Um Convite?

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Na manhã seguinte, Lydia acordou com a luz suave entrando pela janela, mas sua mente ainda estava presa nos eventos do dia anterior. Levantou-se devagar, o corpo cansado pelo ritmo frenético do hospital, e foi direto para a pequena cozinha, onde preparou o mesmo café forte que sua mãe costumava fazer. O aroma familiar a confortou, mas também trouxe uma pontada de saudade. Sentia falta da rotina tranquila de Minas Gerais, onde o som mais alto pela manhã era o canto dos pássaros e o tempo parecia passar de forma mais lenta.

O apartamento era simples, mobiliado apenas com o essencial. Uma cama, um sofá que parecia ter conhecido dias melhores, e uma mesa onde empilhava os poucos livros que trouxera. Caixas ainda estavam espalhadas, lembrando-a de que sua vida em Recife ainda estava em fase de adaptação. Cada vez que olhava para as caixas, era como se enfrentasse o peso da mudança novamente. Por que mesmo tinha decidido vir? A resposta vinha rápida: o trabalho. Oportunidades como essa no Hospital Central eram raras. Além disso, tornar-se enfermeira em um grande centro sempre havia sido seu sonho. Mas sonhos vinham com sacrifícios.

A rotina em Recife estava longe de ser o que ela estava acostumada. O trânsito barulhento, o calor constante, e a sensação de estar em um lugar onde todos pareciam sempre apressados a deixavam tensa. Ao mesmo tempo, havia uma certa energia na cidade, uma vibração que ela ainda não sabia se amava ou temia. Mas sabia que precisava se adaptar, criar raízes naquele novo lugar.

Sua mente vagava entre esses pensamentos enquanto terminava o café e vestia o uniforme branco. Cada peça de roupa parecia carregada de significado: o jaleco impecável, os sapatos confortáveis, o crachá com seu nome, "Lydia Almeida, Enfermeira". Esse era seu novo eu, e ela estava determinada a fazer dar certo.

No hospital, o ritmo já começava acelerado. Assim que entrou pela porta da ala de traumatologia, foi recebida pelo som de campainhas, vozes urgentes, e os passos apressados da equipe. Era reconfortante, em certo sentido. O caos a mantinha ocupada, sem tempo para pensar demais.

Lydia sabia que sua vida ali não seria fácil. As responsabilidades eram grandes, e a equipe, embora competente, não tinha muito tempo para dar atenção a uma recém-chegada. Mesmo assim, ela mergulhou no trabalho com foco. Cada paciente era um novo desafio, cada procedimento uma oportunidade de provar sua competência.

Mas, mesmo enquanto organizava bandejas de instrumentos e preenchia prontuários, não conseguia afastar a estranha sensação de que algo estava para acontecer. Ela lembrava-se do olhar de João Campos no dia anterior, o jeito como ele a observou enquanto ela tratava de sua fratura. "Não seja boba", repetia para si mesma. Ele era apenas um paciente importante, e ela era apenas mais uma enfermeira na equipe.

Ainda assim, aquele encontro mexera com algo dentro dela. Talvez fosse apenas o impacto de estar em uma nova cidade, de sentir que tudo ao seu redor estava mudando de forma rápida demais. Por um momento, ela se permitiu pensar em como a vida seria mais simples se tivesse ficado em Minas, trabalhando no hospital de sua cidade natal, perto de sua família. Mas sabia que a escolha de sair era inevitável. Ela queria mais. Sempre quis.

E enquanto esses pensamentos dominavam sua mente, Lydia não percebeu a aproximação da assistente do prefeito.

Lydia estava tão concentrada em seus pensamentos que mal notou a aproximação da assistente do prefeito até ouvir seu nome ser chamado. Despertou de seu devaneio, encarando a jovem de terno elegante à sua frente, que a olhava com um sorriso meio cúmplice, meio curioso.

— Lydia, não é?O prefeito perguntou por você. Parece que ele quer te agradecer pessoalmente pelo atendimento. Ele é bem grato, sabe? E... confesso que nunca o vi tão à vontade com ninguém aqui antes — disse a assistente, com uma entonação que fez o coração de Lydia acelerar.

Ela piscou algumas vezes, tentando processar a informação. Não estava acostumada a esse tipo de atenção. Para ela, o hospital era um lugar de trabalho, onde pacientes eram tratados e seguiam com suas vidas. Era raro criar laços ou receber reconhecimento direto, ainda mais de figuras públicas. O que aconteceu ontem com João Campos não parecia algo que merecia uma menção especial. Ela estava apenas fazendo seu trabalho.

— Ah, que bom... mas, sinceramente, acho que já fiz o meu papel — respondeu Lydia, com um sorriso tímido, tentando encerrar o assunto.

A assistente riu com leveza, claramente se divertindo com o desconforto da enfermeira.

— Sei que deve ser um pouco estranho, mas às vezes a vida nos surpreende, não é? Bom, ele disse que vai participar de um evento beneficente no fim de semana. Se você quiser, ele adoraria contar com sua presença. — Ela entregou um pequeno cartão, onde estava anotado o endereço e o horário do evento.

Lydia pegou o cartão sem jeito, sentindo-se ainda mais confusa. O que era aquilo? Por que o prefeito a convidaria para algo assim? Claro, havia sido simpática durante o atendimento, mas isso não justificava um convite tão pessoal. "Ele está sendo apenas educado", pensou, tentando se acalmar. Afinal, políticos eram conhecidos por cultivar boas relações com todas as pessoas, incluindo funcionários de hospitais. Isso não significava nada.

— Obrigada. Vou ver como estará minha agenda — respondeu, embora soubesse que sua resposta era vaga.

A assistente sorriu mais uma vez e se afastou, deixando Lydia sozinha com seus pensamentos, agora ainda mais tumultuados. Ela olhou para o cartão em sua mão, as letras pequenas e formais gravadas em dourado. "Prefeito João Campos convida..." O nome dele parecia saltar aos seus olhos, trazendo de volta a memória do olhar que ele lhe lançara no dia anterior.

Ao longo do dia, Lydia tentou se concentrar nas suas tarefas, mas a presença constante daquele cartão no bolso do uniforme parecia um lembrete de que algo estranho estava acontecendo. Os rostos dos colegas, as conversas rápidas nos corredores, tudo parecia sugerir que ela estava no centro de um interesse maior do que gostaria de estar. Não sabia se era paranoia ou se, de fato, a equipe do hospital havia percebido a atenção que o prefeito lhe dera. Mas algo no ambiente parecia diferente.

Quando o turno terminou, Lydia pegou suas coisas rapidamente e saiu do hospital com passos firmes. Ao chegar em casa, fechou a porta do apartamento com um suspiro de alívio. O silêncio era um refúgio depois de tantas horas cercada de pessoas e barulho. Sentou-se à mesa da cozinha e olhou para o cartão novamente, ponderando sobre o que deveria fazer.

Participar de um evento beneficente parecia algo inocente,mais mesmo assim tão íntimo, mais também uma oportunidade de conhecer mais gente, de se ambientar à cidade. Mas havia algo na insistência daquele convite que a deixava desconfortável. "Você está exagerando", pensou, tentando se acalmar.

Mesmo assim, o rosto de João Campos não saía de sua cabeça. Ela se lembrava do sorriso contagiante, da maneira como ele a olhou durante o atendimento, como se já soubesse que aquele encontro não seria o último. Aquilo mexia com ela de uma maneira que não conseguia entender completamente. Não era apenas o fato de ele ser o prefeito. Havia algo mais, uma sensação de que aquele homem representava algo novo e perigoso em sua vida.

Com o cartão ainda em mãos, Lydia tomou uma decisão. Talvez fosse melhor ir ao evento, afinal. Não queria parecer rude e, além disso, era uma oportunidade de criar novas conexões. Ela estava ali para começar uma nova vida, e fazer parte de algo maior, conhecer pessoas influentes, podia abrir portas no futuro. Além disso, ela precisava de uma distração, algo que a tirasse da solidão que sentia desde que deixara Minas.

Ela se levantou e colocou o cartão sobre a mesa. O fim de semana ainda estava distante, mas Lydia sabia que, por mais que tentasse se focar no trabalho, aquela decisão já estava tomada. A presença de João Campos, de algum jeito, já tinha entrado em sua vida.

Caminhos Cruzados- João Campos Onde histórias criam vida. Descubra agora