03 ‧ Suguru

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Quase duas semanas depois do acidente, a irmã dele, Tsuyu, chegou para vê-lo. Ela pegou o trem mais cedo de Sydney no sábado e eu a encontrei na entrada do hospital, para poupá-la de tentar encontrar o caminho pelas enfermarias. Ela parecia cansada, como todas as mães solteiras que trabalham em dois empregos, mas ficou aliviada ao me ver. Eu a cumprimentei com um beijo na bochecha.

— Como ele está?

— Ele está bem. Ele trabalha com diferentes médicos todos os dias, como fisioterapeutas e especialistas em neuro.

— Ele ainda não se lembra?

— Não. Ele pode nunca recuperar esses anos, mas estamos esperançosos.

Ela parou de andar.

— Ele não se lembra de você? — eu balancei minha cabeça. — Meu Deus, Suguru. Isso deve ser difícil.

Difícil, horrível, torturante, de partir o coração...

— Estou muito grato por ele estar vivo.

Ela fez uma careta.

— Desculpe por eu não conseguir vir mais cedo.

— Como assim você não conseguiu conciliar seus dois empregos e duas filhas, para cruzar centenas de quilômetros em um piscar de olhos?

Seu rosto suavizou e ela me deu um sorriso triste.

— Mas ainda assim...

— Como eu disse a você quando aconteceu, ele não estava em condições de vê-la, de qualquer maneira. — expliquei. — Mas ele está melhorando a cada dia. Ele consegue ver com ambos os olhos agora.

— Ai Deus.

Eu me animei por ela.

— Vamos. Eu disse a ele que estava vindo encontrar você. Ele estava empolgado com a sua visita, então é melhor não deixá-lo esperando.

Peguei a bolsa dela e juntos caminhamos até o quarto de Satoru.

— Ugh, eu odeio hospitais. — ela murmurou enquanto nos aproximávamos.

Sim, mesmo depois de todos esses dias, de todas as horas, eu nunca me acostumei com o cheiro. Era enjoativo e horrível. A ala neuro era mais silenciosa que a maioria e mais escura. A maioria dos pacientes aqui apresentava sensibilidade ao ruído e à luz, incluindo Satoru.

Eu a parei na porta.

— Ele não se dá muito bem com ruídos altos ou luzes fortes. Suas dores de cabeça são ruins e ele tem afasia, que é dificuldade para lembrar de algumas palavras. Mas se ele fizer perguntas, seja honesta. Ele sabe que tem amnésia, mas está confuso, então se ele mencionar algo que não bate, precisamos corrigi-lo gentilmente.

— Tudo bem. — ela sussurrou, depois respirou fundo.

Eu apontei com a cabeça para o quarto dele.

— Ele está esperando.

Eu já havia explicado os ferimentos dele a Tsuyu antes, mas nada a preparou para ver seu irmão em uma cama de hospital, todo enfaixado e machucado.

A cama estava levemente inclinada, então ele estava meio que sentado. Ele estava com a perna machucada outra vez para fora dos cobertores, suas linhas de grampos à mostra. A cicatriz correspondente em sua cabeça estava enfaixada, e eu estava agradecido por Tsuyu não ter visto isso. Mas o lado direito do rosto dele agora era um espetáculo de terror em preto, roxo, verde e amarelo. Seu olho direito estava aberto. Embora estivesse injetado de sangue, ele enxergava com ele.

Ele fez testes de visão e audição, com foco no lado direito, onde ocorreu o maior dano, e os médicos ficaram agradavelmente surpresos ao descobrir que todos os circuitos ainda estavam intactos. Embora quando o médico apontou uma lanterna em seu olho direito, Satoru vomitou nele como agradecimento. Ele disse que parecia que a luz era como uma faca atravessando seu cérebro e a dor era insuportável. Ele tremeu e gemeu, encolhendo-se, e foi um lembrete curto e agudo de seus ferimentos.

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