15. Único, como a sensação de um primeiro amor

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Perspectiva.

A forma como se interpreta e vê uma situação específica. Pessoas têm diferentes perspectivas, um senso próprio para compreender as coisas e seus significados, e, a partir da perspectiva de Ricky, Gyuvin não passava de uma criança aprendendo a comer sozinho. Quando se vê um garoto, consideravelmente forte, alto e com um charme que capta muitas pessoas, se imagina uma personalidade a partir da perspectiva própria, porque é óbvio que um garoto como esses seria galanteador e exalando charmes pelos seus poros, porém, essa situação não era bem assim.

Para Ricky, Kim não era nada menos do que um garotinho desastrado e com um coração tão puro quanto o de uma criança, para alguém que já havia passado por alguns bocados, era surpreendente para Shen vê-lo dessa maneira, falando animadamente o quanto gostava de revistas em quadrinhos de super-heróis e que, às vezes, se aproveitava do seu charme para deixar a moça da papelaria deixá-lo alguns para sua casa, isso tudo enquanto sua boca tinha farelos de bolo. Bem, parecia que ele não conseguia comer bolinhos sem deixar sujeira em sua boca, e nunca percebê-los.

Shen nunca demonstrou muito interesse em saber sobre interesses alheios, sempre foi muito cético com qualquer conversa, mesmo com pessoas já conhecidas, como Gunwook, com quem mantinha uma longa mas não tão verdadeira amizade, era como um colega, a única pessoa de sua idade com quem conversou — mesmo que o mínimo — desde que seus pais morreram. Mas, os olhos e a energia que Kim emanava quando falava sobre qualquer besteira que fosse, fazia o estômago de Ricky embrulhar, como se os bolinhos que acabara de comer fosse sair diretamente pela sua garganta a qualquer segundo.

Não era uma sensação que Shen já pensou em sentir por alguém, nem ao menos pensou que seria de forma tão... física. A forma como qualquer coisa que ele falasse, o fazia sentir vontade de soltar uma risadinha, ou ao menos ter um riso descontrolado do rosto, que, mesmo ele tentando evitar, nem ao menos percebia quando o abria.

Não imaginava que seria assim, pensava ser apenas clichês bobos que lia em seus livros fantasiosos, e, ao experimentar a sensação, ele ficou confuso.

Seria Gyuvin? Alguém como Kim Gyuvin?

— Oh, tem algo no meu rosto? — disse Kim, despertando o loiro de seus devaneios.

— Desculpe?

— Você está me olhando de um jeito esquisito, tem alguma coisa no meu rosto?

Ponderou em falar não, mas ao ver geleia no canto de sua boca junto de minúsculos farelos, prendeu o riso e apontou para seu rosto.

— Sua boca está suja.

O moreno rapidamente passou os dedos ao redor de sua boca, as bochechas levemente vermelhas de vergonha e um olhar tão envergonhado quanto. Gyuvin se empolgava quando comia doces, seja chocolate, biscoitos ou qualquer outra, sempre parecia uma criança destrambelhada. Mas ele não queria que Ricky o visse dessa forma. Mas, ele não sabia que esse pequeno detalhe era o que mais encantava Shen.

— Você nasceu loiro? — perguntou, tentando se descontrair do constrangimento evidente em seu olhar.

— Ah claro, sou chinês e nasci com cabelos loiros, exatamente! — falou com sarcástico, o que não pareceu atingir Gyuvin, pois ele colocou uma expressão confusa no rosto. — Não, eu pintei depois da morte dos meus pais.

— Por quê?

Talvez seu maior defeito seja curiosidade, que não se importa com assuntos delicados ou invasivos.

— Minha mãe costumava me chamar de Pequeno Príncipe. — Sorriu brevemente com a lembrança. — Ela costumava recitar uma frase do livro todas as noites antes de dormirmos.

— Você realmente parece um príncipe. — fala sem ao menos pensar.

Ambos se encaram; Ricky com seus olhos levemente arregalados pelo elogio repentino, e Gyuvin por expressar seus pensamentos em voz alta.

Eles dois são como crianças descobrindo sentimentos novos, sem saber exatamente o que fazer ou dizer sem tudo ser um grande constrangimento ou pensamentos confusos. Especialmente Ricky, que se preparou por anos, esperando o dia que finalmente sentiria e desejaria alguém. Sentiria as famosas borboletas no estômago, as bochechas coradas, o coração batendo rápido, e seus olhos brilhariam como se estivesse vendo a coisa mais incrível do mundo. Ele gostaria de sentir isso mais do que tudo, e, agora que sente os primeiros sintomas, se sente nervoso e perdido, sem um caminho exato para o qual seguir.

Batidas na porta fizeram os dois garotos desviarem os olhares e mexer as mãos nervosamente.

Os apaixonados são os mais idiotas, afinal.

— Ricky, querido! — ao ouvir a voz de Doyoung, os olhos de Gyuvin triplicaram de tamanho, encarando Ricky, como se perguntasse o que fazer.

— O que houve? — questionou o loiro, vendo a agitação do mais alto.

— Por um pequeno acaso, senhor Park acha que estou doente por isso não fui trabalhar. — Respondeu, enquanto tirava as pelinhas do lados de suas unhas.

Ricky riu, não acreditando no que havia acabado de ouvir. Gyuvin faltou ao trabalho... por ele?

— Tudo bem, se esconda na varanda. — Puxou Kim pelas mãos e o arrastou até o local, fechando as cortinas e correndo até a porta.

— Doyoung, no que posso ajudar? — disse com um sorriso nervoso.

— Olá, filho. Espero não estar atrapalhando sua leitura, mas gostaria de saber se Gyuvin está aí. Gunwook disse que o viu entrando na sua casa hoje. Se isto for verdade, peço que me perdoe, querido, Gyuvin é um tanto curioso demais e, se ele estiver o incomodando, quero que me fale.

— Ah, me desculpe, senhor Doyoung, eu nunca ouvi falar de nenhum Gyuvin. — odiava mentir para o homem à sua frente, porém sabia como o senhor era consigo, um tanto protetor demais, e esta seria a carta de demissão de Kim. — O senhor sabe como Gunwook tem parafusos a menos.

O velho coçou a cabeça com poucos cabelos e bufou em alto som.

— Aquele pirralho, ainda lhe dou uns tabefes! — resmungou. — Desculpe a inconveniência, querido. Tenha um bom dia!

Assim que o senhor saiu e Ricky fechou a porta, passou a gargalhar. Adorava a forma como Gunwook e senhor Doyoung eram um com o outro, e a forma fofoqueira de ser do outro ainda o colocaria em saias justas, como está que Shen fez questão de colocá-lo.

Andou em direção a varanda, para avisar a Gyuvin que já podia sair, quando escutou a risada do mais alto. Abriu a cortina e entendeu o que era tão engraçado.

A imagem de Doyoung brigando com Gunwook em plena calçada, o ameaçando com uma vassoura não sairia de sua cabeça tão cedo, assim como a risada de Gyuvin.

Ricky tem um complexo de superioridade incrível, a forma como acha que ele é tão único que seria impossível encontrar alguém que chegue em seus pés o fez uma pessoa egocêntrica e a espera do impossível.

Ali, olhando para o moreno rindo com os olhos fechados, percebeu que o impossível só seria realmente provável se ele o deixasse escapar naquele momento.

Puxou o moreno pelos braços, segurou seu rosto com ambas as mãos, e o encarou no fundo dos olhos, encontrando certo brilho de expectativa naquele olhar, sorriu ao notar que todos os seus sentimentos pareciam ser recíprocos demais e, ao beijar novamente os lábios cheios de Gyuvin, a sua mente confusa deu espaço para um coração batendo rápido e forte. Naquele momento, ele percebeu que Gyuvin era tão único quanto ele. 

1982 AnalogiasOnde histórias criam vida. Descubra agora