Capítulo 17

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      Fiquei um tempo encarando o teto de madeira. Estava estirado na sala contemplando o calor que fazia àquela hora. Flora conversava animada na cozinha com a mãe lavando a louça. Peter procurava as espadas no celeiro e o pai já tinha saído para a horta. "Dia de plantar" ele disse durante o almoço. Me perguntava se meus pais estavam seguindo suas vidas ou se tudo estava parado como aqui. Será que Sam me procurava na floresta com o Max e o Ryan? Será que estão pegando a matéria para quando eu voltar? Talvez eu fosse chamado de menino esquisito dos Campbell, uma vez que Thomas era o mais simpático da família e não ia em florestas.

Os pensamentos rondavam minha mente me fazendo sentir culpa. Apesar de não ser culpa minha. Não poderia culpar ninguém pela vida que eu levava, era solitário em grande parte. Minha mãe poderia estar aos prantos ou seguia fazendo seus plantões como forma de conforto. Ela jamais ficaria em casa se lamuriando por mais um filho perdido, mas talvez meu pai se preocupasse. Eles perderam o amor assim que Thomas morreu.

Nem quando Flin morreu, nenhum deles se compadeceram. Sugeriram que eu me internasse em alguma clínica, ainda bem que minha avó materna não deixou. Eu poderia ter ido morar com ela, mas a distância da cidade me desanimou e todo o silencio que o sitio trazia me deixaria louco na época. Peter pigarreou logo que adentrou a sala, o som metálico me tirou do devaneio. Me sentei num pulo o observando. Ele balançou as espadas no ar sorridente como uma criança que ganhou um doce.

— Agora podemos dar início ao nosso treino!

Peter me esperou a levantar e seguimos para fora da casa, ele ainda me olhava estranho quando Flora me evitava.

— Está acontecendo alguma coisa entre você e Flora? – ele perguntou me entregando uma espada.

O encarei.

— Ela brigou comigo porque sou muito curioso. –Menti.

Ele balançou a cabeça.

— Ah... achei que tinha acontecido alguma coisa. –Ele limpou a garganta coçando o nariz. Ergui uma sobrancelha curioso.

Não sei em que paralelo eu me interessaria por Flora. Somos como água e fogo, lua e sol, luz e escuridão. E essas coisas não se juntam. Peter ficaria feliz em ter um cunhado, mas essa pessoa não seria eu.

— Que tipo de coisa? –perguntei. Ele ficou vermelho.

— Achei que vocês tinham se beijado sei lá. –Ele sorriu sem jeito. Balancei a cabeça.

— Ela me odeia, eu tive medo dela me transformar num sapo! Como acha que isso poderia acontecer? – suspirei.

Ele deu de ombros.

— Primeiro vou te ensinar a segurar direito a espada. Nunca pega ela pela lâmina, sempre pelo cabo. – O encarei.

— Você está me zoando? –perguntei. Ele riu alto.

— Os vampiros sempre fogem de espadas, porque elas são de prata e porque corta obviamente. –Ele riu. Revirei os olhos.

— Dá pra ir direto ao ponto? –sorri ao dizer.

— Estou tentando ir até ele, nunca ensinei alguém como usar essa coisa. –Peter coçou a cabeça.

Esperei paciente a sua frente com a espada nas mãos. Nossas camisas de linho não pareciam apropriadas para isso e eu sentia um arrepio toda vez que ele apontava a espada pra mim. Ele parecia tão perdido quanto eu ali com aquela gerigonça nas mãos.

— Pegue a espada em punho assim e nunca deixe o inimigo pegar a sua costela, use a espada como escudo e ataque quando alguma parte dele ficar exposta. – Ergui uma sobrancelha, — Que foi? É o melhor que consigo fazer. – Ele reclamou.

Peter avançou acertando minha espada, o som metálico me assustou e ele sorriu orgulhoso de seu ataque. Desviei batendo a espada da sua, o tilintar foi alto e ele teve que desviar. O som produzido ia aumentando conforme Peter avançava me atacando cada vez mais ágil. Desviei da espada dele saindo por baixo do ataque e a espada fincou no varal. Encarei a espada.

— Caramba... –comentei. Ele sorriu.

— Tenta não morrer Luke! –ele gritou puxando a espada do varal.

Então eu avancei desfilando golpes e ele se protegia desviando a espada e acertando a minha. O som metálico ficava cada vez mais alto e logo tivemos plateia. Flora sorria vendo a cena e a mãe com a mão na boca parecia assustada. Olhei rápido para Flora que torcia pelo irmão é claro, mas voltei a avançar em Peter que revidava na mesma hora. Faíscas eram soltas no ar e Peter sorria toda vez que eu tinha que desviar.

— Está tentando me matar Peter! –gritei entre desviadas.

— Claro que não! Tente não morrer Luke! –Peter avançou novamente e eu desviei e voltei a golpear.

— Vai Peter! –Flora gritou batendo palmas.

Peter sorriu alto.

As espadas brilhavam com o sol que refletia nelas. Sua espada bateu com força na minha estremecendo meu braço. Desviei acertando a sua, ele parecia investido e eu tive certo medo. Ele não me dava mais espaço para escapar e isso me deixava sem jeito para acertar a espada.

— Você consegue Luke! Eles não vão te dar espaço também. Não deixe a espada cair! –Ele acertou novamente a espada e uma faísca saiu áspera e barulhenta.

Estava pronto para acertar sua espada quando ele me acertou na costela. O corte fino me fez cair no chão, ardia e doía a cada pulsação do meu sangue. Minha espada caiu longe quando eu cai. Peter correu até mim desesperado.

— Você está bem? –ele perguntou franzindo as sobrancelhas. A mãe dele gritou brava com a gente.

— Eu não avisei que isso iria acontecer! Traz o Luke pra dentro.

Levantei a camisa e Peter me ajudou.

Era apenas um arranhão que não estava tão fundo e o sangue nem chegou a escorrer. Ele me colocou de pé e eu peguei a espada novamente.

— Nunca vire de costas e nunca deixe a espada estremecer seu punho. Foi isso que fez com que eu o acertasse. –Peter estava sério, — Ele está bem mãe, foi só um arranhão! – ele desviou seus olhos por segundos para sua mãe que estava preocupada na porta.

— Se algum de vocês morrerem vou enterrá-los no terreno das bruxas! –ela entrou brava agitando um pano de prato nas mãos.

Flora sorriu nos observando, estava adorando isso. Peter se posicionou me encarando. Ele avançou novamente e eu acertei em cheio sua espada, ele sorriu orgulhoso, o sol estava quente fazendo o suor escorrer pela camisa apesar de algumas nuvens perambular pelo céu. Avancei com afinco e a espada de Peter foi jogada longe, ele ergueu as mãos sorridente.

— Bom garoto! Agora estamos chegando a algum lugar.

Joguei a espada no chão me sentando logo em seguida. A terra sob minhas mãos grudava nas palmas e nos dedos. Peter sentou ao meu lado. Estávamos ofegantes demais para falar. Mas ele sorria de vez em quando me olhando. Flora se levantou e foi para dentro, encarei ela sair por alguns segundos.

— Ela queria me ver morto... – comentei ainda ofegante.

— ... Provavelmente ...

Concordamos com a cabeça.

No fim daquela tarde deixei que Flora cortasse meu cabelo. Tive um arrepio ao ver a tesoura na sua mão. Por um momento me passou pela cabeça que ela usasse aquela tesoura nas pobres fadas, mas o pensamento era absurdo demais e logo se dissipou. Flora dividiu meu cabelo prendendo o topo com um elástico de cabelo e com uma máquina de corte veio cortando da minha nuca até quase o topo, nem vi quando Peter levou pra ela essa máquina.

Bem que eles disseram que muita coisa ficou com eles depois da divisão. Meu celular estava descarregado a dias e morava sobre o criado mudo do quarto, uma tela preta sem vida e não faria sentido ele funcionar porque eu não teria como falar com eles. Lavei a cabeça no riacho espalhando meu DNA naquele lugar. O corte ficou bem melhor depois que ela aparou o topete que havia amarrado.

Sorri satisfeito agradecendo a ela.

Ela deu um pequeno sorriso. 

Através do Espelho {CONCLUÍDA}Onde histórias criam vida. Descubra agora