Não vou negar, você me envolveu

65 12 38
                                    

Uma semana e meia que João discutiu com Pedro. Uma semana e meia que ele tenta ao máximo evitar até mesmo olhar para ele.

Uma semana e meia que tem tentado esquecê-lo.

Romania decidiu não ir para a aula hoje. Precisava de ao menos um dia para se recompor, ele não suportaria tanto assim, de pé.

João se encontra sozinho em casa. Sua irmã na escola (não voltaria tão cedo), e seus pais trabalhando.

Ele está sentado no sofá perto da janela, com cortinas entreabertas. Está escrevendo num caderno velho, algo que ele não sabe como, mas pensa que pode ser uma música.

Ele repara na hora e percebe que já são quase 13h, olha para fora para enxergar o céu, está um sol fraco, muitas nuvens.

Então ele vê alguém passar ali na rua. Pedro.

Com uma blusa larga em tom pastel, humor indiferente. João nunca vai conseguir negar o quanto Pedro o envolve física e emocionalmente. Bom, ao menos não para si mesmo.

Seus pensamentos intrusivos a até desesperados, o fazem pensar em sair ali na rua, gritar por Pedro e chamá-lo para conversar, mas nunca vai saber se o outro quer ao menos respirar perto dele.

Melhor deixar pra lá, né? João pensa.

Afinal, há tanto em jogo, tanto sentimento.

Ele para e olha para seu caderno, algo desconexo, mas que, em algum momento, vai fazer sentido, em sua mente:

Será que estou sendo paranóico?
Eu tentei deixar tudo para trás,
Eu realmente tentei, continuo tentando.
Mas eu vou a lugares, vejo eles mudando.
Eu não posso mais sentar na sua porta da frente,
E beber algo com o estômago vazio.
Não tenho certeza de absolutamente nada.
Mas uma coisa...
Eu procuraria você em todas as minhas vidas,
Apenas para saber como seria viver
uma grande história com o amor da minha vida.
Eu vejo você em todos os lugares, esses dias.
Por que você não consegue mais
reconhecer meu rosto?
Se a dor é real, por que não consigo
encontrar a cura?

João sente que ainda tem muito a acrescentar, tirar, mudar, mas sabe que pode virar algo.

Ele sempre se aproveitou de suas dores para compor, só não imaginava que algum dia isso iria o consumir.

Se distanciando de seus pensamentos, ele percebe que tem algo batendo na porta, e com relutância, levanta e vai até a mesma para abri-la.

Dá de cara com Malu, ainda com a mochila da escola.

— Que ótimo que está vivo, precisamos conversar — ela dá um sorriso irônico e entra, passando por João e indo para a sala.
— Boa tarde pra você também? — João diz enquanto fecha e porta e se volta para sua amiga.

Malu cruza os braços e o encara como se dissesse "sabe exatamente porque estou aqui".

João senta ao seu lado, no sofá, apoia os cotovelos nas coxas e o queixo nas mãos, respirando e se dando por vencido.
— Tudo bem — ele respira fundo — Anda, pode falar, eu sei que tá ensaiando o sermão há dias.

— Vou deixar pra fazer isso depois — Malu diz — Renan não quis vir comigo porque ficou com medo que eu te matasse. Por hora, eu só quero saber de fato: por que tudo isso?

João sabe que não escaparia de Malu nem que realmente quisesse muito.

— Pra ser sincero... — ele olha para baixo enquanto estala os próprios dedos — medo.
— Medo de quê?
— Eu me apaixonei pelo Pedro, Malu. Isso é o meu medo — ele diz como se tirasse uma bigorna de suas costas.

— Espera, é por isso? — ela pestaneja algumas vezes.
— É... — Romania diz, arrastado.
— Nossa.
— O que foi?
— É que... — ela tenta achar palavras, mas desiste do cuidado — ah, foda-se. Eu achei que você já tinha percebido isso há mais tempo, João!

— Não?
— E como não?! — Malu não consegue mais esconder sua indignação — Já viu a maneira que vocês agiam um perto do outro? Já prestou atenção em como você olha pra ele? Como você cuida?
— Agir de tal modo por estar apaixonado, é diferente de saber que esse é o motivo, caramba! — João explode, mas logo se acalma — É só que... eu não sei o que fazer com isso.

— Então... você acha que ele não sente o mesmo por você? — Malu questiona, com um ar de quem está fazendo uma pergunta idiota.
— Não, Malu, é justamente o contrário — ele bate as mãos contra as coxas — Tipo, ele tenta encontrar o que eu nunca vi em mim, vê o melhor até mesmo quando eu não consigo. Ele me olha feito um raio-x, Malu, e não sei se mereço isso.

— Você quer que eu tente aconselhar primeiro, ou que eu vá logo para o sermão? — Malu pergunta, ajeitando sua postura ao ver a resposta do amigo apenas com o olhar — Ótimo. Primeiro, você foi um completo idiota e imaturo achando que a melhor maneira de "resolver" isso, seria sumindo da vida do Pedro. Você é muito inteligente, mas as vezes parece que não pensa. E eu não posso colocar na sua cabeça o que você tem que fazer ou não, só posso te dizer que a solução não é essa, e que se você tem o mínimo de consciência, vai fazer o certo.

— Dê na minha cara logo — João brinca, dando um sorriso fraco.
— Eu sinceramente deveria — Malu resmunga — Mas não vale a pena.

O silêncio se instaura por alguns segundos.

— Olha... — ela continua — eu sei que provavelmente, o seu medo é não conseguir retribuir à altura, já que não acha que merece isso. Seu medo é prender alguém que pode dar algo melhor a uma outra pessoa, mas vocês estavam tão felizes... só... precisa saber que, às vezes, amar tem sabor amargo, e lidar com isso.

— E se tudo ser errado?
— Bom... se vocês forem felizes e fizeram bem um ao outro, vocês já deram certo — ela sorri — Só quero o melhor pra vocês, não aguento mais ver meus amigos assim. Vocês precisam conversar direito, e sem você agir como idiota, dessa vez.

— Ah... — João esconde o rosto nas mãos e respira fundo — ele me odeia, não é?
— Não... — Malu solta uma risada esbaforida e tira as mãos do amigo do rosto — ele não te odeia, ele não tem raiva. Ele só... você deixou ele muito magoado, João. E é hora de você tentar realinhar isso.

— Se ele não me matar, talvez eu consiga.
— Ai, João, vai atrás do seu homem! — Malu perde a paciência — O errado foi você, não pode esperar que ele venha até aqui e te chame para uma boa e bela conversa.

— Até quando vai ficar jogando isso na minha cara?
— Até você ir atrás do Pedro, se explicar, conversar, e tentar de fato se resolver.

João se deita com a cabeça no colo da amiga, olhando para cima, buscando outra solução para isso. Mas não há outra.

Se tivesse outra chance, consertava os erros. E talvez ele tenha.

___________________________________________________________

João nesse momento: eu devia ter
dado mais valor, pro meu coração
não ficar tão assim doendo.

Até o próximo capítulo :)

Suas Linhas | PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora