17. Bonito, como a realização de um sentimento

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Escapar do trabalho no dia seguinte não foi tão difícil, considerando que Doyoung não o deixaria trabalhar após saber a trágica notícia do falecimento do pai do garoto, porém, foi complicado buscar Ricky em sua casa sem que ninguém — especialmente Park Gunwook, o fofoqueiro de plantão — o beco era estreito e fazia anos que Ricky nem ao menos descia as escadas para qualquer coisa que fosse.

A adrenalina era interessante para o loiro, é um sentimento que há anos não sentia. Era um garoto bagunceiro na infância, sempre pregando peças nos seus colegas de escola, saindo escondido da casa de seus pais para fazer companhia a Gunwook na padaria, e aproveitar para furtar alguns pãezinhos sem que o senhor Park visse. Naquela época adrenalina corria em suas veias todos os dias, seja de medo de ser pego ou de se machucar, e sentir esse sentimento após anos era revigorante. Sair escondido daquele beco escuro e passar pela padaria com um capuz escondendo seu rosto, igualmente o de Gyuvin, dando risadinhas fracas enquanto corriam. Era divertido, mesmo que estranho, Shen gostava.

O que eles não sabiam era que não era tão discretos enquanto riam e corriam iguais loucos naquela rua cheia de neve, e um senhorzinho de meia idade os olhava com o cenho franzido, se perguntando o que diabos Shen Ricky estava fazendo longe de sua torre, com Kim Gyuvin.

Quando os garotos saíram de suas vistas, deu de ombros e voltou para seu trabalho, ainda curioso sobre o que havia acabado de ver. Talvez seu filho esteja certo, e Doyoung espera que ele esteja.

Assim que perceberam que estava longe da cafeteria, tiraram os capuzes e se olharam, ainda rindo e batendo um no outro, pareciam duas crianças fugindo dos pais, era, incrivelmente, genuíno.

— O que está achando do ar fresco, Shen? — Gyuvin pergunta, em um tom risonho, percebendo o largo sorriso que o garoto ao lado exibia.

O sorriso de Shen Ricky era perfeito.

— É um pouco desconfortável com tantas pessoas à minha volta, mas estar ao seu lado me acalma, de alguma forma. — disse, envergonhado, abaixando a cabeça para esconder suas bochechas rosadas, que se o moreno perguntasse, diria apenas que era o frio.

A resposta agradou Kim, que apenas tentou esconder sua felicidade bem dentro do seu peito, junto de todos os outros sentimentos que Shen o causava.

Vê-los era como assistir a um filme clichê mudo de romance, eram apenas sorrisos e expressões envergonhadas que eles mesmos não percebiam por estarem perdidos entre milhões de pensamentos estúpidos e românticos.

Pessoas apaixonadas costumam ser idiotas, bobas e apenas eles não notavam isso. Mas, talvez, isso seja amor.

— Onde quer ir primeiro? — questionou o loiro, que olhava a rua, curioso.

Estavam perto do natal, as ruas cobertas por neves, e alguns enfeites vermelhos presos nos comércios, luzes de natal que seria apenas possível de se ver a noite, papai noel distribuindo panfletos de lojas. Mas, uma loja em especial o chamou sua atenção, uma loja de disco do outro lado da calçada. Era enfeitada em tons de verde e vermelho, e parecia um lugar aconchegante e vazio. Shen ainda não estava acostumada a ter tantas pessoas ao seu redor, confundia sua cabeça, mas prometeu a si mesmo apenas prestar atenção no moreno ao seu lado, o aliviava.

— Podemos ir naquela loja de discos?

— Vamos! — Kim o puxou, vendo que os carros haviam parado de passar na rua, chegando rapidamente na loja.

Quando entraram puderam sentir o cheiro — estranho — de biscoito que exalava pelo local. Um ar mais quente os atingiu, fazendo seus queixos pararem de tremer, e parecia que Shen estava em casa. Não havia muitas pessoas no local, apenas o atendente e uma garota que estava sentada no chão com um disco em mãos.

Passaram a vasculhar o local, sem necessariamente procurarem por algo. O local era confortável, então apenas decidiram procurar por algo que os agradassem. Ricky era um secreto fã de músicas românticas, outrora Gyuvin gostava de músicas agitadas que o faziam dançar. Não falavam nada, apenas apreciavam a companhia um do outro e a música que tocava no lugar, não era conhecida por nenhum dos meninos, mas aproveitavam a companhia ao som de Feelings.

Assim que a canção terminou, uma batida conhecida passou por seus ouvidos, soltando risadas ao perceberem que Night Fever tocava em alto e bom som. Era um tanto nostálgico pensar que dois meses atrás Shen Ricky assustado acertava Kim Gyuvin com um livro gigante ao som de Night Fever. Não sabiam a partir de que momento eles dois se tornaram mais do que desconhecidos, pode ter ocorrido rápido demais ou devagar demais, eles não conseguiam distinguir.

Ricky se perguntava em que momento da sua vida deixou que o moreno o cativasse e pegasse seu coração sem o mínimo aviso prévio, Kim Gyuvin é um tremendo intrometido que não pedia licença antes de entrar em um lugar que não o pertencia. Agora, não consegue imaginar sua vida sem o maior, talvez continue sendo um garoto pacato, esperando por algo impossível após ler muitas histórias de contos de fadas. Ele era uma pessoa melhor com Kim ao seu lado.

— Deseja dançar? — o moreno pergunta, assustando Ricky com a ideia repentina, então apenas se nega com uma careta disfarçada. — Vamos, é a nossa música!

O garoto apenas começou a dançar sozinho no meio do lugar, sem se importar com a garota o olhando estranho e o atendente o encarando como se fosse um maluco. A música não era muito agitada, apenas balançava os quadris e mexia os pés um para frente e outro para trás, arrancando risadas envergonhadas do loiro.

O puxou pelo braço, colocou sua mãe em sua cintura e o obrigou a lhe acompanhar na dança. Ricky encostou a cabeça em seu peito, tamanha vergonha que estava sentindo naquele momento, mesmo que dando risadas pela voz de Gyuvin tentando cantar a canção que ele, malmente, conhecia.

— Você nem ao menos sabe cantar a música! — falou em tom ofensivo, batendo em seu peito, deixando a relutância e se mexendo junto do moreno.

We know how to do it! — cantarolou de forma desengonçada.

Naquele momento, olhando para o rosto calmo e a boca se mexendo ao som da música, Shen apenas parou de rir e ficou o encarando. O sorriso discreto enquanto cantava, a voz bonita, mesmo que cantasse a música errada, os olhos brilhando, o nariz vermelho pelo frio, e alguns flocos de neve presos em seu cabelo preto.

A canção terminou, e percebeu que o loirinho lhe encarava esse tempo todo. Sem vergonha alguma, o loiro apenas continuou admirando a feição envergonhada do mais alto.

Se falasse o que sentia, qual reação teria em troca? Gyuvin mudaria consigo, deixaria de visitá-lo todos os dias após seu turno; lhe diria que sente o mesmo e viveriam feliz? Ou apenas continuaram do mesmo jeito, com Ricky o olhando apaixonado e aceitando ser apenas um amigo? Não conseguia imaginar ficar sozinho de novo após se acostumar com sua presença todos os dias, lhe trazendo bolinhos de morango; o fazendo sorrir e gargalhar como não costumava fazer antes. Não imaginou que o dia em que teria alguém ao seu lado para compartilhar todos os momentos e tristezas de sua vida. Após a morte de seus pais seu mundo se fechou para todos, era apenas ele e fantasmas e fantasias do passado o fazendo sofrer todas horas. Não queria passar mais todas as tempestades jogado no chão, chorando e se martirizando sobre como tudo era sua culpa. Ele tinha Gyuvin agora, e estava feliz dessa forma.

Quando saíram da loja sem nada em mãos, Kim percebeu a quietação do mais baixo.

— Está tudo bem, Ricky-ah?

Shen parou de andar, preocupando o moreno ao lado. Tinha medo de que Ricky se sentisse mal no meio de tantas pessoas, sabendo que o outro não saía de casa a muito tempo.

— Gyuvin, e se eu dissesse que estou apaixonado por você?

1982 AnalogiasOnde histórias criam vida. Descubra agora