16/10/24
Lydia estava sozinha em seu apartamento, sentada em sua poltrona favorita, enquanto a noite avançava devagar sobre Recife. Uma saudade súbita da família preencheu o silêncio, trazendo de volta memórias da vida em Minas Gerais. Lembrou-se de sua mãe, do cheiro do café forte e das conversas ao redor da mesa, das mãos de sua mãe apoiando-a sempre que a insegurança a alcançava. Em meio ao silêncio, Lydia pensou nas palavras que a mãe sempre dizia: "Não importa aonde você vá, minha filha, você sempre terá para onde voltar."Porém, dessa vez, a sensação era diferente. Sentia que sua vida estava se enraizando em Recife, mas, ao mesmo tempo, o medo de perder essa conexão a assustava. A imagem de João veio à mente, e então, a mensagem que ele havia enviado horas antes: "Posso passar para te ver? Precisamos conversar." Sabia que ele vinha enfrentando dilemas tão profundos quanto os seus, e, de certa forma, essa conexão com as raízes e as famílias tornava tudo mais verdadeiro.
Pouco tempo depois, João chegou. Ele estava exausto, mas, mesmo com o cansaço aparente, havia um brilho no olhar dele ao vê-la. Ao entrar, os dois se abraçaram em um silêncio reconfortante, como se um entendesse a dor e a força do outro sem precisar de palavras.
― Está tudo bem? ― perguntou Lydia, deslizando sua mão suavemente sobre o ombro de João. Ele suspirou e a olhou com um cansaço que carregava não só os dias de campanha, mas também as memórias de sua própria família, principalmente do pai, que partira tão cedo, e de Miguel, a quem protegia com a intensidade de um irmão e de uma figura paterna ao mesmo tempo.
― Eu precisava te ver, Lydia. Precisava de um lugar onde me sinto bem e seguro― começou ele, tomando a mão dela entre as suas. ― Ultimamente, o peso da campanha e das expectativas têm me feito questionar tudo. Meu pai... eu o sinto comigo em cada passo, mas a saudade é tanta que, às vezes, sinto que estou lutando contra o vazio.
Lydia entendia o que João estava tentando expressar. Ela sabia o que era carregar o peso da responsabilidade familiar, mas também sabia que essa era uma dor que não desaparecia, apenas se transformava em uma força silenciosa. Sabia que a perda de Eduardo Campos, o pai de João, havia sido devastadora, e que desde então, João assumira um papel que ia além de suas próprias ambições.
― João... você sabe que não precisa carregar tudo sozinho, não é? ― murmurou ela, acariciando o rosto dele com carinho. ― Desde o primeiro momento que cheguei aqui, você e sua família me acolheram como parte dessa história. Eu vejo o que você faz pelo Miguel, pela sua mãe, por todos ao seu redor. Mas você também precisa se permitir ser cuidado.
Ele a olhou, e em seus olhos havia um misto de gratidão e surpresa, como se não esperasse encontrar em Lydia alguém que entendesse tão profundamente suas dores e seus medos. Sem dizer uma palavra, ele a puxou para perto, segurando-a como se ela fosse seu ancoradouro em meio à tempestade.
Depois de alguns minutos em silêncio, Lydia sentiu que era o momento de compartilhar algo que havia guardado para si mesma. ― Eu também sinto saudade... da minha mãe, do meu lar em Minas. Às vezes me pergunto se estou me afastando demais das minhas raízes, se estou perdendo o que sou. Mas você... você me fez sentir que eu posso ter um novo lar aqui.
― Você tem um lar comigo, Lydia ― disse João, apertando suas mãos. ― Minha mãe e Miguel já veem você como parte da nossa família e pode ter certeza que guta e Pedro também. Ela inclusive comentou comigo que fazia tempo que não me via tão feliz, desde... desde que meu pai se foi.
As palavras de João eram um alívio e um peso ao mesmo tempo. Lydia se emocionou, lembrando-se de todas as conversas sobre sacrifícios e sobre como a perda afetava a vida e as escolhas deles. Cada vez mais, sentia que suas histórias estavam entrelaçadas em um destino que, embora inesperado, parecia certo.
Então, João continuou, com uma emoção inesperada em sua voz: ― Lydia, você me lembra o que meu pai me dizia: "A vida só vale a pena se a gente tem com quem compartilhar." A presença dele está comigo todos os dias, e ele me ensinou a importância de estar presente para aqueles que eu amo. Eu achava que isso significava apenas cuidar da minha mãe e do Miguel, mas percebo que você também faz parte disso agora. Com você, sinto que estou vivendo não apenas pela memória dele, mas também pelo que quero construir ao nosso lado.
Lydia segurou a mão de João com força, sentindo o coração disparar ao ouvir aquelas palavras. Sabia que esse amor era mais do que um relacionamento; era uma promessa de que eles enfrentariam juntos os desafios, as dores e as alegrias da vida. As memórias do passado, dos pais que os formaram, agora eram parte da força que os unia.
Sem perceber, lágrimas começaram a rolar pelo rosto de Lydia, e ela se viu incapaz de contê-las. Não era apenas pela saudade de sua própria família ou pela dor de João. Era por perceber que, ao lado dele, sentia que poderia finalmente encontrar a paz que tanto buscara. João enxugou suas lágrimas com um sorriso terno, e ambos se olharam em um silêncio que dizia muito mais do que qualquer palavra.
― Vamos juntos, Lydia. Eu quero que a gente construa algo verdadeiro. Não sei o que o futuro nos reserva, mas com você, sinto que estou no caminho certo ― disse ele, olhando-a com um carinho que transbordava.
Ela assentiu, com um sorriso entre lágrimas. ― Eu estou pronta para estar ao seu lado, João. Por nós e por aqueles que amamos.
Eles se abraçaram novamente, sentindo que ali, naquela noite, estavam firmando uma promessa silenciosa, um pacto de que, independentemente do que viesse, estariam unidos. Era mais do que um amor; era o encontro de duas histórias marcadas por perdas, mas que agora se encontravam em um novo propósito, de mãos dadas para o que o futuro trouxesse.
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Caminhos Cruzados- João Campos
RomanceLydia, uma jovem enfermeira de 25 anos, decide deixar o interior de Minas Gerais para buscar uma nova vida na capital de Pernambuco, Recife. Recém-chegada, ela assume seu novo emprego em um hospital da cidade, sem imaginar como sua vida mudaria dras...