12- Véu de desespero

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O campo de batalha ainda pulsava com a energia residual do combate, como uma ferida aberta que sangrava sombras. As cinzas das fogueiras extintas pairavam no ar, misturando-se com a neblina densa e envenenada que envolvia tudo ao nosso redor. Ao longe, os últimos gritos de dor se silenciavam, sendo lentamente devorados pela escuridão que agora se instalava sobre nós. O corpo da xamã goblin, uma figura antes imponente, jazia inerte no chão, mas sua presença, de alguma forma, parecia viva nas minhas lembranças. Era como se sua essência tivesse se impregnado na minha mente, criando raízes profundas em meu subconsciente.

A batalha havia terminado, mas algo dentro de mim estava longe de encontrar paz. O alívio momentâneo da vitória foi rapidamente substituído por uma avalanche de memórias — um turbilhão que veio como uma onda de choque, partindo do centro da minha alma. Draco... Eu o via claramente, uma figura imponente em meu passado, suas escamas rubras brilhando à luz de experimentos insidiosos. Naquelas memórias, eu era pouco mais que um objeto, uma ferramenta em suas mãos, inconsciente ou em transe, enquanto ele me moldava a seu gosto.

Imagens de frascos contendo líquidos viscosos sendo injetados em mim começaram a se formar em minha mente. Eu via minha própria carne sendo cortada, remendada e costurada novamente, tudo enquanto Draco dominava minha mente por completo, como um artesão manipulando o material bruto. Às vezes, eu lutava contra seu controle, tentava me libertar, mas a dor e o poder dele eram esmagadores. Eu me via impotente, quebrado, e essa impotência me perseguia em pesadelos que se repetiam noite após noite.

Agora, depois da batalha, essas lembranças voltaram com força total. Senti uma presença ao meu lado. Ariendel, a druida de olhar penetrante, me observava. Havia algo em seu olhar, uma mistura de medo e perplexidade, mas também de fascinação. Sem esforço, invadi sua mente — uma invasão que antes me exigiria concentração, mas que agora parecia tão natural quanto respirar. O que encontrei ali era surpreendente.

Ela estava assustada, sim, mas havia mais. Ariendel estava intrigada, talvez até fascinada por mim, analisando cada detalhe do meu corpo, como se procurasse algo que ainda não compreendia. Franzi o cenho, meus olhos examinando meus próprios braços. Foi então que vi.

Minha pele, que antes era pálida, agora começava a mudar. Um padrão de escamas começava a se formar ao longo de meus braços, semelhantes às de Draco, mas diferentes. As escamas tinham um tom de verde misturado com roxo, como se fossem feitas de veneno cristalizado e fumaça condensada. Havia algo de tóxico e vivo nelas, como se eu estivesse metamorfoseando, meu corpo sendo transformado por forças além da minha compreensão.

Por um breve momento, senti que esse era o verdadeiro eu. Uma criatura que havia sido transformada por Draco, um reflexo do que ele queria que eu me tornasse. Mas então, as escamas retrocederam, minha pele retornando à sua forma humana. Aquilo não era um sonho. Draco havia feito coisas comigo, coisas que eu mal começava a entender.

"Você... está bem?" Ariendel perguntou, sua voz cortando o silêncio com uma mistura de cautela e curiosidade.

"Sim," eu menti, levantando-me com facilidade. "Draco fez coisas com meu corpo. Sinto que meu vigor está restaurado, como se nunca tivesse lutado."

Ariendel não respondeu de imediato. Seus olhos agora se voltaram para as mulheres que havíamos resgatado, aquelas que haviam sido prisioneiras do xamã. Seus corpos estavam marcados pelo terror. Algumas estavam grávidas, mas seus rostos eram vazios, como se a vida já tivesse sido extinta de dentro delas. Outras estavam mutiladas, suas mentes quebradas por um sofrimento impossível de descrever. Seus olhares vazios, suas mentes despedaçadas, gritavam silenciosamente dentro da minha cabeça, um eco de uma dor que transcendeu o corpo e tomou conta da alma.

Eu podia sentir seus pensamentos fragmentados, a súplica por misericórdia em cada uma delas. O toque sombrio do xamã ainda pairava sobre elas, uma maldição invisível que parecia inquebrável. Foi então que as palavras escaparam dos meus lábios antes que eu pudesse detê-las.

"Elas estão condenadas," murmurei. "Precisamos matá-las."

Ariendel se virou para mim, horrorizada. "O que você disse?" Sua voz era de choque puro.

Por um momento, fiquei em silêncio, processando o que havia acabado de dizer. Aquela ideia, tão fria e pragmática, parecia ter surgido de um lugar profundo dentro de mim, um lugar que eu mal reconhecia. Não era piedade o que eu sentia. Era uma aceitação sombria da realidade, uma compreensão nua e crua de que não havia salvação para aquelas mulheres. Elas queriam morrer. Seus pensamentos, fragmentados e desesperados, imploravam pelo fim.

"Ariendel," comecei novamente, minha voz agora mais firme, controlada. "Olhe para elas. Elas já estão mortas por dentro. O que lhes resta? Uma vida de dor e agonia? Nem mesmo a magia pode curar os danos que foram feitos. O melhor que podemos fazer por elas... é acabar com seu sofrimento."

Ariendel me encarou, sua expressão dividida entre raiva e confusão. "Você não pode decidir isso por elas," sua voz trêmula, mas determinada. "Elas têm o direito de lutar, de tentar sobreviver. Mesmo que haja dor, ainda há esperança."

"Esperança?" Eu ri, um riso amargo e sem humor. "Leia suas mentes, Ariendel, se puder. Elas não querem viver. Cada pensamento delas é uma súplica por misericórdia. O que faremos? Vamos deixá-las viver em corpos quebrados, com almas despedaçadas, presas em um tormento eterno?"

A druida hesitava, seu olhar voltando-se para as mulheres. Me deixando confuso, quando observei sua mente no momento em que nos conhecemos ela torturava seres viventes para criar elixires, minha breve reflexão foi cortada. Uma das prisioneiras, em particular, chamou sua atenção—uma jovem que estava grávida, mas cuja barriga não se movia mais. O feto, ao que parecia, já havia morrido dentro dela, e o olhar da mulher era vazio, uma casca do que um dia fora uma vida. Ariendel deu um passo hesitante em sua direção, como se quisesse oferecer conforto.

A mulher, ao vê-la se aproximar, sussurrou com uma voz fraca e rouca: "Acabe... com isso."

O pedido pairou no ar como uma sentença, tão pesado que parecia encolher o ambiente ao nosso redor. Outras mulheres, incapazes de falar, gemiam, murmuravam ou simplesmente choravam em silêncio. Seus pensamentos estavam tão saturados de dor que eu mal podia suportar. A decisão estava diante de nós, crua e inescapável.

"Você pode curar os corpos delas, Ariendel," falei, minha voz fria e sombria. "Mas não pode curar o que está quebrado em suas almas. Elas foram levadas além de qualquer coisa que podemos salvar. Talvez... Draco estivesse certo."

Ariendel me olhou, seus olhos faiscando de raiva e tristeza. "Nós não somos monstros, Isaac. Não podemos nos tornar aquilo que combatemos."

O silêncio que se seguiu era sufocante. As mulheres ao nosso redor choravam, e eu, por mais que desejasse uma outra solução, não conseguia fugir da verdade cruel que se desenrolava diante de mim.

E, no fundo da minha mente, uma parte mais sombria de mim... sorriu.

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