1982 Analogias

10. Assustador, como o presságio de uma tempestade

Na cabeça de Ricky se passava mil formas possíveis para negar Gyuvin, porém quando ele pegou a bandeja, sorriu fraco e concorda minimamente com a cabeça, não imaginou que todas as manhãs encontraria o moreno em sua porta, com uma bandeja de café da manhã e muitos bolinhos dos mais diversos sabores, também não pensou que seus pensamentos sobre tal pessoa lhe tiraria o sono e o faria pensar sobre a situação durante todo o dia.

Eles sempre tinham mínimas conversas na porta de sua casa, pois não queria deixar o outro invadir seu espaço novamente, mas cada dia aprendia algo inesperado sobre Gyuvin, mesmo sendo besteiras que o outro tagarelava durante os poucos minutos de conversas que tinham. Ele era engraçado e um tanto galanteador, falhamente, mas tentava. Arrancava os melhores risos de Ricky mesmo sem intenção. A forma como ele sempre bufava quando escutava a voz de Doyoung o gritando aos quatro ventos, reclamando que quase deixou os pães queimarem, e até mesmo a forma como se despedia: com um sorriso fofo no rosto e alguma frase estúpida de efeito que ele chamava de comparações entre si, mas, por não conhecer Shen muito bem, acabava por compará-lo com a cor de sua casa, ou a forma como vivia, acabava por ser um tanto tosco, e era um tanto adorável nos olhos de Ricky, mas o garoto loiro jamais admitirá.

Algo intrigava Ricky, que nunca deixará ninguém se aproximar mais do que o necessário, a única pessoa que ainda podia chamar de 'amigo' era Gunwook, porém sua relação é esquisita, como se fossem amigos, mas tão distantes quanto qualquer desconhecido de Ricky, e isso não o afetava, tem bastante controle sobre suas emoções e não se deixava levar por ninguém, nem mesmo a única pessoa que deixará se aproximar minimamente. Mas, Gyuvin era diferente, diferente daqueles que já tentaram, despertava pensamentos estranhos em si, como se seu cérebro o obrigasse a pensar nele nas noites mais tristes e cálidas, lembrar do cheiro doce que emanava de si, os cabelos sujos com farinhas de trigos, as bochechas levemente rosada, e o jeito que ele tinha para fazer Ricky sorrir com as menores coisas.

Era especial toda vez que ele lhe levava novos doces, alegando ter feito especialmente para o loiro. Aquecia Shen, e o deixava intrigado, nunca se permitirá a tanto, mas pensava que o moreno logo desistiria de toda a sua complexidade e procuraria alguém mais fácil de lidar, pois ele parecia alguém divertido e que qualquer outra pessoa gostaria de ter por perto, tem a absoluta certeza que ele é famoso pela cafeteria afora, e ao mesmo tempo que seus pensamentos o tranquilizava, o deixava nervoso.

Finalmente parece que alguém veio até ele, porém não parece a pessoa certa. Na verdade, é totalmente o contrário do que Shen imaginou. É quase impossível alguém lhe descobrir e insistir tanto numa ideia maluca de que é sua alma gêmea que ele almejou desde que seus pais morreram, o deixando sozinho e sem rumo, sem ninguém da família para ampará-lo.

Tudo parecia puxar Gyuvin para ele, e empurrá-lo para um desconhecido que lhe arrancava risos e conversas divertidas sobre livros infantis e doces.

Para Gyuvin, a situação não poderia estar melhor. Ele flutuava como uma borboleta das estrelas, e isso era perceptível para todos, especialmente Gunwook, que o via todos os dias com um enorme sorriso no rosto e preparando bolinhos como se estivesse cozinhando para um rei. Ele sabia o porquê, já que todos os dias a bandeja com o café da manhã de Ricky desaparecia misteriosamente.

O moreno atendia os clientes como se fosse a melhor coisa do mundo, o sorriso sempre aberto, sua aparência parecia até menos acabada, e as velhinhas viviam dizendo que ele estava radiando amor, não que fosse mentira, mas Kim apenas negava, dizendo que apenas estava feliz por atendê-las.

Na cabeça do garoto se passavam mil formas de conseguir algo de Ricky, pois ele quase nunca dizia nada. Nunca responde as perguntas que Kim o faz, e se responde é apenas com um leve aceno de cabeça, algo vago demais para a pobre curiosidade de Gyuvin, mas ele não se sentia afetado, pois sabia que conquistaria o coração de Ricky, e provaria da forma mais tosca possível que é a alma gêmea do loirinho. Começava a pensar que talvez realmente fosse, pois era como se tudo o levasse a Shen, de seu coração até seu corpo, tudo caminhava para a pequena casa de cores pastéis e móveis adoráveis.

Voltou para a cozinha após atender todos seus clientes pendentes, batendo de frente com um Gunwook com expressões nada boas. Seu humor nunca era realmente bom, mas ele disfarçava com uma boa feição de tédio, mas daquela vez ele parecia determinado a acabar com toda a alegria presente no corpo de Gyuvin.

Para ele, era impossível alguém como o moreno a sua frente encantar alguém tão incrível quanto Shen Ricky. Qualquer pessoa, menos ele.

— Olá, Gunwook! Precisa de algo? — Pergunta simpático, recebendo um aceno negativo em troca.

— Eu sei o que anda fazendo, Kim. E lembro que deixei muito claro que se acontecesse novamente meu pai saberia. — Sua voz era amarga, assim como seus olhos, sem brilho algum. — Mas, talvez não valha a pena. Deixarei você cair da sua nuvem sozinho. Alguém como ele não é para alguém como você, Gyuvin. Mas, no final você recolherá seus trapos junto de um coração partido, e lembrará que alguém lhe avisou, porque ninguém fez o mesmo por mim, e doeu, então espero amenizar para você. — Seu sorriso de canto foi tão tranquilizador quanto amedrontador.

Gyuvin nunca pensou que o amor realmente fosse para ele, desde começou a amar, as únicas coisas que recebeu em troca foram abandonos e decepções.

Tentou amar uma garota e caiu de seu próprio cavalo ao se ver apaixonado pelo amigo de seu irmão, e logo não tinha mais ninguém para amá-lo ou receber seu amor.. Mas, ele também sabia, que seu coração é amplo, e forte demais para parar pelas quedas que recebeu. Podia não ser alguém esplêndido, mas era alguém com tanto amor para dar que parecia loucura. Seu coração foi fraco por Ricky, e sabia que não abriria mão disso por tentativas e palavras falhas.

Continuou seu expediente como se nada o tivesse abalado, pois não o fez, e completou perfeitamente o seu dia. Se sentia leve, e cansado, acabou sendo o último a sair — novamente — por conta de imprevistos na casa da família Park, e quando abriu a porta para sair, um vento forte acertou seu rosto, junto com pingos grossos de água.

Bufou, prevendo que teria um longo caminho a percorrer até sua casa, não havia guarda-chuva ou qualquer coisa que o protegesse,

Trancou as portas e tentou se proteger com seus braços, um ato totalmente falho. Virou para trás uma última vez, quando já estava prestes a atravessar a rua, porém viu a janela de Ricky aberta, com as cortinas voando para fora da casa, e parecia molhar tudo lá dentro. Curiosa, como sempre foi, estranhou, pois até este momento já era para as janelas de Shen estarem fechadas e as luzes apagadas, beirava às nove horas da noite. Algo parecia muito errado, e Kim não conseguia ignorar a sensação arrebatadora que o atingiu.

Olhou para o caminho à sua frente e novamente para as longas cortinas voando, balançando a cabeça e correndo de volta ao seu trabalho, passando pelo beco já muito conhecido por si e subindo as escadas rapidamente. Era tão preocupado quanto curioso.

Bateu na porta diversas vezes, mas o garoto não o atendia. Os pingos continuavam a molhar sua pele e o vento lhe acertava brutalmente.

Após insistir em suas batidas, desistiu e resolveu girar a maçaneta na esperança de estar aberta como da última vez. Não se sentia bem abrindo a porta da casa do loiro dessa forma, poderia ser acertado com algo pior dessa vez, finalmente o rádio acertaria sua cabeça, mas a sensação de algo não estava certo lhe atingia cada vez mais forte.

Para sua surpresa, a porta estava aberta. As luzes estavam todas acesas, o rádio chiando em tom alto, muitos objetos caídos no chão, e um loiro encolhido ao lado da janela, soluçando e dizendo a si mesmo para se acalmar, as gotas de água o atingiam junto ao vento.

Correu rapidamente para fechar as janelas que faziam o cômodo parecer congelante, conseguindo a atenção de Ricky, com os olhos vermelhos e os lábios rachados, muito diferente de seu usual.

Passaram a se encarar, tentando dizer palavras através daqueles olhares, mas nada saía.

Ricky se perguntava o que havia trazido o moreno ali, e Gyuvin fazia a mesma pergunta a si mesmo.