Capítulo 2 - O Pior Monstro

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O sonho foi a memória daquela manhã, antes de mamãe me chamar para a escola. Tinha acabado de tomar banho e me olhava no espelho, observando o meu rosto branco e com olheiras. Mal podia reconhecer meus olhos de íris quase pretas que me encaravam. Parecidos com os de mamãe, uma das poucas coisas que puxei dela. De resto, era a imagem do meu pai.

Até que vi algo a mais no reflexo... Era como se fosse outra pessoa assumindo o meu lugar através do espelho. Esse novo rosto tinha algumas fisionomias parecidas com as minhas, por exemplo: pele branca e pálida, olhos bem definidos e sobrancelhas grossas. Só que era um rosto masculino, de alguém muito alto.

Ele olhou nos meus olhos e os desafiou com o seu belo sorriso. Sua beleza me atraía e despertava minha curiosidade. Eu aproximei a minha mão direita do espelho, para poder tocar o estranho reflexo que se encontrava à minha frente, não acreditando na realidade. Finalmente, com os dedos próximos o suficiente para tocar o espelho, eu tive uma grande surpresa.

Não encostei naquela superfície, mas sim a ultrapassei. Primeiramente, meus músculos travaram – o medo tinha dominado meu corpo – e já não sabia o que fazer. Principalmente quando senti uma mão tentando arrancar algo dos meus dedos. O reflexo olhou para mim com prepotência, testando a minha paciência.

A mão puxou um dos meus dedos com tanta força que, pela primeira vez desde que aquilo começou, senti dor e –como se um despertador tocasse – pude finalmente despertar. Olhei para os olhos verdes do reflexo, e ele me encarou furiosamente – parecia desapontado –,insinuando que me mataria com apenas aquele olhar.

Comecei a puxar a minha mão enquanto aquele homem me levava cada vez mais para dentro do espelho e, para me causar mais desespero, ele estava levando a melhor. Não o deixaria ganhar aquele cabo de guerra humano. Puxei com tanta força que, quando me soltou, dei um passo para trás e escorreguei, batendo a cabeça na porta que se encontrava fechada.

O baque fez com que eu soltasse o ar que prendia para fazer tanta força e a dor era absurda. Só que, desta vez, eu não me levantei para constatar que o reflexo masculino não mais existia. Na verdade, agora, havia acordado daquele pesadelo.

Quando abri os olhos, vi que estava no chão do quarto da minha mãe. Tinha quase certeza de que foi a queda que me acordou. Levantei-me aos poucos – minha cabeça latejando –, sentei à beira da cama e fiquei olhando a TV. Não estava me concentrando nela – minhas lembranças desta manhã mantinham minha atenção.  

A quem estava querendo enganar com essa mentira de que era uma pessoa normal? Sabia que todos estavam percebendo certa diferença em meu comportamento, era só uma questão de tempo para aceitarem e me internarem em uma clínica psiquiátrica. Talvez, pudesse diminuir o trabalho deles e eu mesma me internar.

Porém, enquanto refletia sobre minha insanidade, algo muito estranho aconteceu com a televisão. A tela adquiriu uma tonalidade verde musgo e, ao invés de passar aquele desenho, agora, mostrava um movimento ondulado como se fosse transpassar a tela. Arregalei os olhos, observando o vulto crescendo ao fundo da TV. Quando eu pensei em fugir do recinto, tudo voltou ao normal. As cores substituíram o verde e o desenho voltou a passar, como se nada tivesse acontecido.

Corri desesperada para lavar meu rosto no banheiro. Não acreditava no que acabara de ver. Não podia ser real! Enxugando a face, pude escutar um som bem baixinho, que mais parecia aquele quando se puxa a película de tela de um celular. Respirei fundo, coloquei a mão na maçaneta e – para não desistir – abri a porta rapidamente. Um arrepio desceu pela minha espinha ao ver o que estava no meio do quarto. Nem em meus piores e mais horrendos pesadelos eu poderia imaginar aquilo.

Era um monstro mais do que apavorante – a única palavra que podia usar para a descrever. Ele era uma abominosa mistura de réptil e canídeo. Seu corpo de serpente com seis patas armadas com garras enormes, seu rosto – apesar da pele escamosa – lembrava um lobo com olhos vermelhos e seu cabelo dourado parecia que tinha vontade própria. Ele era gigantesco e só possuía três facetas – raiva, cruel contentamento e desdém. E eu as conhecia bem, tal qual aquela aberração. O nome dele era Petrik. Era um dos vilões do desenho que estava passando ainda há pouco. Só podia estar sonhando.

Os Segredos de Rheyk - VERSÃO BETAOnde histórias criam vida. Descubra agora