8- Tharbandir

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Acordei com o suave tremular da carroça, o ranger das rodas de madeira ecoando ao passarem por algo mais sólido. Minha cabeça ainda latejava das batalhas anteriores, uma dor persistente que parecia gravada em cada fibra do meu ser. Minha visão embaçada lentamente ajustou-se à luz do dia, revelando o mundo além das sombras em que estivéramos imersos. O cenário que se abriu diante de mim parecia ter saído de um conto antigo, de tempos remotos e esquecidos.

À frente, um vilarejo de construções de pedra, suas paredes desgastadas pelo tempo e pela intempérie, erguia-se em meio à paisagem. As casas, feitas de blocos cinzentos, eram como sentinelas solitárias de uma era há muito perdida. Cada parede, marcada pela história, contava histórias de eras passadas—de batalhas, resistências e perdas. As ruas eram estreitas, serpenteando pelo vilarejo, cheias de poças de lama formadas pelas chuvas recentes, refletindo o céu cinza e pesado.

Poucas pessoas andavam pelas ruas, e as que o faziam moviam-se com uma desconfiança visível. Seus olhos nos seguiam de forma furtiva, suas roupas simples e gastas contrastando com a aura de desespero que parecia impregnar o ar. Havia algo de sombrio naquele vilarejo. Algo que se movia nas sombras, invisível, mas sempre presente.

Acariciei minha adaga instintivamente, o frio do metal contra a pele trazendo uma estranha sensação de conforto enquanto eu me equilibrava e me dirigia a Zathor, que conduzia a carroça com sua habitual expressão impassível. As rédeas em suas mãos eram seguras com firmeza, mas seu olhar estava distante, observando tudo ao redor, como um caçador à espreita de um perigo iminente.

"O que aconteceu depois que desmaiei?" perguntei, minha voz ainda rouca da batalha anterior, mal reconhecendo meu próprio tom.

Zathor virou-se ligeiramente, seus olhos carregando uma preocupação que eu raramente via. Ele hesitou antes de falar, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. "Depois que o lobo desapareceu, você desmaiou. Aquilo não era um inimigo comum, Isaac. Existem poucos com poderes psíquicos naquele nível. Você teve sorte de sobreviver àquele encontro."

Minha mente se afundou em reflexões sombrias, mas ainda havia algo que me perturbava profundamente. "Quem era ele?" insisti, uma inquietação crescente se formando no meu estômago. Algo sobre aquele lobo me incomodava de uma forma que eu não conseguia descrever.

Zathor apertou as rédeas, seus olhos analisando o vilarejo ao nosso redor. "Um metamorfo," ele disse, sua voz mais grave do que antes. "Assim como Draco. Mas há algo errado... não faz sentido ele ter nos emboscado com um esquadrão de elfos negros logo no início da nossa jornada. Há mais por trás disso."

Enquanto conversávamos, o vilarejo de Tharbandir continuava a se desenrolar à nossa frente. As construções de pedra, embora robustas, mostravam sinais claros de desgaste e abandono. Telhados inclinados, com musgo crescendo nas frestas das telhas, davam um ar de melancolia ao lugar. Pequenas janelas emolduradas por madeira quase apodrecida permitiam apenas um vislumbre do que estava dentro das casas, mas mesmo assim, não se via muita vida por trás delas.

Chaminés exalavam uma fumaça densa e branca, indicando que as lareiras estavam acesas para combater o frio cortante que permeava o ar. O cheiro de carne assada se misturava ao da terra molhada, trazendo uma sensação agridoce de um vilarejo que, apesar de sua decadência, ainda se agarrava à vida. Pequenos grupos de crianças, algumas com orelhas pontudas, outras com traços humanos, corriam descalças pelas ruas, suas roupas rasgadas e sujas. Seus rostos, cheios de curiosidade, observavam nossa carroça passar, mas elas não se aproximavam.

Os adultos, por outro lado—anões, elfos e humanos—trabalhavam em silêncio. Cortavam lenha, transportavam baldes de água com dificuldade ou vendiam pequenos artesanatos em bancas simples. Seus olhares furtivos e expressões cansadas diziam mais do que palavras. A atmosfera estava carregada de uma tensão palpável, como se o próprio vilarejo estivesse esperando por algo, uma tempestade prestes a cair.

Nossa conversa foi interrompida abruptamente quando a carroça parou no centro do vilarejo, diante de uma pequena praça. À nossa frente, uma grande forja esculpida em pedra destacava-se entre as construções. À beira dela, um anão de barbas longas e brancas martelava uma lâmina brilhante, suas mãos calejadas e fortes movendo-se com a precisão de alguém que dominava sua arte há gerações. Ele usava um avental de couro pesado, manchado com fuligem e marcas do trabalho árduo. Era claro, pela maneira como os outros o observavam de longe, que ele era o líder daquele lugar.

Quando ele percebeu nossa presença, largou o martelo, limpou as mãos no avental e caminhou até nós com passos firmes. Seu rosto, sulcado por rugas profundas, mostrava a sabedoria e o cansaço de eras passadas. Mas seus olhos—um azul intenso e penetrante—brilhavam com a astúcia de quem já havia visto mais do que gostaria.

"Eu sou Thorgar, líder de Tharbandir e ferreiro deste vilarejo," disse ele, sua voz grave e marcada pela exaustão de responsabilidades que pesavam mais do que o martelo que empunhava. "O que traz vocês ao nosso vilarejo?"

"Somos apenas viajantes," respondeu Zathor, com sua habitual calma calculada. "Estamos de passagem e precisamos apenas abastecer a carroça antes de seguir viagem."

Thorgar franziu o cenho, uma expressão de preocupação formando-se em suas feições envelhecidas. Ele balançou a cabeça com um suspiro cansado. "Os armazéns estão vazios, viajantes. Não temos muito a oferecer."

Havia algo na maneira como ele disse isso que imediatamente me deixou desconfiado. Suas palavras eram pesadas, como se escondessem mais do que revelavam. Fechei os olhos por um instante e deixei minha mente se estender como uma teia invisível até a dele. Comecei a sondar seus pensamentos com cautela, deslizando pela superfície de sua consciência até encontrar fragmentos de suas memórias.

Imagens fragmentadas e distorcidas começaram a surgir. Visões de goblins hediondos invadindo o vilarejo, arrastando mulheres e crianças para longe, as chamas devorando as paredes de pedra enquanto os moradores lutavam para sobreviver. O medo e o desespero marcavam cada pensamento. Um nome ecoava em sua mente como um grito desesperado: Hobgoblin.

Os goblins, liderados por um Hobgoblin, vinham regularmente ao vilarejo, levando suprimentos e ameaçando levar as mulheres se os moradores não os obedecessem. Thorgar estava sendo esmagado por esse fardo, sua alma ferida, mas ele continuava de pé, guiado pelo dever de proteger seu povo, mesmo que isso significasse submeter-se a criaturas que ele desprezava.

Voltei à realidade com um leve tremor, afastando-me da mente de Thorgar sem deixar rastros. Meu olhar encontrou o de Zathor, e, por um breve momento, ele pareceu perceber a mudança em minha expressão, mas não disse nada. Em vez disso, voltou-se para o anão com uma nova firmeza em sua voz.

"Entendemos a situação," disse Zathor, sua voz carregada de uma determinação que raramente mostrava. "Talvez possamos ajudá-los com... esses problemas que vocês têm enfrentado."

Thorgar hesitou, seus olhos desconfiados analisando Zathor, mas havia um brilho de esperança misturado com o medo. Ele deu um passo para trás, fazendo um gesto para que descêssemos da carroça.

"Se vocês puderem fazer isso," ele começou lentamente, sua voz ainda reticente, "teremos muito a discutir."

Enquanto descia da carroça, senti uma nova tensão se formar no ar, como se o vilarejo estivesse à beira de uma nova batalha. Minha missão original parecia distante naquele momento, substituída pela iminência de outro desafio. Talvez lidar com essas criaturas fosse uma prova, um teste que Draco aprovaria—se fosse bem-sucedido. Mas, no fundo, uma dúvida persistente me incomodava: e se tudo isso fosse apenas outra armadilha, mais um jogo cruel em que eu era apenas uma peça movida por mãos invisíveis?

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