𝟐𝟒| 𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐕𝐈𝐍𝐓𝐄 𝐄 𝐐𝐔𝐀𝐓𝐑𝐎

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        — Isa?!é a única coisa que sai dos lábios de Samantha, que se afasta de Cindy e limpa os lábios, como se isto apagasse o fato que as duas haviam se beijado. Isabella oscila o olhar entre as amigas, tentando compreender o que já foi entendido, as duas estavam assustadas, sem saber como reagir a tudo isso.

    — O que significa isso? — Isabella pergunta mesmo já sabendo a resposta. Será que este gosto amargo na boca é o sabor da frustração? O sabor amargo de saber que a amiga não confia mais nela. — Você e a Cindy...

    — Eu posso explicar. Eu juro que posso explicar tudo isso, Isa. — Samantha se aproxima, o vestido pesado arrastando no chão. Cindy parece recobrar a consciência e começa a correr em direção a porta, Isabella não consegue segura-la antes da mulher sair corredor a fora, limpando as lágrimas ainda nascendo nos olhos.

    Isabella volta a encarar a amiga nos olhos, que estão marejados.

    — Você e a Cindy estão tendo um... caso? — Isabella pergunta enquanto fecha as portas atrás dela, evitando que a conversa saísse e se deparasse com alguém. — Por que você nunca me contou isso?

    — E como você queria que eu contasse? — Samantha aumenta o tom de voz. — Ninguém nunca poderia saber do nosso caso, jamais. Você provavelmente escutou o que estávamos conversando...

    — Eu sou a sua melhor amiga, Samantha! — Isabella também aumenta o tom de voz, sentindo o gosto terrível na boca e a sensação ainda pior enchendo o seu corpo. — Como pôde esconder algo desse tipo de mim?

    — Porque eu não sabia como você reagiria. — Samantha se aproxima até fica a poucos centímetros da amiga. — Este mundo não aceita pessoas como eu e a Cindy... Pessoas como nós tem um destino predestinado, e todos nós sabemos que nunca acaba com um final feliz.

    — Eu sei de tudo isso, Sam! Eu não estou com raiva por você ter um caso com a Cindy... Estou com raiva de você sequer imaginar que eu não iria te apoiar e te ajudar. Até parece que você não confia em mim... — Isabella não desvia o olhar da amiga por um minuto sequer, vendo os olhos dela mudando de tristeza para confusão.

    — Eu confio... — a amiga passa as mãos nos olhos, secando as últimas lágrimas. — Óbvio que eu confio... Mas você tem que entender o meu lado! Não tinha como eu confiar em alguém para contar algo assim... O medo sempre dominava minha mente quando eu pensava em me abrir com alguém. Não era desconfiança, era medo.

    Isabella encara a amiga, sentindo dentro do peito o que a amiga deveria passar todos os dias enquanto escondia do mundo os seus sentimentos. E apesar do gosto amargo ainda estar em sua boca, Isabella entende a amiga, assim como sempre se colocou no lugar dela em tudo. Ela segura as mãos gélidas e sem luvas da amiga, apertando os dedos com carinho.

    — Há quanto tempo isso vem acontecendo? Desde quando vocês estão apaixonadas? — Isabella confirma a ela que escutou tudo o que elas estavam conversando por de trás da porta. Samantha sorri e abaixa a cabeça.

    — Há dois anos, quando todas nós fomos apresentadas à sociedade. — Isabella se surpreende. Durante todo esse tempo a sua melhor amiga, considerada como uma irmã, estava tendo um caso com a amiga da sua verdadeira irmã. Ela se sente burra por nunca ter percebido, talvez pudesse estar ao lado dela quando precisasse de alguém. — Óbvio que eu já a conhecia antes, mas só tivemos algo nessa época.

    — E como... como vocês conseguiram esconder o relacionamento por tanto tempo sem ninguém descobrir?

    — Nem eu sei... Tudo aconteceu muito rápido, quando fui abrir os olhos já estávamos nos encontrando as escondidas, evitando ficar em lugares cheios... Vivemos em um campo minado que a qualquer momento pode nos matar. — As duas se apoiam nas portas fechadas, sentindo a madeira atrás do corpo as pressionando.

    — Eu ainda estou sem palavras... Tudo isso é surreal para mim. — Isabella olha para a amiga novamente. — E o Kennedy? Como ele vai ficar quando descobrir?

    — Ele não vai. Meu casamento com ele será o que dará fim a minha relação com a Cindy... — Isabella fica curiosa, mesmo sabendo o motivo disso tudo.

    — Você a ama?

    — O quê? É óbvio que sim, eu a amo mais que tudo nessa vida, Isa. A Cindy é o ar que eu respiro, o chão que me sustenta, eu não suporto imaginar uma vida sem ela do meu lado. — Isabella segura a mão da amiga, dando apoio para ela nesse momento complicado.

    — Então por quê? Eu sei que a sociedade não as aceitaria, que a vida de vocês mudaria completamente... Mas, se o amor é verdadeiro, se ele existe, não há nada que possa acabar com ele. — Samantha encara a amiga enquanto ela fala, sentindo o coração se apertar dentro do peito, diminuindo de tamanho a cada palavra.

    — Porque eu não quero acabar com a vida dela... Simplesmente não posso assumir algo que destruiria não só a minha vida, como a dela. A Cindy tem uma vida inteira pela frente, poderá ter uma ótima vida no futuro, mas se nós continuarmos e alguém descobrir... Acabou. Eu não quero ter esse peso nas minhas costas. — Samantha limpas mais lágrimas rebeldes, que escapam de seus olhos sem sua permissão. Isabella a puxa para um abraço, deixando que a amiga chore o quanto for preciso.

    — Ah, Samantha... Você deveria ter me contado, deveria ter contado para a Ellie... Nós iríamos estar do seu lado quando precisasse. Me dói saber que enfrentou tudo isso sozinha. — Samantha responde com mais lágrimas, descontando tudo o que estava reprimido dentro de si há muito tempo. Isabella agarra o cabelo ruivo da amiga, o acariciando com gentileza. — Me escute, não se case com Kennedy até se resolver com a Cindy. Esclareça tudo e pense a respeito do que você vai fazer... Isso vai definir o seu futuro.

     Samantha assente com a cabeça, se sentindo novamente com nove anos quando chorava por perder seus bonecas e sorria novamente quando Isabella lhe emprestava as dela. As duas passam algum tempo juntas, e Isabella imagina se as pessoas já estão a procura das duas. Elas se soltam do abraço apertado, Samantha secando os olhos e respirando fundo, tentando controlar a respiração ofegante.

    — Eu ainda tenho muitas perguntas, mas acho melhor voltarmos ao baile, já estamos aqui há muito tempo. — Isabella cruza os braços com o da amiga, que ainda está se esforçando para se recuperar da crise de choro, ela sorri levemente.

    — E eu vou responder todas, cada uma delas. — Samantha fica parada, encarando a porta como se fosse a última que veria em sua vida.

    — Mas... Me responde só essa. — Isabella olha novamente para a amiga. — Você o ama?

    — Eu gosto muito dele, ele é incrível, gentil, engraçado, me faz se sentir especial, desejada... Amada. — Isabella escuta a respiração cortada da amiga enquanto ela fala. — Eu sinto algo muito bom por ele, mas nada igual ao que sinto por ela. Acho que se eu chegar a ama-lo... Será daqui muito tempo.

    Isabella se contenta com a resposta, se imaginando no lugar do rapaz, amando uma mulher que ainda não lhe ama, que tem um caso as escondidas com outra pessoa há anos, e ainda assim vai se casar sem saber disso. Mas ela também se coloca no lugar da amiga, amando alguém que nunca poderia ter, tendo que reprimir tudo o que sente a cada dia. Vai ver as duas se parecem mais do que imaginavam.

    Quando retornam ao baile elas se encontram com o Kennedy, que recebe a amada com um abraço apertado e um sorriso largo, logo a tirando para dançar e passar um tempo com ele. Sozinha, Isabella passa os olhos pela multidão, encontrando sua irmã, seu irmão junto com a mãe. Nenhum sinal de Lady Fairfax, nem de Cindy. Mas ele está lá, parado em um dos cantos acompanhado de algumas jovens, ele sorri e conversa com elas como se as conhecesse. Isabella sente novamente aquele sentimento retornando, revirando seu estômago ao lembrar do que havia acontecido há pouco tempo no andar de cima.

    Ele olha para ela, e ela não desvia o olhar, sentindo os olhares se matando, tentando competir quem sente mais aquele sentimento profundo. Até nisso eles precisam competir.

𝑨𝑴𝑶𝑹𝑬𝑺 𝑬 𝑹𝑨𝑵𝑪𝑶𝑹𝑬𝑺 | 𝐎𝐒 𝐀𝐒𝐇𝐅𝐎𝐑𝐃 - 𝟏Onde histórias criam vida. Descubra agora