Capítulo 5 - parte 2

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      O som do piano se mistura aos gritos da mulher, que pede braços, braços, não atrasem os braços de segunda, e impaciente, grita: onde estão as quintas posições de pernas de vocês?

      Tento ficar fechada no meu mundo. Giro pirouette en dehor ao lado da barra e procuro não dar campo para distrações com correções à alunas que não vão ser minhas colegas, já que sou de um nível inferior.

      Só que não posso deixar de notar que a Dominique está bastante à vontade, está na cara que ela faz aula com as bailarinas profissionais com frequência.

      A morena tem uma flexibilidade incrível, que Tatiana mostra ao pôr a mão no quadril dela e lhe esticar a perna em arabesque.

      Em seguida, ela faz o mesmo comigo. Para minha surpresa, um sorriso de satisfação se forma nos lábios da mulher, talvez por ficar satisfeita com minha desenvoltura.

      O exercício seguinte é o rond de jambe per terre. É sempre complicado manter o encaixe de quadril, ainda mais quando o exercício parte de derriere. Meu quadril tende a se deslocar e perder a linha, mandando a bunda para trás.

      Tatiana me segura pela cintura. Sem querer, faço uma careta ao inalar seu hálito de cigarro enquanto ela fala ao meu ouvido.

      — Você não tem que dar show. Mas pelo menos, faça certo.

      Meus lábios semiabrem ao mesmo tempo em que meu tornozelo é segurado e meu pé faz, com ajuda dela, a circunferência no chão, deixando a marca da minha sapatilha de ponta. Fico com a impressão de que eu podia fazer isso sozinha.

      Eu me odeio. Droga, esse era um dos meus exercícios preferidos na minha antiga escola. Será que não estou concentrada?

      — Melhor agora. Consegue fazer um russo³? Posso contar com você?

      Aprendi esse movimento no ano passado, acho sua execução bem fácil, graças – de novo – à minha flexibilidade. Jogo minha perna esticada para o lado e para cima, recolhendo-a dobrada como um chicote.

      — Ah, obrigada — a ironia na expressão da mulher me deixa um pouco brava. Claro que escondo isso atrás do meu sorriso artístico e altivo.

      Deixo um suspiro aborrecido fugir da minha boca assim que Tatiana anda até o piano para tomar sua garrafa de água, e aproveito para me hidratar também.

      Lívia se apoia de costas na barra folgadamente, sorrindo simpática.

      — Você está indo muito bem — fala segurando minha mão.

      — Não é o que a professora acha — enxugo uma gota de suor ao responder.

      — Vai por mim. Ela é assim com todo mundo. Se ela ficar em cima de você, é porque sabe que você pode fazer muito mais.

      Olho para Lívia com incredulidade.

      Ponho a mão esquerda na barra e cruzo as pernas em quinta posição à espera do próximo exercício, que eu acho que deve ser o grand battement.

      De novo a contagem de sete e oito. Acorde inicial, port de bras.

      Up!

      Letícia não estava muito animada comigo quando entrei em seu estúdio. Quem ficaria? Uma menina careca, recém recuperada da leucemia, com pernas compridas e flexíveis, porém quieta. Muito tempo depois a gente riu quando ela disse que eu parecia a Wandinha, da Família Addams, só que careca. Só que a menina calada se soltou quando a música começou a tocar no som.

Princesa de CristalWhere stories live. Discover now