Kelvin correu pela floresta escura sem a menor noção da razão que o havia levado a fazê-lo, mas seu corpo parecia saber que algo ou alguém o esperava chegar até um ponto não muito distante dali.
Os galhos arranhavam seus braços onde a camiseta não cobria, o silêncio além de seus passos era ensurdecedor, seus pés latejavam como se estivesse em uma maratona, e sua voz simplesmente parecia não existir.
Foi quando o encontrou: deitado sobre um monte de terra e folhas secas, a respiração falhando, os olhos quase fechados.
Ele tentou chamar pelo seu nome. Tentou chamar por Ramiro, mas não conseguiu. Agachou-se então ao lado daquele corpo, já fraco e gelado, tocando-o com cuidado numa tentativa silenciosa de dizer que estava ali.
Um gemido de dor foi ouvido quando sua mão pousou no pescoço ensanguentado, apenas um milésimo de segundo antes do mundo ao seu redor desaparecer.
Kelvin acordou. Ramiro se encontrava bem.Os lençóis claros haviam acabado enrolados em torno de seus pés e seu corpo inteiro parecia tremer. Em menos de um mês morando com Ramiro, já era a terceira noite em que um pesadelo como aquele o despertava, mas daquela vez, Kelvin prometeu a si mesmo que não chamaria ao outro, que poderia se acalmar sozinho e não atrapalhar mais ninguém.
Com cuidado, levantou da cama que dividiam e dirigiu-se até a cozinha, enchendo um copo com água da torneira, sem se preocupar muito com aquilo, e contando de trás para frente enquanto tomava gole por gole, repetindo o processo mais uma vez.
Era como se a proximidade com o outro rapaz viesse aumentando seu medo de perdê-lo. Como se saber que esteve tão perto da morte, fizesse seu subconsciente acreditar que os outros também poderiam estar.
Quando colocou o copo na pia, suas pernas estavam ainda mais bambas do que no momento em que o levaram até ali. De nada havia adiantado deixar o quarto se seu coração ainda insistia que precisava ouvir a voz de Ramiro ou apenas assisti-lo estando vivo para bater normalmente outra vez.
Como se soubesse disso, passos indicaram a presença do outro naquele mesmo ambiente, aproximando-se com cuidado do corpo de Kelvin que permaneceu parado ao sentir os braços se enrolarem com cuidado em sua cintura e a cabeça repousar sobre seu ombro.
Tentando inspirar e expirar no mesmo ritmo que sentia através do subir e descer do peito de Ramiro contra suas costas, Kelvin buscou pelas mãos que tocavam sua pele sob a camisa, cruzando seus dedos num aperto firme.
O rosto do maior virou e a respiração quente fez cócegas abaixo de sua orelha, sendo seguida por um beijo singelo ali deixado.
Quando seus batimentos começaram a desacelerar, sentiu o aperto mudando, girando-o para encarar o rapaz.
Não havia sinal de irritação. Não havia sinal de dor. Não havia nada de negativo sendo colocado entre os dois.
Ramiro se aproximou ainda mais, uma mão em seus cabelos e outra em suas costas, puxando-o para encaixá-lo em um abraço que transmitia uma calma e paciência fora do comum.
Kelvin sabia que, se desejasse, conseguiria falar. Que já seria capaz de agradecer ou apenas dizer que Ramiro não devia ter se preocupado e perdido mais uma noite de sono por eles, já que ambos sabiam que, após estarem despertos, não conseguiriam dormir outra vez.
Aquela era a realidade e sua voz existia ali. Ele poderia dizer o que quisesse, mas preferiu o silêncio, porque sabia que não precisava falar para que o outro soubesse tudo o que se passava em sua mente, afinal, aquela era a terceira noite que um pesadelo como aquele o despertava, apenas dois dias após a quarta noite na qual um pesadelo de Ramiro o fez.
Um dia, o passado ficaria no passado e aquilo que o perseguia seria substituído por novos medos que talvez não consumissem suas noites, assim como a terapia seria rotina, não mais um espaço para aprender a lidar com seus montros. Entretanto, enquanto esse dia não chegava para ele ou para o outro, e as noites ainda eram tormenta, eles descobriam as melhores maneiras se ajudarem a fugir das artimanhas montadas por suas próprias cabeças.
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Tell Me Something
FanficKelvin sabe que aquele pode ser o semestre de sua vida, e sonha com o futuro brilhante que o aguarda. O que não espera é conhecer alguém como Ramiro, que o faz querer desvendar o mistério por trás de sua pessoa e de seus próprios sentimentos.