Até, bebê 💌

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— Kelvin, tudo bem? — foi o que Ramiro perguntou ao atendê-lo.

— Desculpa te ligar assim do nada, tô atrapalhando?

— Não tá não, não se preocupa. Precisa de algo?

— Sim, não me ache esquisito, mas preciso que me distraia. Preciso parecer muito entretido nessa conversa, o suficiente para fingir que não vi uma pessoa ou coisa assim. Tenho certeza de que essa pessoa me viu e ao invés de sair de uma vez da loja, me enfiei em um corredor e agora não tem mais volta.

— Certo ... É um ex maluco?

— Não, esse está no campus, ainda bem que não o conheceu. O caso aqui é meu pai.

— Isso é...

— Eu sei, parece estranho, mas minhas figuras maternas são duas amigas um pouco mais velhas do que eu. Quando fiz 18 saí de casa pra morar com elas, porque meus pais não queriam aceitar minhas escolhas e nem o fato de eu gostar de garotos. Eles eram intolerantes em tantos sentidos que eu sequer conseguiria listar, esse é um resumo, só pra parecer menos esquisito. — explicou. — E desde então eu espero que eles sejam capazes de fingir pelo resto da minha vida que não têm um filho. Spoiler: eles não são. Se conseguir me pegar aqui ele vai insistir que eu devo ir pra casa, que minha mãe se arrepende e quer pedir perdão, mas quando eu chegar lá será mentira. Eu sei bem, porque já caí nesse papo uma vez.

— Nossa, eu sinto muito.

— Não precisa sentir, está tudo certo agora, só não consigo lidar com pessoas como eles hoje. Ou pelo resto da minha vida.

— Às vezes a melhor forma de lidar com a com isso é realmente arrancando pela raíz.

— O que eu fiz da melhor forma que pude, inclusive. — afirmou.

— Kelvin? — uma voz masculina o chamou, cada vez mais alta.

Passos podiam ser ouvidos se aproximando do corredor no qual o rapaz estava, fazendo-o tropeçar um pouco adiante.

— Vou te colocar no viva-voz agora, ou ele vai achar que eu estou fingindo. Fala sobre qualquer coisa.

— Qualquer coisa?

— Qualquer uma. — Kelvin afirmou.

Como se houvesse sido cronometrado, o homem mais velho virou no exato momento em que a voz de Ramiro saiu dos auto-falantes.

— Amor, você tem certeza que está na loja certa?

Kelvin quase engasgou com a frase, mas virou de costas seguindo pela outra direção enquanto respondia:

— Claro que tenho, passei ontem com as meninas e eu os vi bem aqui.

— Deve ter sido numa loja parecida. E nós precisamos mesmo desse tipo de vaso para as flores do casamento?

— Nenhum outro vai combinar com o que encomendamos. — ele fez uma voz chorosa de volta, e agradeceu pelo sujeito que o acompanhava não ser capaz de ver sua feição quase divertida por aquele momento.

— Nós podemos procurar outros, bebê. — o tom de Ramiro foi tão doce que Kelvin teve sorte de suas pernas não virarem gelatina.

Ele continuou virando os corredores, não se lembrando o lado para o qual ficava a saída, mas se o ruído enojado de seu "pai" que seguiu a última frase dita pelo outro rapaz fosse um sinal, ou Kelvin escaparia daquele labirinto de decorações neon, ou o homem desistiria em breve.

Percebeu então que precisava só de um pouco mais, e Ramiro já havia entrado naquela, então continuou:

— Eu sei que podemos, é só que... — ele fungou, agradecendo aos anos de atuação. — Acho que tudo isso é saudade, queria que você estivesse aqui. — ele abaixou a voz, não o suficiente para não ser ouvida, mas sim para soar como um segredo entre os dois. — Queria tanto.

— Na próxima, precisamos organizar nossas agendas um pouco melhor. — Ramiro respondeu no mesmo volume.

— Tô sentindo falta do seu cheiro, do seu abraço, do seu beijo... Não aguento Nova Primavera sem você, amor.

— Também estou sentindo sua falta, e é melhor você parar de falar tudo isso se ainda está em público.

— Eu não disse nada demais... — soou o mais manhoso que conseguiu. — Ainda. — completou. — Eu não disse, por exemplo, o quanto sinto falta quando você... — ele escutou um trombar nas prateleiras e ao olhar brevemente pra trás percebeu que o homem havia partido. — Deu certo, expulsamos um homofóbico da melhor forma possível.

Kelvin notou então, enquanto tirava a chamada do viva-voz, o quão rápido seu coração batia dentro do peito, não pela tentativa de fuga, mas por tudo o que haviam dito e daquilo que se pegou começando a imaginar.

— Isso foi intenso, mas que bom que deu certo. — Ramiro falou.

— Foi mal, foi demais né?

— Eu que comecei, então... Não posso reclamar muito.

— Ah! E eu amei que vamos nos casar, por favor, só me avisar a data antes.

Ramiro riu do outro lado da linha, e se Kelvin pudesse vê-lo, notaria o rubor tomando suas bochechas.

— Melhor cancelar, se você fez esse show por um vaso...

— Oush, magoou. — ele olhou para o lado e viu a placa de saída, revirando os olhos pra si mesmo por tê-la encontrado somente depois de tudo aquilo. — Agora vou para a casa das meninas, então irei guardar o celular. — falou. — Mas muito obrigado, qualquer hora te conto mais sobre esse rolo de família se quiser saber.

— Só se você se sentir confortável.

— Já aviso que não é legal, mas já não é como foi um dia. Enfim, tchau, nem sem como agradecer, mas pensarei em algo.

— Não precisa, até que foi divertido.

— Okay, então até mais, amor. — Kelvin brincou pela última vez.

— Até, bebê. — ouviu antes de desligar.

Tell Me SomethingOnde histórias criam vida. Descubra agora