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.A viagem de ônibus de Minas Gerais até Pernambuco foi longa, mas para Lydia , foi também um tempo de reflexão. As paisagens mudavam pela janela, uma sucessão de montanhas, vales e, eventualmente, o azul vibrante do céu se fundindo com o mar distante. Com os fones de ouvido abafando o ruído do motor, ela encarava o vazio da estrada, tentando controlar a ansiedade que sentia diante de uma nova vida que estava prestes a começar. O cheiro do café fresco que sua mãe preparava toda manhã ainda parecia presente em sua memória, um conforto distante que ela sabia que não encontraria facilmente em Recife.
Chegar à capital foi um choque. O barulho, o calor intenso e o ritmo frenético das ruas contrastavam com a calma do interior. Mas ela sabia que era o passo certo. Estava pronta para novos desafios, e a oportunidade no Hospital Central de Recife era o começo de algo maior. Ser enfermeira tinha sido seu sonho desde pequena, e agora, a cidade grande era seu novo lar, por mais assustador que parecesse.
Na manhã de seu primeiro dia, Lydia acordou cedo, antes mesmo do despertador tocar. O pequeno apartamento alugado ainda estava em caixas, e ela fez seu café em uma caneca que trouxera de sua cidade natal. Vestiu o uniforme branco com cuidado, prendeu o cabelo escuro em um coque alto e, ao se olhar no espelho, repetiu para si mesma o mantra que sua mãe lhe ensinara: "Um passo de cada vez, Lydia, um passo de cada vez."
O hospital estava em um ritmo frenético. Gente entrando e saindo, telefones tocando, passos apressados nos corredores. Lydia se apresentou à equipe e logo foi designada para a ala de traumatologia. Enquanto colocava os materiais no lugar, ouviu um burburinho no corredor. Olhou pela porta de vidro e viu que uma pequena multidão se formava ao redor de um dos leitos. Ela suspirou, imaginando o que estava acontecendo.
— ei, novata,você pode me ajudar aqui? — chamou um dos médicos, apontando para a ficha do paciente no computador.
Ela se aproximou do leito e encontrou um homem de terno, sentado na cama, com o braço imobilizado por uma tipóia improvisada. O rosto dele lhe pareceu vagamente familiar, mas com a confusão da manhã, ela não conseguiu identificar. Aproximou-se com a calma profissional que aprendera em anos de prática.
— Bom dia, senhor. Sou Lydia, enfermeira. Vamos cuidar dessa fratura agora, certo? — disse ela com um sorriso leve, enquanto pegava os instrumentos necessários para o procedimento.
Ele ergueu os olhos para ela, seus traços marcados de cansaço, e sorriu de volta.
— Bom dia, Lydia. Acho que dei trabalho, não é?
Ela riu, quebrando a tensão.
— Nada que não possamos resolver. A vida na cidade grande é assim, cheia de surpresas, mas seu braço vai ficar bom logo.
Enquanto realizava o curativo, o olhar de Amara se encontrava com o dele mais vezes do que ela gostaria de admitir. Havia algo na maneira como ele a observava, algo que parecia carregar uma intensidade e vulnerabilidade inesperadas. Não era um olhar comum, nem um paciente qualquer. Mas ela afastou o pensamento, focando no trabalho. Era o primeiro dia, ela precisava manter a cabeça no lugar.
Quando terminou, o paciente agradeceu com um aperto de mão firme, ainda que seu sorriso revelasse um leve desconforto.
— Agradeço pelo cuidado, Lydia. Isso aqui vai me atrapalhar um pouco, mas faz parte, né? — disse ele com um riso curto.
Antes que ela pudesse responder, uma das assistentes entrou apressada no quarto.
— Prefeito João! Está tudo bem? Podemos seguir com sua agenda?
Lydia congelou, a ficha finalmente caindo. O paciente à sua frente não era apenas um homem comum. Ele era João Campos, o prefeito da cidade, uma figura pública que nos últimos meses estava em todas as manchetes devido à sua campanha de reeleição.
João sorriu de lado, quase como se estivesse acostumado com a surpresa das pessoas quando descobriam quem ele era.
— A agenda pode esperar um pouco, mas vamos em frente, não é, Lydia? — disse ele, lançando-lhe um olhar que parecia sugerir muito mais do que apenas agradecimento pelo atendimento.
Lydi, sem saber como reagir, apenas assentiu, tentando ignorar a sensação estranha que se instalava em seu peito. Era seu primeiro dia na cidade, e a última coisa que esperava era se ver em uma situação como essa. Um turbilhão de pensamentos passava por sua cabeça, mas ela rapidamente tentou afastá-los. Era apenas um paciente. Apenas mais um dia de trabalho.
Mas, no fundo, ela sabia que aquele encontro inesperado estava prestes a mudar muito mais do que apenas sua rotina no hospital.
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Caminhos Cruzados- João Campos
RomanceLydia, uma jovem enfermeira de 25 anos, decide deixar o interior de Minas Gerais para buscar uma nova vida na capital de Pernambuco, Recife. Recém-chegada, ela assume seu novo emprego em um hospital da cidade, sem imaginar como sua vida mudaria dras...