14- O peso das mudanças

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Enquanto caminhávamos de volta pela caverna, os corpos dos goblins começaram a surgir diante de nós, jogados pelo chão áspero como lembranças distorcidas de uma batalha perdida. Suas pequenas formas deformadas estavam contorcidas em posições grotescas, envoltas em uma poça de sangue seco e viscoso. O fedor da morte impregnava o ar, espesso e sufocante, como uma nuvem de decadência pairando sobre tudo. O brilho fraco das pedras mágicas espalhadas pelas paredes iluminava suas expressões congeladas em agonia. Alguns deles ainda tinham armas rudimentares em mãos, mas estavam agora sem vida, sem propósito.

A cada passo, meus olhos percorriam os restos daquela carnificina, e meu corpo, antes tão focado no combate, parecia agora afundar em uma neblina de reflexão. O que realmente havia acontecido comigo? O que eram aquelas escamas que surgiram em meus braços? A mudança que senti era tão real quanto a morte que me cercava. Algo em mim havia sido alterado de uma maneira que eu não compreendia por completo, mas podia sentir o impacto crescente disso em cada fibra do meu ser.

Draco... Ele havia me moldado de algum modo. Suas ações estavam cravadas em minha carne, tanto física quanto mentalmente. Senti-me como uma peça de um jogo muito maior, sendo empurrado e modificado por forças que estavam além do meu controle. Eu estava me tornando algo que eu mal reconhecia. Cada vez que acessava meus poderes, era como se uma parte de mim fosse consumida pela própria energia que eu utilizava. O poder fluía com uma facilidade assustadora, mas a que custo?

Minha meditação foi interrompida pela voz de Ariendel. "Isaac... o que exatamente é você?" Ela parou, olhando diretamente para mim com uma expressão que misturava curiosidade e receio. Seus olhos, que antes mantinham uma certa neutralidade, agora revelavam uma profundidade de questionamentos que ela vinha reprimindo há algum tempo. "O que você é?" Ela repetiu, a voz mais baixa, mas com uma intensidade que cortou o ar pesado da caverna.

Parei também, sentindo o peso de suas palavras me atingir. Fiquei em silêncio por um momento, os ecos de suas perguntas reverberando dentro de mim. O que eu era, de verdade? Antes, eu teria dito que era apenas um homem com habilidades incomuns, mas agora... agora essa resposta parecia vazia. Meu corpo estava mudando, meus poderes estavam se intensificando, e a influência de Draco pairava sobre mim como uma sombra constante.

"Eu... não sei," confessei, minha voz soando estranha aos meus próprios ouvidos. Não era uma resposta que eu gostaria de dar, mas era a única verdade que eu tinha. "Há algo em mim... algo que cresce a cada momento. Eu sinto isso, mas não sei o que é. Algo que está mudando meu corpo, minha mente. E, toda vez que uso meus poderes, é como se uma parte de mim estivesse desaparecendo."

Ariendel me olhou em silêncio, seus olhos analisando cada palavra que eu dizia. "Você teme o que está se tornando?"

Hesitei, pensando sobre isso. "Eu temo o desconhecido," admiti, sentindo o peso da minha própria incerteza. "Mas o que mais temo... é que talvez eu não tenha escolha. Talvez o que estou me tornando seja inevitável. E, se for esse o caso, então sim... eu temo. Porque não sei o que me espera."

Ariendel assentiu lentamente, mas não disse nada. Ela parecia entender, de alguma forma. Havia uma conexão silenciosa entre nós, uma compreensão mútua de que ambos éramos moldados por forças que não podíamos controlar completamente. E, mesmo assim, ela parecia carregar uma leveza que eu não conseguia encontrar dentro de mim.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Eu sentia a tensão crescer à medida que continuávamos a caminhar, mas havia algo mais profundo, uma desconexão dentro de mim. Meu corpo estava mudando, meus poderes fluíam com mais facilidade, mas a cada passo, eu me sentia mais distante do homem que eu costumava ser.

Chegamos ao ponto de controle onde havíamos nos separado de Zathor. O lugar parecia deserto, as marcas de nossa passagem anterior ainda visíveis no chão. As paredes da caverna começavam a se estreitar, e a escuridão à frente parecia engolir tudo.

Sem trocar palavras, fomos na direção do caminho que Zathor havia escolhido. Meus pensamentos continuavam a se agitar, e sem perceber, deixei minha mente se estender mais uma vez, tocando a consciência de Ariendel. Desta vez, foi diferente. Meus poderes estavam mais fluidos, como uma corrente tranquila que fluía sem esforço. Entrei na mente dela com uma facilidade assustadora, sentindo seus pensamentos se espalharem diante de mim. E, para minha surpresa, havia medo. Ela temia o que eu estava me tornando.

Era um medo profundo, mas bem escondido. Ela era uma mulher forte, mas aquela transformação que eu começava a manifestar a deixava inquieta. Havia também algo mais, um fascínio sombrio com o que eu era capaz de fazer. Eu me retraí rapidamente, assustado com o que havia encontrado. Eu estava me tornando uma criatura que despertava medo e curiosidade em igual medida.

E mais uma vez, senti o peso do que Draco havia feito comigo. Ele estava por trás de tudo isso. A cada dia, a cada batalha, eu sentia mais o toque invisível de suas garras em minha alma.

À medida que avançávamos, o chão de terra e pedra áspera começou a dar lugar a algo diferente. Sob nossos pés, a caverna se transformava. O solo irregular se tornou uma superfície de pedras lisas e pavimentadas, como se tivéssemos deixado de lado a selvageria da natureza e adentrado em algo antigo, construído por mãos humanas ou algo além delas. As paredes também mudaram, blocos de pedra encaixados com precisão formavam o que parecia ser um antigo corredor ou uma fortaleza esquecida. O teto era sustentado por arcos largos que se erguiam em sombras, altos demais para ver onde terminavam.

Um leve som quebrou o silêncio. Um barulho distante, mas inconfundível. O som de uma batalha. O som de lâminas se chocando, de gritos e urros de dor. E, em meio a isso, os gritos estridentes dos goblins.

Trocamos um olhar rápido. Zathor. Sabíamos que ele estava envolvido naquilo.

Sem mais hesitação, corremos em direção ao som, nossos passos ecoando pelas pedras lisas. As paredes à nossa volta pareciam se fechar, e o eco da batalha parecia cada vez mais próximo. A adrenalina começou a subir enquanto o som dos gritos ficava mais alto, mais intenso.

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