CAPÍTULO 4

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Pov Priscila

A água escorria lentamente pela pia, enquanto ela via o seu reflexo no espelho. Sorriu para si mesma, analisando as linhas de expressões. Queria ser uma dessas pessoas que possuem um sorriso enigmático, misterioso. Elas treinavam esses sorrisos, certo? Ninguém nasce sorrindo misteriosamente. "Olhe para mim, mamãe, pelo meu sorriso você acha que eu quero mamar ou não?". Valentina sabia sorrir dessa forma, mas Priscila cortaria o mindinho do pé se ela não passou horas e horas na frente do espelho durante a adolescência, aperfeiçoando aqueles músculos do rosto. Claro que sempre existia a possibilidade de pedir para que Valentina a ensinasse, mas acabaria com o mistério, não é? Abriu mais o sorriso e sua bochecha doeu. Balançou a cabeça e desligou a torneira.

Era final de domingo e a cabeça de Priscila já estava nos afazeres do dia seguinte. Levantar cedo, pegar dois ônibus, chegar no trabalho e suspirar em sua mesa, pronta para mais uma semana. Ligar para clientes, atender ligações de clientes, visitar clientes. Eles eram os donos da sua vida. Mais de trinta horas por semana, ela fazia o que podia para que eles contratassem os serviços da empresa dela, e em contrapartida, eles debatiam-se até o último minuto. Ela adorava essa queda de braços com desconhecidos. Nos dias bons. Nos dias ruins, ela só queria que tivesse condições dela mesma contratar o serviço para não precisar ligar para ninguém.

Bateu na porta do quarto de Valentina, que estranhamente enfiou-se no covil e não saiu nas últimas vinte e quatro horas.

— Entra. — Um grito soou lá de dentro.

Abriu a porta devagar, e olhou em volta. Meu Deus. Olhar para aquele quarto era a mesma coisa que olhar para a imagem devastada de uma cidade que acabou de ser atingida por um tsunami. Procurou alguns espaços vazios no chão para poder colocar a ponta dos pés.

— O que aconteceu aqui? — Perguntou, tentando não usar o tom de voz da sua mãe.

Valentina, que estava parada em pé ao lado da cama, passou os olhos rapidamente pelo quarto. Valentina era pequena, tem um metro e sessenta e oito. Os cabelos eram lisos e escuros e os olhos verdes claros. A pele era branca. Sempre ouvia Valentina discursar sobre como o cabelo escuro fazia com que sua pele tivesse uma palidez doentia. Normalmente falava sobre isso nas horas que passava de biquíni no quarto, deitada em uma toalha no chão, banhada pelo sol quente.

— Eu estou procurando uma roupa para a reunião de amanhã. — Respondeu, dando de ombros.

— E se deparou com uma granada dentro do seu guarda-roupa? — Priscila abriu os braços e deu um giro no quarto.

— Interessante você falar isso. — Valentina puxou uma regata branca, cheia de lantejoulas laranjadas pregadas. — Você não acha que o guarda-roupa de uma mulher esconde grandes segredos? — Perguntou, levantando a peça de roupa pelo dedo. — Eu não faço a mínima ideia de quem é o dono disso. E não sou conhecedora de granadas, mas julgo ser bem parecido.

Priscila levantou as sobrancelhas, fazendo juízo de valor.

— Achei que combinou com o seu bronzeado. — Falou. — O que está no chão é lixo? — Perguntou, quando viu Valentina jogar a regata com força no meio de uma pilha de roupas.

— Yepp! Não sei se tenho coragem de doar isso aí. — Aproximou-se de Priscila. — Você está sozinha? — Olhou para a porta do quarto em frente ao dela.

— Sim. Mônica foi embora há algumas horas. — Priscila sorriu. — Você estava bem nervosa ontem. Não aguenta um relacionamento sério por perto? Te dá alergia? — Cutucou o nariz de Valentina com o dedo.

— Escuta. — Valentina olhou para as mãos. — Eu preciso te contar uma coisa. — Olhou-a nos olhos. — Você não vai gostar. E é bem difícil te falar isso.

Eu soube que é vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora