Emergência

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NARRADOR POV

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NARRADOR POV.

Na madrugada do dia seguinte, o hospital estava mais quieto que o habitual. Lydia organizava os relatórios dos pacientes da noite anterior, mas sua mente vagava pelos dilemas que cercavam João e sua proposta. Estava prestes a iniciar mais uma ronda quando ouviu uma batida urgente na porta da triagem.

Ela abriu a porta e, para sua surpresa, João estava lá, segurando a mão de um menino pequeno, com um olhar aflito e o semblante abatido. Ao lado deles, uma mulher, com expressão de profunda preocupação, que Lydia rapidamente supôs ser a mãe. A urgência no ar fez o coração de Lydia acelerar.

— Lydia, por favor, precisamos de ajuda — a voz de João estava trêmula. — Esse é meu irmão, Miguel. Ele passou mal durante a madrugada.

O nome "Miguel" soou familiar, mas Lydia ainda não o conhecia. Ela rapidamente observou o menino de cerca de nove anos, respirando com dificuldade e com um aspecto frágil. Sabendo que cada minuto era crucial, Lydia agiu rápido colocando o Miguel em uma maca.

— Vamos levá-lo para a sala de atendimento — disse com firmeza, enquanto guiava os três. — O que aconteceu?

A mulher, que Lydia logo soube ser Renata, mãe de João e Miguel, respondeu com urgência:

— Ele acordou com falta de ar. Tentamos acalmá-lo, demos os remédios, mas só piorava. O Miguel tem síndrome de Down, e sempre é mais suscetível a infecções. Temos medo de que seja algo grave.

Lydia assentiu, ciente da seriedade. Crianças com síndrome de Down têm mais chances de desenvolver complicações respiratórias, e aquilo parecia grave.

— Fizeram bem em trazê-lo — disse enquanto ajudava a acomodar Miguel em uma maca e colocava uma máscara de oxigênio. — Já vou chamar o médico. Ele precisa ser avaliado o quanto antes.

Enquanto preparava o oxigênio e ajustava os sinais vitais de Miguel, Lydia percebeu João tenso como nunca o havia visto. Ele, que sempre parecia tão confiante, agora era apenas um irmão mais velho, vulnerável e preocupado.

— Ele vai ficar bem? — a voz de João saiu quase sufocada.

— Estamos agindo rápido. Ele já está recebendo oxigênio, o que é um bom sinal. Mas o médico é quem poderá avaliar melhor o estado dele — respondeu Lydia, tentando confortá-lo.

Miguel, apesar do cansaço, olhava para Lydia com uma curiosidade silenciosa e um pouco de confiança. Ela sorriu para ele, tentando transmitir calma.

— Oi, Miguel. Eu sou a Lydia, e vou cuidar de você agora, tá bom?

Miguel acenou levemente, enquanto Renata, ao seu lado, apertava o ombro dele, lutando para conter as lágrimas. João continuava imóvel, sem saber o que fazer além de esperar.

Pouco depois, o médico chegou e, após uma rápida avaliação, confirmou as suspeitas de Lydia: Miguel estava com uma infecção respiratória grave. Seria necessário interná-lo para tratamento intensivo.

— Vamos monitorá-lo de perto, e ele vai ficar bem. Mas precisaremos que ele fique alguns dias internado para garantir que a infecção não piore — explicou o médico, dirigindo-se a Renata e João.

Lydia, como enfermeira, auxiliou na transferência de Miguel para a enfermaria pediátrica. João e Renata o acompanharam, e Lydia notou o jeito como João segurava a mão do irmão com cuidado, quase como se fosse um gesto de proteção.

Enquanto tudo se acalmava e Miguel já estava acomodado, Lydia foi até João e Renata para tranquilizá-los mais uma vez.

— Ele está em boas mãos agora. Já começamos o tratamento e, com o oxigênio, ele está respirando melhor. O médico está acompanhando de perto, então vocês podem descansar um pouco.

Renata sorriu, claramente aliviada, enquanto segurava uma lágrima.

— Obrigada, Lydia. Não sei o que teríamos feito sem você.

João, ainda apreensivo, mas visivelmente mais tranquilo, olhou para Lydia com gratidão.

— Lydia, sou muito agradecido por tudo o que você fez pelo Miguel... Nem sei como expressar — disse ele, com a voz ainda carregada de emoção.

Lydia tocou levemente o braço de João.

— Não precisa agradecer. É o meu trabalho cuidar, e ele é forte. Vamos fazer o que for preciso para que ele melhore.

Embora suas palavras fossem profissionais, Lydia sabia que essa situação tocava algo mais profundo dentro dela. Cuidar de Miguel, ver João tão humano e vulnerável, havia mexido com ela de uma forma inesperada.

Conforme a madrugada avançava, depois de 12 horas de plantão Lydia se despediu de João e Renata, garantindo que Miguel ficaria bem com a equipe noturna. Ao sair do hospital, o ar fresco da manhã a envolveu, mas o peso da noite ainda estava presente.

No Uber de volta para casa ela observava a paisagem das ruas movimentadas, e refletia o quanto sabia que algo dentro dela havia mudado. O vínculo entre João e Miguel, a forma como ela se conectara àquela família, tocavam um lugar sensível em seu coração. A proposta de João para o projeto de saúde ainda ecoava em sua mente, mas agora se misturava com tudo o que ela acabara de vivenciar. Ela sabia que, de alguma forma, sua vida em Recife estava tomando um rumo inesperado.


 Ela sabia que, de alguma forma, sua vida em Recife estava tomando um rumo inesperado

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