Lydia acordou com o som suave da chuva batendo contra a janela. A cidade parecia envolta em um manto cinzento que refletia o turbilhão em sua mente. Ao se arrumar para o encontro, ela sentia o coração bater rápido, carregado pela dúvida e pela expectativa. Sabia que, a partir daquela conversa, o rumo da sua vida em Recife poderia mudar completamente.
Ao chegar ao café onde haviam combinado se encontrar, encontrou João já esperando, sentado em uma mesa ao fundo. Ele estava com a expressão séria, os olhos observando o movimento da rua com uma atenção distante. Ao vê-la, seus traços suavizaram em um sorriso, e ele acenou para que se aproximasse.
— Lydia, obrigado por vir — disse ele com um tom que era, ao mesmo tempo, gentil e contido. — Sei que talvez seja difícil para você... e para nós dois.
Lydia assentiu, sentindo a tensão no ar. Sentou-se à frente dele e, por alguns momentos, ambos ficaram em silêncio, absorvendo a presença um do outro e o peso do momento.
— João, eu... — começou ela, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Não posso negar que sinto algo muito forte por você. Mas ao mesmo tempo, eu vim para Recife para me concentrar em mim mesma, na minha carreira. Sinto que misturar essas coisas pode acabar me confundindo, fazendo com que eu perca o foco. E isso me assusta.
João a observava, atento, as mãos unidas sobre a mesa, mas o olhar revelando uma mistura de preocupação e ternura. Então, devagar, ele estendeu a mão e tocou a dela com suavidade.
— Entendo, Lydia — respondeu ele, sua voz baixa e sincera. — Sei o quanto isso é importante para você, e não quero, de forma alguma, atrapalhar sua vida ou seus sonhos. Mas também preciso ser honesto sobre o que eu sinto. Desde a primeira vez que te vi, lá no hospital, sabia que havia algo especial entre nós. Algo que vai além de qualquer lógica ou explicação.
Lydia sentiu um arrepio percorrer seu corpo. A sinceridade dele a tocava profundamente, e o toque de sua mão, leve e carinhoso, parecia transmitir uma força que ela não sabia que precisava. Ela segurou sua mão de volta, entrelaçando seus dedos, como se naquele gesto houvesse a resposta para as palavras que não conseguia expressar.
— João, eu também sinto isso. Sinto algo por você que não consigo explicar, mas tenho medo... e se isso tudo complicar o que estamos construindo? — perguntou ela, com um leve tremor na voz, tentando lutar contra as emoções que transbordavam.
Ele sorriu, com um ar compreensivo, e aproximou-se mais, acariciando suavemente a mão dela com o polegar.
— Eu prometo que não vamos apressar nada, Lydia. Vamos dar um passo de cada vez, respeitando seus limites, seus sonhos. Eu não quero que você sinta que precisa escolher entre nós dois e sua carreira. Podemos tentar construir algo juntos, de uma forma que respeite o que cada um de nós quer e precisa — disse ele, os olhos fixos nos dela, com uma intensidade que a fez sentir que, independentemente de tudo, ele estava realmente ao seu lado.
O coração de Lydia bateu ainda mais forte. Ela sabia que João não era apenas um homem ambicioso ou carismático; havia nele uma profundidade, um cuidado que a fazia se sentir segura, como se, ao lado dele, pudesse encontrar uma nova força dentro de si. Ela sorriu, um sorriso tímido, mas genuíno, enquanto olhava para ele.
— Eu só... tenho receio, João. Não quero que você ache que estou aqui apenas por isso. Não quero que as pessoas pensem que estou misturando meus sentimentos com o lado profissional. Preciso que minha carreira seja algo que eu conquistei por mim mesma.
Ele assentiu, seu olhar carregado de compreensão e carinho.
— Lydia, eu entendo perfeitamente. E admiro essa sua determinação. É uma das coisas que mais me atraem em você — confessou ele, sorrindo com um toque de timidez. — Quero que saiba que estou aqui, mas nunca farei você se sentir pressionada. Estou disposto a esperar o tempo que for necessário.
Ela abaixou o olhar, sentindo o calor subir ao rosto. O jeito como ele a olhava, como suas palavras eram cuidadosas e cheias de respeito, fazia com que seus medos se dissipassem aos poucos. João continuava acariciando sua mão, como se, naquele simples gesto, quisesse dizer muito mais do que qualquer palavra seria capaz.
— Sabe... — murmurou ela, levantando os olhos para ele novamente — Acho que estou disposta a tentar, a ver onde isso pode nos levar. Mas preciso de tempo para entender meus próprios sentimentos e as consequências disso tudo.
João apertou suavemente a mão dela e sorriu, seus olhos brilhando com uma alegria discreta, mas sincera.
— Isso é tudo o que eu precisava ouvir, Lydia. Podemos ir devagar, de verdade. Quero que você saiba que estarei ao seu lado, independente do que aconteça. E, se em algum momento você quiser seguir apenas como minha colega e amiga, eu respeitarei isso.
Houve um silêncio entre eles, mas não era incômodo; pelo contrário, era um silêncio que trazia uma sensação de paz. Eles apenas se olharam, compartilhando uma intimidade que, embora ainda nova, parecia forte e verdadeira. Então, em um gesto mais espontâneo, João ergueu a mão dela até seus lábios e depositou um beijo suave em seus dedos. Lydia sentiu o coração acelerar, e não pôde deixar de sorrir, um sorriso que ele retribuiu com igual carinho.
— Acho que nunca estive tão feliz em apenas segurar a mão de alguém — disse ele, brincando, mas com um tom que mostrava o quanto aquele momento era especial para ele também.
Ela riu baixinho, sentindo o coração leve, como se aquele simples gesto fosse suficiente para expressar tudo o que palavras não eram capazes de dizer.
— Bom, segurar sua mão também me faz bem... mais do que eu imaginava — respondeu ela, entrelaçando ainda mais seus dedos nos dele.
Por alguns minutos, continuaram ali, apenas aproveitando a companhia um do outro. Conversaram sobre a infância, sobre os sonhos, sobre como a vida os havia levado até aquele encontro inesperado. Lydia sentia que, com cada palavra e cada olhar trocado, uma nova página de sua vida se abria. João a escutava atentamente, compartilhando também um pouco das suas próprias dores e desafios, das pressões que a vida pública trazia, e da responsabilidade que carregava desde cedo. Ela percebia que ele não era apenas um prefeito; era um homem vulnerável, alguém que também buscava algo que fosse só dele, sem as cobranças do mundo ao redor.
Quando finalmente se despediram, Lydia sentiu que algo havia mudado dentro dela. Aquela conversa, aqueles olhares e os gestos de carinho entre eles haviam plantado uma nova coragem em seu peito. Ela sabia que o caminho à frente não seria fácil, mas, ao lado de João, sentia que tinha encontrado uma força e um carinho que a ajudariam a enfrentar as incertezas.
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Caminhos Cruzados- João Campos
RomanceLydia, uma jovem enfermeira de 25 anos, decide deixar o interior de Minas Gerais para buscar uma nova vida na capital de Pernambuco, Recife. Recém-chegada, ela assume seu novo emprego em um hospital da cidade, sem imaginar como sua vida mudaria dras...