C. Discussão e reconciliação 💌

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Havia quase uma semana que Kelvin e Ramiro tentavam se evitar, o que era bem complicado considerando que dividiam a mesma sala de estar, cozinha, quarto, banheiro e lavanderia, além de ser o maior período ao qual eles já tinham passado sem trocar pelo menos uma dúzia de palavras, tornando toda a situação no mínimo esquisita.

A rotina que tinham criado se desfez por uma briga tola. Kelvin estava cansado de tanto tentar e nada conseguir, o que o fazia se sentir como um peso na vida do outro rapaz e, para complementar, havia o novo vizinho, trazendo sobremesas como se estivessem vivendo numa série norte-americana de baixo orçamento, piscando seus olhos claros para Ramiro como um cachorro sem dono e convidando-o para uma festa.

"- Você deveria mesmo conhecer gente nova, estar com outras pessoas, mas sente que não pode porque eu continuo aqui.

- Não tire palavras da minha boca, Kelvin.

- Mas é verdade. - disparou. - Alguém nesta casa precisa dizê-la e eu estou fazendo.

- Se não quer mais estar aqui então não esteja. - Ramiro devolveu sem pensar.

- Se não me quer mais aqui então fale e eu vou embora. Arrumo minhas malas e vou. "

Ambos falaram e ouviram coisas que não deveriam, e desde então os desencontros propósitais dentro e fora da casa em que viviam não chegavam nem perto de serem agradáveis.

Contudo, já era sexta-feira e Kelvin tinha um teste em outra cidade na manhã seguinte. Ramiro sabia que o mesmo se encontrava em seu pior humor desde a manhã, pois era o único que ele tinha antes de dias como aquele e porque o mesmo acabou com cada gota de café feita ainda cedo; assim como sabia que no fundo aquela discussão havia sido besteira e que ficaria para trás, bastava que o orgulho os deixasse pedir desculpas.

Assim sendo, ao invés de permitir que tudo seguisse o novo rumo, naquele fim de tarde o rapaz decidiu que não haveria problemas em perder alguns minutos e comprar a comida favorita de Kelvin na esperança de animá-lo e consertar tudo.

- Eu trouxe o jantar. - anunciou assim que terminou de trancar a porta, deparando-se com o outro jogado num amontoado de almofadas no chão.

Sem resposta.

- É daquele restaurante que você gosta.

Nada ainda.

- Kelvin, por favor.

- Nós finalmente vamos conversar sobre o que rolou?

- Precisamos, não é mesmo? - perguntou, vendo-o colocar-se de pé e ir até ele, apenas para tomar a sacola de suas mãos e avaliar o que havia dentro.

- Seria bom. - admitiu, parecendo satisfeito com o jantar enquanto o colocava na mesinha de centro, mas não deixando sua expressão entediada se desmanchar.

- Certo... Eu começo: não me sinto sufocado por você, Kelvin. - falou com toda a sinceridade. - Não sinto que você seja um peso ou qualquer outra palavra que tenha usado para se descrever naquela noite. Pelo contrário, você é o que faz tudo ser mais leve, e não me importo que não tenha arrumado um musical dos sonhos para atuar ainda, porque eu não estou com você por essa razão. Não espero que você fique famoso ou que nossa vida mude da noite por dia. Não espero que você me dê nada em troca por estar aqui, porque essa não é a minha casa, esse é o nosso lar, desde o dia em que te chamei para compartilhar não somente um teto, mas uma vida comigo.

Kelvin mordeu os lábios, ele sabia que as palavras de Ramiro eram sinceras, sabia que havia deixado o nervosismo, a ansiedade e até mesmo o ciúme tomar conta e inflamar seu humor.

- Certo... E eu deveria ter acreditado naquele momento, mas... Estava com medo. Nos últimos tempos eu venho pensando que você não me diz tudo o que gostaria de dizer, e as coisas não deveriam ser assim entre nós.

- Eu sinto muito. Sei que tenho errado e que às vezes tenho estado calado demais, mas não quer dizer algo ruim, apenas que eu me acostumei a te ter aqui e apenas isso basta.

- Sinto muito também. - Kelvin sussurrou. - Você aceitou ir naquela festa? - perguntou ainda assim.

- Eu não tenho interesse em ir.

- Mas você sabe que poderia, certo? Temos todo o direito de ter uma vida social além do nosso relacionamento, até porque temos nossos próprios grupos de amigos, e se quiser...

- Ainda sem interesse.

- Tudo bem.

- Sim, tudo bem... - Ramiro repetiu. - Posso te abraçar agora? - perguntou, finalmente recebendo um sorriso que serviu como resposta para o seu questionamento.

Ele se aproximou de Kelvin, mas ao invés de iniciar o gesto de uma vez, seus dedos longos encontraram cuidadosamente o rosto do rapaz, e este não pôde deixar de suspirar, mesmo que de maneira praticamente inaudível, e derreter-se um pouco diante daquele toque.

Os dígitos percorreram todo o rosto, desvendando cada traço, decorando aos menores detalhes, e em toda a sua vida Ramiro jamais imaginou que um dia alguém seria capaz de tirar o seu chão daquela forma, mas lá estava Kelvin, relaxando e fechando os olhos conforme sua mão tomava um novo rumo e arrastava-se em direção à nuca, com a respiração se tornando um pouco mais rápida e pesada diante da lentidão de cada segundo que se passava, a pele macia e quente em contraste com a palma um tanto fria.

- Olhe para mim outra vez. - Ramiro pediu, querendo ver o brilho ali contido de novo.

Kelvin o fez sem pestanejar, e naquele instante, se fosse possível chegar um pouco mais perto, Neves veria os sutis traços mais claros em tons de mel que tomavam parte da íris do rapaz, a dilatação de sua pupila, e o quanto aquele olhar parecia indicar que a saudade daquilo que tinham, mesmo em poucos dias, também era enorme para o outro.

E droga! Kelvin Santana era um maldito anjo que fazia seu coração se aquecer e errar as batidas sem nem mesmo tentar.

- Eu... - começou a dizer, mas sua frase perdeu o final ao que se adiantou para beijá-lo de uma vez.

Seus lábios tocaram suavemente um contra o outro, em um primeiro movimento ainda incerto que seria só o começo daquela noite. Ali, a confiança de cada gesto ressurgiu gradativamente conforme Kelvin empurrava sua língua para dentro da boca de Ramiro fazendo-o desejá-lo ainda mais.

As mãos do menor não perderam tempo ao descer para alcançar os quadris do outro, apertando aquele ponto com cuidado antes de seus dedos deslizarem sob a barra da camisa a qual ele vestia, sentindo mais da pele dele contra a sua.
Em algum momento, aquilo se tornou insuficiente para os dois. O estar ali, ainda parados no meio daquela sala, não era nem de perto o que queriam.

Esbarraram contra paredes, suspiraram ao pé do ouvido, falaram sem palavras todo o resto que havia para ser dito, o que foi bom, pois Ramiro não teria sido capaz de dizer mais nada em voz alta.

Não enquanto Kelvin puxou a camiseta que vestia para fora do corpo e permitiu que ele alcançasse seu pescoço.

Não ao que se deitou em seus lençóis, puxando-o pelo cós de sua calça e fazendo seus corpos se encontrarem sem qualquer barreira entre eles.

Não quando mais peças desapareceram pelo chão do quarto, vozes pediram por mais e o universo inteiro desapareceu, porque todos os seus sentidos só podiam focar nele... Porque no mundo inteiro, só parecia haver Kelvin.

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