Pra Melhorar

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Pra Melhorar by Marisa Monte

Gente, essa primeira parte (1/4) do capítulo é um pouco do depoimento da Júlia, pode ter gatilhos pra muitas, então qualquer coisa é só pular, não vai mudar muito pra leitura toda.

...

Roberta POV

Meu olhar não focava em nada, eu olhava em direção ao chão mas era tudo um borrão. Era como se eu estivesse assistindo um filme de terror no próprio cenário, cada palavra de Júlia virava uma cena na minha mente e me aterrorizava. E nunca acabava, já fazia uma hora que ela tinha começado a depor e junto com sua ansiedade demandando pausas, a história era longa e profunda, ela lembrava de detalhes que eu nem sabia que era possível, a cor das paredes, o cheiro da roupa dele, a tatuagem em sua mão esquerda, porque notou que ele era canhoto... ela lembrava de tudo, de cada minuto daquela noite.

A primeira vez que ela me contou, ela falou que não tinha memória de nada e nem sequer sabia se algo tinha acontecido mesmo, mas ela lembra sim, de tudinho. Estava apenas tentando proteger eu e ela dessa verdade.

"Ele foi o único que estava com você nessa sala?" A Giorgia, policial, perguntou. Seu bloquinho já tinha sido virado a pagina algumas vezes, ela parecia escrever cada detalhe contado por Júlia.

"Eu não sei. Eu lembro de ser servida whisky mas também tomei whisky quando cheguei no bar, essa parte tá um pouco borrada." Ela falou acariciando a testa. 

"Se você puder, você pode descrever qual tipo de ato ele tentou." A pergunta foi feita com cautela mas fez arrepiar os cabelos da minha nuca, eu não queria ouvir essa resposta, Júlia parecia que também não queria responder. "Ele te tocou ou fez você tocar ele?" De novo o silêncio reinou na sala. "Sim? Os dois?" Conseguia sentir seu corpo balançando por ela assentir. Eu não aguentava mais ouvir isso.

"Eu vomitei, ele não gostou e tentou outras coisas."

"Houve penetração?" Eu senti ela se mexendo na cadeira incomodada com a pergunta mas logo assentiu. "Ele usou algum tipo de força brutal pra te prender? Usou algum objeto?"

"Não." Respondeu rápido. "Eu não conseguia fazer nada, acho que ele sabia. Ele só agiu como se fosse algo... mútuo." Ela fungou e acariciou o polegar na minha mão, me despertando da minha posição de estátua.

"Eu vou dar um break e vou checar com meus colegas se já conseguiram localizar ele. Licença." Ela se levantou e deixou uma caixa de lenços na cadeira onde estava, assim que nos deixou sozinha, Júlia me abraçou. Eu ainda estava meio aérea, eu ouvi coisas terríveis, completamente de outro mundo, coisa que eu só via em filme e aconteceu com a pessoa que eu mais amo em todo o mundo... estava difícil engolir aquela sensação.

Não sei explicar o que era, eu sentia nojo da situação, sentia pena, sentia raiva, tristeza, medo... eu perdi totalmente meu senso de urgência, eu estava ali pra apoiar a Júlia, eu não tenho direito de sentir esses traumas agora, não eram meus pra sentir. 

Júlia notou que eu estava travada, que não a abracei de volta, e me olhou curiosa. "O que foi?"

Eu neguei com a cabeça desejando poder ficar calada. "É muita coisa pra mim." Ela assentiu se escorando em sua cadeira.

"Por isso eu nunca te contei." Falou e eu a encarei. "Eu posso ficar sozinha se você preferir."

"Eu só preciso de um minuto." Falei soltando sua mão e saindo da sala em dois passos. Eu sentia um enjoo forte me atingindo, como se eu tivesse viajado de ônibus na pior estrada possível, minha visão estava dolorida, estômago meio revirado, mente confusa.

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