Capítulo 4 - Dois Mundos

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Dei um sobressalto, abrindo os olhos. Na minha frente, uma parede branca. Estava em uma cama dura e desconfortável, com lençol escuro. Ademais, podia sentir um cheiro forte de cozinha de restaurante, com destaque para o aroma de costelas ao molho barbecue. Seria pedir muito que eu estivesse no quarto de mamãe e finalmente saído daquele pesadelo de Rheyk? Bufei e virei sob minhas costas em um ângulo de 180º. 

É, onde quer que eu estivesse, não era minha casa.

Estava em um quarto extremamente branco e pouco mobiliado, apenas a cama onde estava e uma cômoda - talvez com a metade de minha altura - de madeira. Não tinha uma identidade visual que revelasse a personalidade do seu dono.

– Acordou, garota. – A voz agudíssima soou aliviada por perto, assustando-me e me fazendo sentar, à procura da origem.

Atrás de mim, Tracy sentava em um banquinho na extensão do quarto que eu não via quando estava deitada; perto dela, havia um saco de areia, halteres e algumas armas brancas. Já tinha visto esse cômodo em um único episódio, pertencia a Nathan. Pegando à esquerda de onde eu estava, tinha duas portas. A da direita dava no banheiro e a da esquerda, para o corredor dos quartos. 

– Qual a dificuldade de me chamar pelo nome, Tracy? Eu sei o de todos vocês. – Cocei a cabeça, bagunçando meus cabelos. As minhas últimas memórias não faziam sentido e eu não compreendia como tinha vindo parar aqui. Estava na versão da Terra do desenho, onde as garotas viviam, especificamente na casa de Dona Lúcia, tia-avó de Aline. – O que aconteceu? Como vocês venceram Petrik e Thomas? Cadê as outras meninas?

A loira contraiu os lábios e tentou dar um sorriso. A garota se levantou e eu constatei que as roupas dela estavam sujas de terra e com alguns pontos de sangue. Além disso, ela trazia em suas mãos uma muda de roupa e uma toalha. 

– Todo mundo tá na sala. Pega. – Ela me estendeu com um sorriso o que carregava e apontou seu indicador da outra mão para mim. – Sua roupa já era. Sorte sua que sempre deixo uma muda extra para caso de emergência por aqui. Toma um banho no banheiro de Nate e vamos para a sala para conversarmos todos juntos. É por aqu...

– Não precisa. Eu já sei onde é. Fã do desenho, lembra? – A interrompi e me encaminhei para o lugar, com a garota vindo atrás. – Nem no banho vou ter privacidade?

– Depois. – Ela se apoiou na soleira do banheiro. – Mas, primeiro tenho que ver se não é marcada. Sua história é muito doida para acreditar fácil assim.

A marca. Um sinal de lealdade que era colocado nos servos de Victor. Talvez, por preguiça de roteiro, nunca foi bem explicado como isso acontecia ou como garantia essa fidelidade. Mas eu sabia que uma pessoa marcada seria sempre tida como inimiga. E teria que ter olhos vermelhos, o que não era meu caso. Então fazia menos sentido ainda aquela garota vir procurar marcas em mim.

Ficamos em um minuto de silêncio, em uma guerra muda para ver quem iria ceder primeiro. Eu era cabeça-dura, bem como Julhinha vivia dizendo. Mas, poxa! Aquela loirinha não dava o braço a torcer. Suspirando, retirei minha camisa de banda de rock - que estava rasgada o suficiente para deixar bem à mostra meu sutiã - e a calça de algodão rosa, ou melhor, os trapos com sangue seco do que um dia foi minha calça de algodão rosa. Só de roupa íntima, dei um giro em meu eixo. Ela encarou minha barriga, franzindo o cenho.

– Sinal de nascença, é um negócio meio que familiar. Eu e minha irmã temos. – Minha mão foi para a marca branca logo abaixo do meu esterno. 

– Relaxa! As marcas de Victor são escuras e quase sempre em formas geométricas perfeitas. Nada do que vi aqui. – Tracy então olhou para minhas pernas e, ao captar o que ela encarava, girei meu corpo para esconder minha coxa. – Não se preocupa, essa cicatriz quase não dá pra notar. Foi algo sério?

Os Segredos de Rheyk - VERSÃO BETAOnde histórias criam vida. Descubra agora