CAPÍTULO 21

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Dois anos atrás
Rodovia próxima à cidade de Eldengrove
03h00 da manhã

O peso do mundo parecia ter desaparecido quando abri os olhos. Eu me ergui devagar, como se houvesse me libertado de uma gravidade silenciosa, sentindo uma leveza irreal e amedrontadora. A lembrança do impacto ainda girava em minha mente - o metal retorcido, o som dilacerante da colisão, o grito breve e sufocado de minha mãe. Mas, enquanto o choque parecia vivo, meu corpo estava... perfeito. Não havia dor, sangue ou feridas. As minhas mãos, que esperava ver manchadas em sangue, estavam limpas e intactas.

Aos poucos, o mundo ao meu redor começou a se materializar, revelando algo inominável, que prendia minha respiração. Ali, em meio aos destroços do carro, em meio ao cheiro de combustível e metal quente, ele se erguia. Sua presença era um paradoxo: um ser de beleza etérea, mas impregnado de uma aura de perigo. Belial. Um nome que vinha à minha mente com um peso antigo, ecoando em alguma parte oculta da minha alma.

O demônio me observava com olhos que eram poços rubros, chamas silenciosas que perfuravam a escuridão e absorviam o mundo ao redor. Suas pupilas pareciam dançar com uma energia própria, como se cada uma delas contivesse um segredo sombrio, uma tentação proibida. Senti meu coração pulsar freneticamente, como se minha alma compreendesse algo que minha mente ainda não podia alcançar.

Ele se moveu, e o ar pareceu se dobrar em torno de seu corpo. Seus cabelos negros, tão escuros quanto a meia-noite mais profunda, caíam desordenados sobre os ombros, contrastando com a pele pálida, quase translúcida, que parecia sugar a pouca luz daquela noite sombria. Seus traços eram ao mesmo tempo serenos e aterradores, como uma estátua de mármore profana esculpida pelos próprios deuses. Tudo nele parecia destinado a seduzir e amedrontar.

Belial estendeu a mão, uma oferta muda que ressoava como um chamado de outro mundo. Os dedos eram longos, graciosos, esculpidos com uma perfeição que desafiava a lógica. Eu sabia que tocar aquela mão era uma simples aceitação; do que ja havia sido selado. Algo em mim estava satisfeito com aquilo. O mundo que conhecia já não me pertencia, e eu, diante dele, sentia uma familiaridade, como se ele fosse a resposta para o meu pedido.

Quando nossas mãos finalmente se encontraram, uma corrente elétrica percorreu meu corpo. Não era uma energia natural, mas algo vivo, pulsante, como se estivesse sendo insuflado com uma vida que nunca conheci antes. Cada fibra do meu ser parecia se moldar ao toque dele, reconhecendo-o como parte de mim. Naquele instante, eu soube que o contrato estava selado - um pacto de sangue e escuridão.

O silêncio era pesado, quase tangível, e eu pude sentir a respiração dele, lenta e controlada, como se ele mesmo estivesse saboreando cada segundo. O mundo ao nosso redor começou a se dissolver, tornando-se uma paisagem fantasmagórica onde o tempo e o espaço se misturavam, onde o passado e o presente eram meros fragmentos de um sonho distante. A promessa estava feita, o caminho traçado.

De repente, uma luz branca cortou o ar entre nós. Ela atravessou-me como uma flecha de energia pura, avassaladora e incompreensível, que parecia pertencer a algo muito além da compreensão humana. Senti meu corpo estremecer, meu coração bater descompassado, enquanto uma sensação febril me envolvia. Era como se estivesse sendo arrancado da morte e empurrado de volta à vida. O brilho envolveu-me completamente, atravessando pele, ossos e alma. Uma dor gélida queimava em meu peito, espalhando-se em ondas, como gelo derretido invadindo cada célula.

Ao erguer o olhar, vi os olhos de Belial fixos em mim. Havia uma surpresa quase irritada em seu semblante, um lampejo de fúria que parecia incendiar as chamas rubras de seus olhos. Ele não esperava aquilo. Meu corpo começou a se desfazer, desintegrando-se como fumaça ao vento, mas eu ainda podia sentir sua presença ao meu redor, como um grito silencioso que ecoava dentro de mim.

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