CAPÍTULO 14

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Não... não era um sonho. Dessa vez é uma memória. Uma verdade, eu estou vivo nessa cena...

Uma festa de gala se desenrolava na mansão da minha família, e eu me via ali, mais jovem, em um ambiente que pulsava com elegância e sussurros de requinte. As luzes suaves refletiam-se nos candelabros pendurados no teto alto, lançando um brilho dourado sobre os rostos sorridentes que se moviam como sombras dançantes.

Estava vestindo um traje que se tornava parte de mim, uma mistura de preto e vinho que abraçava meu corpo de maneira sofisticada. O paletó, de corte impecável, acentuava meus ombros, enquanto a gravata borboleta em um tom profundo de vermelho escuro se destacava, conferindo um ar aristocrático à minha aparência. Eu me sentia como um príncipe em um conto de fadas, embora a sensação fosse mais parecida com uma máscara, uma fachada que escondia o verdadeiro eu.

Naquele cenário,  estava em meu quarto, deixei minha mente vaguear para Dostoiévski, o livro que repousava em meu colo, suas páginas amareladas repletas de pensamentos profundos e angustiantes. O aroma do papel envelhecido misturava-se ao perfume da festa, um contraste que me fazia sentir como se estivesse flutuando entre dois mundos. Estava tão imerso na leitura que não percebi a porta do meu quarto se abrir suavemente.

— Elliot? — A voz suave e melodiosa que penetrou meu estado de concentração.

Levantei os olhos e encontrei minha mãe, sua presença iluminando o espaço de uma maneira que nenhuma luz poderia. Ela estava deslumbrante, com um vestido elegante que parecia feito sob medida para destacar sua beleza. A cor era um azul profundo, que refletia sua aura serena e angelical. Seus longos cabelos castanhos caíam em ondas suaves sobre os ombros, emoldurando um semblante gentil que sempre me trazia conforto.

— Oi, mãe — respondi, tentando esboçar um sorriso, odiava preocupa-la,  mas sei que o esforço foi apenas uma fração de sefundos.

A expressão dela irradiava carinho e preocupação, enquanto se aproximava de mim. A leveza de sua presença era um bálsamo em meio à opressão do evento que se desenrolava no andar de baixo.

— Seu pai já está irritado com a sua falta. Ele gostaria que você descesse e conhecesse os convidados — disse ela, seu tom doce não deixando transparecer a tensão que o meu pai costumava ter em momentos como esse. Havia um convite implícito em suas palavras, um apelo que eu não podia ignorar.

Eu suspirei, jogando o livro sobre a cama, como se esse gesto pudesse afastar o peso da expectativa que me cercava. A verdade era que eu desgostava da festa, do brilho falso e da superficialidade que envolvia aquelas reuniões. O olhar que ela encontrou em mim era frio e descontente, como se eu estivesse preso em uma gaiola, mas eu sabia que ela também estava acorrentada. Ninguém naquela mansão tinha como sorrir com honestidade e minha mãe... sofria mas por mim, do que por ela.

— Ele sente falta de me vender, afinal, que preço se dar ao que nao é visto — digo friamente.

— Querido... eu — Ela se aproxima, toca meu rosto com ternura e beija minha bochecha — Espero que um dia possa me perdoar... mas é Natal,  hum? Comprei um presente que vai gostar — diz ela tentando tirar as sombras do meu coração,  mas ja era algo impossível.

Por um breve momento, eu pude ver uma fração de desespero em seus olhos, um desejo de que a vida fosse diferente. Por ela eu queria sorrir, por ela queria dizer que tudo ficaria bem. E talvez ela me passava essa força sem perceber.

— Dostoiévski vai ter que esperar, não é?

— Você sabe todas as histórias de cor — Ela sorri breve e passa o braço pelo meu — Acompanha essa dama ao salão?

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