13- Ilusões de paz

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As sombras da caverna ainda tremulavam ao nosso redor, ecoando os gritos de dor das mulheres torturadas. A atmosfera pesada se prendia a cada respiração, e o cheiro da morte ainda pairava no ar. Ariendel estava ao meu lado, seus olhos observando as mulheres em silêncio, enquanto sua mente se envolvia em um turbilhão de emoções contraditórias. Sua postura, firme, mas ao mesmo tempo vacilante, revelava o conflito interno que a corroía.

Mas eu não podia hesitar. Havia algo que eu podia fazer por essas mulheres, algo que lhes traria um fim digno — uma morte envolta em paz, não em dor.

Concentrei-me em suas mentes fragmentadas e quebradas. Seus pensamentos eram ecos de sofrimento, pedaços de memórias despedaçadas pelo horror e pela tortura que haviam sofrido. Com uma precisão cirúrgica, comecei a tecer ilusões em suas mentes, criando para elas um mundo diferente, uma vida pacífica. Um mundo onde elas não haviam sido capturadas, onde nunca haviam conhecido o terror dos goblins ou o toque maligno do xamã.

Em suas ilusões, criei cenas de uma vida que jamais tiveram. As mulheres, antes torturadas e mutiladas, agora viviam vidas simples, mas felizes. Uma delas brincava com seus filhos em um campo de flores sob o sol da primavera; outra caminhava pelas ruas de uma cidade tranquila, seu rosto livre de cicatrizes e traumas. E, à medida que o tempo avançava nesses mundos de ilusão, fiz com que envelhecessem com graça, cercadas de amor e paz. Suas peles enrugadas, seus corpos frágeis, mas suas almas finalmente tranquilas.

Ao longo de anos, em suas mentes, viveram até a velhice, e no final dessa jornada ilusória, suas mortes eram naturais, pacíficas, como se simplesmente adormecessem para nunca mais acordar. Enquanto isso, no mundo real, eu apaguei suas vidas em um único momento. Seus corpos murcharam em silêncio, e o ar ao nosso redor ficou mais leve, como se o próprio espírito da caverna tivesse aceitado a paz que eu lhes dei.

Olhei para Ariendel, esperando uma aceitação silenciosa. Mas o que encontrei foi o olhar horrorizado dela, uma expressão de repulsa que me desconcertou. Minha mente se agitou, confusa. Havia lido sua mente antes e visto as crueldades que ela havia cometido — as torturas a que havia submetido outros seres vivos em nome de seu conhecimento. E agora, aqui, diante dessas mulheres, ela estava perturbada com o que eu havia feito. Algo não fazia sentido.

Por um momento, considerei penetrar mais fundo em sua mente, descobrir o que estava por trás dessa mudança abrupta. Mas hesitei. Ariendel era poderosa e perceberia minha invasão. O risco de ser descoberto era grande demais. Decidi, por enquanto, deixar o assunto de lado.

"Eu lhes dei paz," disse calmamente, olhando para as mulheres que agora jaziam sem vida. "Elas viveram uma vida longa e feliz, mesmo que apenas em suas mentes. É mais do que teriam tido se estivessem vivas."

Ariendel não respondeu de imediato. Em vez disso, começou a usar seus poderes para manipular a terra. As raízes e o solo da caverna se moveram sob seu comando, abrindo buracos profundos e silenciosos para enterrar os corpos das mulheres. Cada movimento dela era preciso, como se quisesse enterrar não apenas os corpos, mas também o horror que pairava sobre nós.

Enquanto ela trabalhava, aproveitei a quietude para vasculhar o corpo do xamã. Seus restos ainda exalavam uma aura de poder sombrio, um resquício de sua malícia mesmo após sua morte. Meus olhos caíram sobre um anel dourado em seu dedo. Havia inscrições élficas antigas gravadas nele, mas a linguagem era desconhecida para mim. Não consegui decifrar as runas, mas algo no objeto me chamou a atenção. Com um gesto rápido, tirei o anel do do xamã e o coloquei.

No momento em que o metal frio tocou minha pele, senti uma mudança drástica. Era como se minha aura mágica, a presença que me envolvia, tivesse desaparecido completamente. Eu não podia mais sentir meu próprio poder, e uma estranha sensação de vazio me invadiu. Tentei estender minha mente ao meu redor, mas não consegui sentir nada. Era como se eu tivesse sido apagado do mundo, como se minha própria existência fosse um segredo oculto até de mim mesmo.

Ariendel, que estava concentrada nos sepultamentos, parou abruptamente e virou-se em minha direção, os olhos arregalados de preocupação. "Isaac... onde você está?" Ela parecia quase alarmada. "Eu não consigo senti-lo."

Levantei o dedo e olhei para ele, ainda confuso. "Estou aqui," disse, tentando entender o que havia acontecido. "Esse anel... algo nele bloqueou minha aura."

Ariendel se aproximou, visivelmente aliviada ao me ver novamente, mas sua preocupação ainda era palpável. "Não faça isso novamente," ela advertiu, seus olhos cheios de uma intensidade que eu não esperava. "Estar nessa caverna sem saber onde você estava... eu fiquei preocupada. Pensei que tinha ficado sozinha com... tudo isso."

Ela não precisava explicar o que "tudo isso" significava. O horror do lugar ainda era palpável. Mas suas palavras me surpreenderam. A preocupação dela comigo parecia genuína, algo que eu não esperava de alguém tão cruel em seu passado. Fiz uma anotação mental para investigar isso mais tarde.

Deixei o bracelete no meu dedo por mais um momento, sentindo o vazio que ele criava. Era uma sensação estranha, mas útil. Haveria ocasiões em que seria vantajoso desaparecer completamente, ocultar minha presença do mundo. Mas por enquanto, tirei o bracelete e guardei-o em um dos meus bolsos.

"Estou bem," falei, me recompondo. "Apenas investigando. Nada que deva nos preocupar."

Ela assentiu, mas a tensão entre nós não desapareceu. Ainda havia muito que não sabíamos um sobre o outro, e eu sentia que seus segredos estavam mais perto da superfície do que ela queria admitir.

Aproveitei para continuar a vasculhar o corpo do xamã, e meus olhos se voltaram para o cajado que ele empunhava. Era feito de ossos humanos, claramente infundido com uma magia profana. A chama que antes ardia na ponta agora estava extinta, mas ainda havia uma energia sombria pulsando dentro dele. Segurei o cajado por um momento, sentindo a malícia que residia ali, mas não vi utilidade em mantê-lo. Com um único movimento, quebrei o cajado em duas partes. A energia que emanava dele desapareceu no ar, dissipando-se como fumaça.

Vendo que não havia mais nada de valor nos restos do xamã, levantei-me e olhei ao redor da caverna grotesca. O lugar ainda exalava uma aura de morte, apesar de nosso trabalho, e o desejo de sair dali crescia dentro de mim. Ariendel, tendo terminado de enterrar as mulheres, também parecia ansiosa para partir.

"É hora de encontrarmos Zathor," disse, a voz firme. "Não há mais nada para nós aqui."

Ariendel assentiu, mas sua expressão ainda era sombria. "Concordo. Não há saída dessa câmara a não ser o caminho por onde viemos."

Juntos, começamos a nos afastar da câmara, deixando para trás os horrores que testemunhamos. Mas algo me dizia que esse lugar, e tudo o que aconteceu aqui, permaneceria conosco por muito tempo.

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