15- Medo do fracasso

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Quando finalmente chegamos ao local da batalha, o cenário diante de nós era algo saído dos pesadelos mais profundos. A caverna se expandira em um campo vasto, repleto de rochas afiadas e escarpas irregulares que se erguiam como dentes de pedra. As paredes, antes opressivas, agora se perdiam na imensidão, criando a impressão de um desfiladeiro sombrio e infinito. O chão era um mar de corpos mutilados e sangue coagulado. Não havia um único pedaço de terra que não estivesse coberto de tripas, membros destroçados ou restos grotescos de goblins. Era como se o próprio chão estivesse sangrando, alimentando a carnificina.

O ar estava saturado com o cheiro de sangue velho, ferro e carne podre. A cada respiração, sentia o gosto metálico amargo na minha língua. O som gorgolejante de fluidos e a carne se desfazendo misturava-se ao ocasional farfalhar das pedras que rolavam das rochas próximas. O campo estava morto e vivo ao mesmo tempo, como um campo de guerra amaldiçoado, onde os mortos nunca descansavam.

No centro dessa visão infernal, estava Zathor. Transformado em sua forma monstruosa, sua presença era ao mesmo tempo aterrorizante e fascinante. Sua pele deformada e costurada de várias tonalidades reluzia à luz tênue da caverna. Os olhos, agora orbes brilhantes e carregados de raiva, pareciam devorar o cenário à sua frente. Sua lança, pingando com o sangue escuro dos goblins, era um reflexo da selvageria ao seu redor.

Mas mesmo Zathor, em toda sua monstruosidade, parecia pequeno diante da figura que estava à sua frente. O hobgoblin. Este não era como os outros que havíamos enfrentado antes. Sua pele era vermelha, pulsando com uma energia que parecia fluir diretamente das entranhas da terra. O corpo, coberto por runas antigas gravadas em sua carne, brilhava com uma luz maligna, como se estivesse canalizando algum poder ancestral. Cada símbolo parecia vibrar em sintonia com o próprio ambiente, conectando-o a algo muito além da simples magia.

Em um piscar de olhos, Zathor desapareceu, reaparecendo atrás do hobgoblin, sua lança avançando para perfurar o pescoço do monstro. Mas, no último segundo, o sangue ao redor do hobgoblin se levantou como se estivesse vivo. Ele formou uma muralha sólida, bloqueando o ataque com uma precisão impossível. A lança de Zathor ricocheteou com um som oco, e o hobgoblin sequer se moveu. Ele parecia invencível, uma força da natureza que não podia ser parada por simples força bruta.

Um frio percorreu minha espinha. Meu coração martelava em meu peito, e pela primeira vez, a ideia de fracasso se instalou profundamente em minha mente. Esse inimigo não era como qualquer outro. Ele tinha algo mais, um poder que não podíamos enfrentar de maneira convencional. Ainda havia goblins espalhados pelo campo, e eles começaram a nos notar, seus olhos brilhando de malícia enquanto corriam em nossa direção.

Ariendel, ao meu lado, estava tensa. Ela observava a cena com olhos arregalados, seus dedos tremendo levemente enquanto tentava manter a compostura. Quando os goblins começaram a se aproximar, ela se virou para mim, sua expressão desesperada.

"Isaac, precisamos sair daqui. Não temos chance." Sua voz estava carregada de urgência. "Isso não é uma luta que podemos vencer.

Eu a encarei, o sangue fervendo dentro de mim. A ideia de fugir, de abandonar Zathor ali, era insuportável. Cada instinto dentro de mim gritava para que eu lutasse, para que eu enfrentasse essa escuridão.

"Fugir?" Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, cheia de frustração. "Não podemos simplesmente fugir, Ariendel. Se deixarmos Zathor aqui, ele será morto.

"Zathor sabia o que estava enfrentando!" Ariendel retrucou, seu tom de voz aumentando em intensidade. "Você viu o que aquele hobgoblin fez! Ele não é um inimigo comum, Isaac. Ele está carregado de algum poder sombrio. Vamos morrer se ficarmos!

"Morrer tentando é melhor do que viver fugindo! "Eu senti a raiva crescer dentro de mim, uma força que estava à beira de explodir. "Não vou deixá-lo aqui. Eu não sou como você.

"E o que você acha que vai acontecer? Que sua bravura vai derrotar esse monstro?" Ela avançou um passo, os olhos faiscando com raiva e medo. "Isso não é sobre sobrevivência, Isaac. Isso é sobre sabedoria. Se ficarmos, todos vamos morrer. Você, eu, Zathor. Não temos poder para vencer isso!

Senti algo sombrio crescer dentro de mim, algo que não estava lá antes. Um desejo de controle, de impor minha vontade sobre ela. Eu sabia que não tinha esse poder, mas a ameaça ainda estava presente em minha mente.

"Fecha essa droga de boca, Ariendel! Se você ousar fugir, eu vou te transformar na minha maldita marionete, e você vai se arrepender de cada passo." Minha voz saiu cortante, carregada de um ódio frio e implacável. A ameaça ficou suspensa no ar como uma lâmina pronta para cair. Ela recuou, sem saber do que eu era capaz, e isso era o bastante. Seus olhos se arregalaram, um misto de pavor e choque tomando conta de sua expressão.

"Isaac... " Sua voz tremeu, o medo transparecendo. Ela ficou em silêncio por alguns segundos, tentando se recompor. "Tudo bem. Faremos do seu jeito.

Eu não respondi, apenas a observei. O medo em seus olhos era evidente, mas funcionou. Ela respirou fundo, voltando-se para os goblins que se aproximavam.

"Eu cuidarei desses" disse ela, tentando recuperar sua compostura. "Ajude seu amigo.

Com um gesto rápido, Ariendel fez o chão se mover. As rochas e a terra ao nosso redor começaram a se erguer, criando uma onda que avançou em direção aos goblins, engolindo-os como se a própria caverna estivesse viva. Seus gritos de desespero foram abafados enquanto a terra os consumia. Ela se virou para mim, seus olhos ainda tensos.

"Vá. Deixe o resto comigo.

Sem hesitar, corri em direção a Zathor. Minha adaga estava firme em minha mão, e minha mente já estava se preparando para o combate. No caminho, alguns goblins tentaram me interceptar, mas eu os confundi, distorcendo suas percepções até que começaram a lutar entre si. Eles arrancavam membros uns dos outros, seus gritos se transformando em um coral de agonia enquanto se despedaçavam mutuamente.

Meus olhos estavam fixos no hobgoblin à frente. Ele estava murmurando algo, seus lábios se movendo em um cântico antigo e macabro. De repente, o sangue ao seu redor começou a se erguer novamente, desta vez formando lanças afiadas que cintilavam com um brilho rubro. Havia milhares delas, todas apontadas para mim e para Zathor.

Meu coração disparou. As lanças dispararam ao mesmo tempo, rasgando o ar em nossa direção com uma velocidade impossível de acompanhar. Eu sabia que não poderia desviar de todas, mas continuei correndo, determinado a alcançar Zathor.

No último segundo, Zathor se teleportou para minha frente. Sua lança girou no ar com uma habilidade magistral, criando um escudo improvisado que bloqueou a maioria das lanças. Mas não foi o suficiente. Algumas das lanças perfuraram seu corpo, rasgando sua carne com um som horrendo.

Eu vi Zathor cambalear, mas ele não caiu. Seu corpo tremia, a dor evidente em seu rosto, mas ele ainda estava de pé. Ainda lutando.

O hobgoblin riu, sua voz profunda e carregada de desprezo.

— Vocês não podem me vencer.

E naquele momento, eu soube que a verdadeira batalha estava apenas começando.

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