sombra que agora me guiava para longe da vida que eu conhecia.

À medida que avançávamos pela cidade, um peso estranho parecia crescer no ar. As pessoas ao nosso redor, como se instintivamente reconhecessem a presença de Draco, começaram a parar. Inicialmente, eram apenas olhares curiosos, como se ele fosse apenas uma figura estranha que passava despercebida. No entanto, algo mudou rapidamente. Um murmúrio crescente percorreu a multidão, espalhando-se como fogo em palha seca. Olhares de curiosidade transformaram-se em olhares de terror. O pânico começou a se espalhar quando perceberam que a presença dele não era uma ilusão.

As ruas de Astaris, normalmente tão movimentadas e cheias de vida, agora estavam mergulhadas em uma atmosfera sufocante de medo.  As pessoas começaram a correr, gritando, como se algo catastrófico estivesse prestes a acontecer. As luzes de pedras mágicas que decoravam os becos pareciam piscar mais rápido, refletindo o caos crescente. Podia ouvir os passos acelerados, os gritos de confusão, e os chamados desesperados das crianças que se perderam de seus pais. O ar estava carregado de ansiedade, e meu coração, por um breve momento, apertou-se em compaixão.

Sabia que aquela confusão, aquele pânico coletivo, não era natural. Era o reflexo de Draco, de sua presença avassaladora que distorcia a realidade ao seu redor. Mesmo sem fazer um movimento, ele estava mudando tudo. A cidade estava em polvorosa, e Draco observava, inabalável, como se aquilo fosse apenas uma consequência inevitável de sua verdadeira natureza.

No entanto, enquanto a cidade estava à beira de um colapso, Draco deu um passo à frente, erguendo sua mão em um gesto lento, mas decidido. De repente, senti uma onda de poder psíquico se irradiar dele, uma força invisível e monumental que atravessou a cidade como uma rajada de vento. Foi como se o próprio ar ao nosso redor tivesse sido silenciado. Os gritos cessaram. As pessoas, uma a uma, pararam no meio do caos, suas expressões de terror congeladas no rosto. Seus corpos estavam imóveis, os olhos vazios, como se suas mentes tivessem sido momentaneamente arrancadas de suas consciências.

Senti a invasão de Draco nas mentes daquelas pessoas. Não era gentil, nem cuidadosa – era brutal, como uma tempestade que varria tudo em seu caminho. Ele controlou o pânico com uma força tão esmagadora que até eu, ao seu lado, senti uma pressão invisível sobre minha mente, como se a qualquer momento ele pudesse esmagar minha vontade com a mesma facilidade. E foi nesse momento que percebi o verdadeiro poder de Draco. Não era apenas sua forma física que era aterradora; era sua capacidade de dobrar a realidade à sua vontade, de controlar tudo ao seu redor sem levantar um dedo.

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