39   Pau em chamas na madrugada

52 2 1
                                    

Eu queria ser um homem carinhoso e amoroso, para minha mãe, para meu irmão, porém eu queria matar os dois, há raiva em meu coração; nem se quer me lembro quando começou, nem se quer tenho lembranças o suficiente para me lembrar a raiva que eu tenho da minha mãe; é péssimo conviver se questionando se algumas lembranças são reais ou se está ficando louco, talvez eu esteja ficando.

Guardei meu caderno em minha jaqueta, meu quarto ainda tinha poeira e alguns posters de banda antigas, adorava colocar em minhas paredes quando tinha 15-17 anos de idade, estava sentindo dor de cabeça desde que chegei em casa.

Que besteira! Você passou a vida inteira aqui, para de drama!

Pensei coçando minha pele fria e suada com força olhando para o ambiente vazio, sentindo raiva de mim mesmo por estar dessa forma. Olhei para o colchão que estava no chão, estava velho e o quarto cheirava mal, era como uma parte da casa que não deveria pertencer mais aquele lugar, como se minha mãe tivesse me deixado no passado.

Mamãe, você é uma mulher muito boa, por que isso parece falso?

Novamente olhei o colchão, sentia que meu corpo iria quebrar de tanta dor em meus músculos. Escutava passos pelo corredor, não dei atenção, estava perdido na minha mente.

⏤ A mãe não me disse o que aconteceu com você. ⏤ uma voz doce falou, eu estava de costas.

⏤ O quê? ⏤ olhei para trás devagar, não conseguia prestar atenção na pergunta.

⏤ Você estava no hospital, ela só me disse "tu hermano esta enfermo niño, já?" ⏤ ele cruzou seu braço incrédulo. ⏤ Eu fiquei preocupado, não te vejo a meses. ⏤ confessou com a voz cabisbaixa se aproximando de mim, apoiando sua cabeça nos meus braços.

⏤ Lo siento, debería haber venido a visitarte, yo también te extrañé. ⏤ apertei Ady contra meu corpo, colocando minhas mãos na parte superior das costas do garoto. ⏤ Te extrañé mucho.

Nada estava fazendo sentido, sentia que não estava em minha carne, sentia que não respirava, sentia que minha alma deixou meu corpo. É tudo do jeito que quero, é tudo do jeito que a minha cabeça manda.

⏤ Quase me esqueci, mamã pediu para você descer, ela está fazendo o jantar. — Ady pegou minha mão, vagava meu olhar pelas paredes, tudo fora do meu quarto estava limpo e puro, parece que tudo quer sussurrar em meu ouvido como eu sou uma aberração.

Eu odeio esse lugar.

Olhei para Ady, seus cabelos loiros bem cuidados, seu corpo jovial e magro a guiando pelo corredor devagar, como se eu fosse uma criança novamente, quando a vida me apunhalou dessa forma? Voltei a ser o que mais detestei a vida inteira, uma criança que precisa de cuidados, a viver naquela casa.

Regressei, conseguia ouvir como eu era patético, que tudo isso foi causado por mim, que sempre quis voltar a viver isso, que nunca me via como um adulto saudável, que tem emprego, que consegue sair com outras pessoas, que consegue se divertir, algo sussurra em meu ouvido que ainda sou uma criança, como se fosse 2003 novamente.

Chegando à cozinha, forcei um sorriso para minha mãe, sentindo o cheiro da sopa de tomate que ela estava preparando, o aroma entupiu minha mente e naríz. Quase sucumbi às poucas memórias boas de quando mãe cozinhava, não era todos os dias pelo seu emprego, viva sozinho, apenas com Félix; quando meu pai não estava em casa, sempre chamava o loiro e os três comíamos, eram noites divertidas.

⏤ Félix foi buscar suas coisas no apartamento. ⏤ Emilie iniciou o assunto.

⏤ Ele pegou a chave do meu apartamento? ⏤ me perguntei quando, mas lembrei que passei alguns dias no hospital. ⏤ Espero que o bastardo não quebre nada. ⏤ soltei de forma irônica e Ady me olhou enquanto se servia.

⏤ A forma de carinho de vocês dois me assusta. ⏤ soltou um leve sorriso. ⏤ Seu antigo quarto estava uma bagunça, não tive tempo de limpar antes. ⏤ ela disse enquanto me sentava na mesa, entregou o prato de porcelana enfeitado com o líquido denso e vermelho opaco.

⏤ Gracias mamã.

⏤ Você quer dormir comigo no quarto hoje? ⏤ Ady perguntou com olhos cheios de brilho para o irmão.

⏤ Acha que vai ter espaço? ⏤ franzi a boca, olhei para a janela notando o vento, estava frio e escuro.

⏤ Podemos dar um jeito se não tiver. ⏤ se espreguiçou, eu soltei uma breve risada, achando fofo.

⏤ E como foi Ady? Você não me disse o que fizeram no evento. ⏤ Emilie se sentou, não estava comendo.

⏤ Foi muito legal, aquele garoto que eu te disse passou mal, aí tivemos que dar um pouco de atenção. ⏤ ele sorriu com um pouco de sopa no canto da boca. ⏤ Tinha um tanto de gente legal lá, brincamos com alguns jogos eletrônicos e pagaram pra mim.

⏤ Quem pagou? Não foi nenhum estranho né? ⏤ disse, ainda não tinha encostado a comida na boca, estou sem apetite.

⏤ Não, tinha uma lá que tem uma condição financeira muito boa, ela é um pouco grossa mas não me tratou mal. ⏤ respondeu. ⏤ Ela era alta e tinha cabelo ondulado e usava óculos, o nome dela é Alya.

Que familiar, já ouvi um nome assim?

23:11

Ady é um menino doce, amável, ele gosta de alegrar outras pessoas em sua volta, sei bem disso, o vi crescer apesar de nos últimos anos não ter tido apoio físico ou financeiramente. Consigo notar que o garoto sempre me busca para conseguir lidar com pequenos problemas emocionais.

O observava dormir, parecia estar tão calmo e tranquilo, lembrava um cachorro dócil, a cama era pequena, estava com muitas dificuldades para dormir. É diferente de ver Nino dormir, parece que está perturbada e que iria acordar a qualquer momento.

É incrível como meninos que acabam de se tornar adultos podem ser tão parecidos e tão distintos, por que eu fiz tudo aquilo com a criança? Pensei me aproximando do rosto do meu irmão, conseguia escutar sua respiração.

Me lembrei que algumas horas atrás na mesa Ady compartilhou um nome, finalmente consegui me lembrar quem era, me sentiu estimulado em querer saber de quem era aquele nome, era detestável ser a garota que Nino beijou; se havia passado tanto tempo que não me importava mais, para mim o momento no banheiro nem havia sido importante ou chocante, mas tenho concepção de como foi terrível para meu príncipe.

Sentia saudades, se não usava Nino, usava a droga; agora não tenho nenhum dos dois, a noite me consumia.

Alguém por favor tire a minha vida, eu não mereço estar aqui, sou desprezível, sou imundo, eu sou o demônio.

Eu não me sinto bem aqui, eu ficar sozinho é bem melhor, mas eu não gosto de me sentir sozinho, as paranoias me fazem pensar, será que eles são realmente minha família? Às vezes as drogas são como uma família. Eu tento me drogar para escapar da realidade, mas eles sempre voltam, fugir da realidade é a melhor maneira de me sentir vivo.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 29 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

O Cachorrinho Do Professor (Adrino)Onde histórias criam vida. Descubra agora