4- Missão de sangue

50 13 0
                                    


Tudo fora da torre havia se desfeito em sombras indistintas, fragmentos de um passado que eu já mal reconhecia. Meus pais, que um dia foram os alicerces da minha existência, agora não passavam de memórias distantes, como um sonho desvanecido no nevoeiro do tempo. A torre havia consumido tudo: minha história, minha identidade, e até mesmo minhas dúvidas. E por mais que eu tentasse me apegar a qualquer fragmento de quem eu havia sido, parecia que quanto mais eu tentava lembrar, mais as memórias escapavam, como grãos de areia entre meus dedos.

Foram anos – quantos exatamente, eu já não sabia – de uma rotina incansável, onde o tempo se diluía em treinos brutais e batalhas psíquicas que consumiam minha mente. Havia dias em que eu não conseguia distinguir se era manhã ou noite. A luz que penetrava pelas pequenas janelas da torre parecia um lembrete distante de um mundo que eu já não conhecia. Minha única companhia constante era Draco, cujo olhar penetrante parecia capaz de despir a alma de qualquer vestígio de humanidade. Ele era implacável, e seu treinamento extenuante não deixava espaço para fraquezas ou hesitações.

Entretanto, por mais que o peso do isolamento fosse esmagador, havia momentos – raros, mas reais – em que sentia algo se agitar dentro de mim. Era uma mistura de alívio e satisfação sombria ao perceber que estava ficando mais forte. Eu me tornava uma arma afiada, esculpida pela dor e pela disciplina. Ainda assim, era um triunfo vazio. As poucas lembranças de alegria que eu tinha, como os risos de minha mãe ou o toque reconfortante de meu pai, já não traziam consolo, mas um vazio que eu não podia preencher.

Mas naquela noite, o ar parecia diferente. Algo pulsava no horizonte, invisível, mas inegável. Eu podia sentir.

Envolto em uma atmosfera sufocante, como se o próprio mundo estivesse prestes a se quebrar, entrei mais uma vez em combate com Draco. Nossas mentes se entrelaçavam como lâminas em um duelo silencioso, uma batalha de vontades que ia além da carne, testando a profundidade de nossas forças interiores. A conexão psíquica entre nós era intensa, mas naquele momento, havia algo no ar – uma tensão que eu não conseguia identificar, mas que era palpável como uma tempestade à espreita.

Subitamente, Draco interrompeu o combate, rompendo o vínculo que nos conectava. Sua presença psíquica, sempre esmagadora, recuou. "Isaac," sua voz ecoou em minha mente, fria como o vento cortante das montanhas. "Seu treinamento está prestes a entrar em uma nova fase."

Um calafrio percorreu minha espinha. A noite, sempre um refúgio para meu treinamento, agora se tornara o prelúdio de algo maior. A cada palavra que ele pronunciava, o peso do destino se abatia sobre mim, como se o fio que conectava meu passado ao futuro estivesse se esticando ao seu limite. Draco, com sua aura de poder e mistério, estava prestes a me lançar em algo que eu ainda não compreendia completamente.

"Torturga," ele pronunciou o nome com uma gravidade que ressoou nas profundezas da minha mente. Esse reino, sempre envolto em lendas e segredos sombrios, despertava temor e desconfiança em todos os que ouviam seu nome. Draco continuou, sua voz reverberando como um trovão distante: "Eles estão se preparando para algo grande. Algo que ameaça o equilíbrio de poder em Astaris."

Senti a informação girar em minha mente, mas antes que eu pudesse formular um pensamento coerente, Draco prosseguiu, sua presença psíquica apertando como uma mão invisível ao redor de minha mente. "Você vai até Torturga." Suas palavras foram um decreto, e eu soube, naquele instante, que não havia escolha. "Lá, encontrará o general de mais alta patente. Descubra os planos dele. E se necessário, mate-o."

O silêncio que se seguiu foi como o vazio entre o trovão e o raio, cheio de promessas destrutivas. Nunca antes uma missão havia sido tão direta. Eu não apenas deveria infiltrar-me em um dos reinos mais misteriosos e perigosos, mas também eliminar um dos homens mais poderosos de Torturga. O peso da missão era esmagador, mas havia algo mais. Algo que não estava sendo dito. Draco, sempre mestre do controle, estava omitindo alguma coisa.

Por um instante, permiti que a dúvida aflorasse. "Por que eu?" Minha voz mental ecoou, firme, mas com uma sutil corrente de incerteza. "Você é infinitamente mais poderoso, Draco. Se esse general representa uma ameaça tão grande, por que não vai você mesmo? Por que confiar isso a mim?"

O silêncio de Draco foi longo e carregado, como se estivesse ponderando cada palavra antes de responder. Quando ele finalmente falou, sua resposta foi um lembrete da vastidão de sua sabedoria, sombria e implacável. "O poder bruto é fácil de detectar, fácil de temer," ele disse, sua voz gélida. "O verdadeiro poder reside naquilo que passa despercebido. O general espera por mim, uma força de destruição que ele pode identificar. Mas você, Isaac... você pode se mover nas sombras. Ser subestimado, ser invisível. E é isso que o torna a arma perfeita."

As palavras de Draco faziam sentido, uma lógica afiada como uma lâmina, mas ainda assim havia um vazio, uma hesitação que eu não conseguia entender. Draco estava me ocultando algo, e essa omissão deixava um gosto amargo de desconfiança em minha mente.

"E se algo der errado?" perguntei, buscando clareza. "Se eles perceberem que não sou apenas um andarilho comum? Se eu for capturado?"

Draco não hesitou. Sua resposta foi como uma pedra caindo em um abismo sem fim. "A corrupção em Torturga corre tão profunda quanto suas raízes. Os reis e nobres estão enredados em suas próprias tramas de poder, cegos para as verdadeiras ameaças. Mas saiba disso, Isaac: você não está sozinho. Há vigias em toda parte, agentes ocultos nas sombras da cidade, prontos para agir. Se falhar, as consequências serão desastrosas. Não apenas para você, mas para todo o reino de Astaris."

O peso dessa responsabilidade esmagou qualquer resistência que restava. Mas ainda assim, uma última questão queimava dentro de mim, algo que eu precisava compreender antes de dar esse passo. "Por que confiar essa missão a mim?" insisti. "Por que eu, Draco? Por que não alguém com mais experiência?"

O silêncio que se seguiu foi ainda mais pesado do que o anterior. Quando Draco finalmente falou, sua voz carregava um fio de dureza, como uma lâmina embainhada, prestes a ser usada. "Porque você foi moldado por minhas mãos, forjado na dor e na escuridão. Não há outro como você, Isaac. Esta é sua prova final. Se falhar, todo o nosso esforço terá sido em vão. Mas se tiver sucesso... então, estará pronto para o que está por vir."

As palavras de Draco, frias e implacáveis, cortaram profundamente, mas também trouxeram um senso de propósito. Eu havia sido preparado para isso, mesmo que não compreendesse todos os detalhes. Agora, o caminho à minha frente estava claro. Não havia retorno.

"Entendido," respondi, minha mente firme, mas ainda ressoando com as dúvidas não expressas.

"Prepare-se para partir ao amanhecer," Draco ordenou, sua voz se dissipando na escuridão, como se ele já estivesse preparando o próximo passo. "Vá como um andarilho. Deixe que a discrição seja sua arma mais mortal."

E então ele se foi, sua presença desaparecendo, deixando-me só com meus pensamentos. O peso da missão pendia sobre mim como uma espada prestes a cair.

O sono, naquela noite, era um luxo impossível. Minha mente girava incessantemente, visualizando cada cenário, cada erro que poderia custar não apenas minha vida, mas o destino de Astaris. Quando os primeiros raios do amanhecer tocaram as montanhas, eu já estava preparado, vestido com o manto de um andarilho, escondendo minha identidade.

Cada passo que dei para fora da torre parecia ecoar no vazio, como se o próprio mundo estivesse observando. O vento das montanhas chicoteava meu rosto, frio e implacável, enquanto eu me afastava da torre. Torturga me aguardava, uma missão envolta em perigos e segredos.

Mas também era o próximo passo em direção ao meu destino. O fracasso não era uma opção.

O vazio primordial Onde histórias criam vida. Descubra agora