Capítulo 15

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      A palavra rotina não existe quando estou ensaiando com Yuri

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      A palavra rotina não existe quando estou ensaiando com Yuri. Faz três dias que estamos passando nosso pas de deux de O Quebra Nozes, e não é exagero afirmar: o cara é bom. Fico impressionada com sua capacidade de me fazer sentir mais leve, quando me suspende no alto pela lombar, usando só uma de suas mãos. Ele parece não fazer esforço algum.

      Yuri não é muito se sorrir; já me acostumei com isso. Nas poucas vezes em que abre um sorriso, o faz com gravidade, com a tão conhecida alegria russa, situada numa linha difusa entre introspecção e tristeza.

      Várias vezes flagrei, ao entrar no vestiário ou na sala de aula, bailarinas dizendo que me dei bem. Elas não estão erradas. Uma vez que ele se transforma num príncipe quando dança, só posso me sentir grata por só ter a aprender.

      O problema é que a princesa também tem seus dias de gata borralheira.

      Olga anda ao nosso lado enquanto dançamos, prestando atenção em cada movimento meu. De vez em quando pede que eu relaxe os ombros ou dobre mais minha perna de atittude. Às vezes fico confusa, porque de repente ela passa alguma instrução em russo, se esquecendo que quem fala sua língua é meu partner.

      — Concentra — ele me pede quase encostando sua boca em meu ouvido, segurando minha cintura.

      Continuo sorrindo, agora mais à vontade. Faço plié. Afundo meu corpo numa dobra de pernas, e me dando impulso para cima, o bailarino ruivo me ergue sobre sua cabeça com segurança e me põe sobre seu ombro. Dá uma volta comigo em torno da sala, meus braços levantados em terceira posição.

      Olga, sempre perfeccionista, levanta seu braço e faz sinal para que meus olhos não percam contato com minhas mãos, mesmo que meus braços estejam acima da cabeça.

      Yuri me leva para dar uma volta em torno da sala. Mantenho minha perna direita dobrada o suficiente para que uma xícara de chá possa ficar equilibrada sobre ela de um jeito estável, sorrindo para não sei quem – talvez uma plateia imaginária. 

      De súbito, um grito:

      — Nyet¹! — Olga bate palmas e o pinaista para de tocar.

      Saco! Já é a quinta interrupção. No que eu errei agora?

      Yuri me põe no chão. Aborrecida, fecho os olhos enquanto solto o ar pela boca e ponho as mãos na cintura. Olga vem em nossa direção. Seu semblante é duro e vejo reprovação em seus olhos, além de um ar de superioridade capaz de fazer qualquer bailarina querer que um buraco se abra no chão para não ter de vê-los.

      — Por acaso você não sabe usar força de costas? — ela agita as mãos.

      — Sei — respondo.

      — Então use essa força e fique reta. Não desmonte.

      Esfrego minha têmpora esquerda, olhando para o chão, e Yuri está atento em meu rosto no momento em meus olhos se conectam de novo nos seus. Ele nada diz, mas sinto como se me encorajasse. Retribuo com um leve meneio de cabeça.

Princesa de CristalWhere stories live. Discover now