Capítulo 2 - Dúvidas que dominam

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Finalmente chegou o dia da prova de educação, mas o que me animava não era ter prova e sim encontrar mais uma vez com a Clara. No dia anterior, havia acordado com a Fabiana levantando da cama para ir para a aula e já estava pensando em faltar quando me lembrei da revisão para a prova de Aquisição da Linguagem. Ainda tentei passar perto da sala onde sabia que Clara teria aula, mas não consegui vê-la. Meu consolo foi estudar para educação. Passei o dia lendo os textos e consequentemente pensando nela. Lembrando os seus sorrisos doces e de sua aparência calma. Estava um pouco por fora dos assuntos dos textos e fiquei nervosa com essa prova, pois não tinha ideia de como seria.

Quando entrei na sala, ela já estava sentada e me lançou um sorriso que me fez esquecer o nervosismo.

- Obrigada pelos textos – disse enquanto sentava-me ao seu lado e entregava-lhe os papéis.

- Espero que tenham ajudado – sorriu, simpática, mas não consegui responder porque a professora começou a entregar a prova e dar instruções.

Dei uma lida rápida e vi que teria que enrolar bastante! Olhei para Clara, que estava de olhos fechados com a prova diante dela. "Está dormindo?". Quando terminei esse pensamento, ela abriu os olhos de novo e começou a escrever sem parar. Durante a prova, eu a olhava e via que estava compenetrada, enquanto eu tentava lembrar conceitos e algumas coisas que havia lido nos textos.

Ela terminou antes de todos e vi quando a professora lhe estendeu uma folha, dizendo que era para escolher o tema do seminário, antes de se dirigir à turma.

- Vou deixar essa folha aqui em cima da mesa e, conforme vocês forem terminando a prova, é só assinar o nome e colocar o e-mail ao lado do tema que escolherem. Então vocês do grupo se comuniquem e combinem o seminário.

Depois de Clara ter feito o que a professora pediu, olhou para mim, acenou um "tchau" sorridente e foi embora enquanto eu pensava que teria que terminar rápido para dar tempo de me inscrever no grupo dela antes que ficasse cheio de gente.

Fiz o que podia na prova e sabia que não tinha ido bem. Quando levantei e olhei a folha, vi que poucas pessoas haviam terminado a prova e encontrei seu nome ao lado do tema "Ensino Fundamental". Inscrevi-me no mesmo grupo, que ainda não tinha outra pessoa, e então anotei seu e-mail no meu celular.

Não sabia exatamente o porquê dessa vontade de aproximação que sentia. Ao sair da prova, ainda fui até a lanchonete à que havíamos ido dois dias atrás, mas ela não estava lá. Nesse momento, meu celular tocou e fui me encontrar com Paloma e Lucas no lugar em que geralmente tomamos café.

- Social lá em casa hoje? – disse ele, animado.

- Demorou – respondi, lembrando-me que já era sexta-feira.

Durante as próximas aulas, não consegui conter a minha ansiedade e mandei um e-mail para Clara pelo celular, falando sobre o trabalho. Fiquei escrevendo e reescrevendo e no final ficou da seguinte forma: "Oi, Clara. É a Alex da aula de educação. Acabei me inscrevendo no mesmo tema que você para o seminário e estou te mandando e-mail para que possamos conversar sobre o trabalho. Me passa o seu celular para combinarmos melhor? Beijos". Enviei, ansiosa pela resposta com o número. "Se ela responder logo, posso até ligar e chamá-la para a social lá em casa".

Passei o dia checando o meu e-mail de dez em dez minutos na expectativa de ela responder. Quando Lucas, Paloma e eu estávamos no mercado comprando bebidas e alguns lanchinhos para a social, eles não pararam de reclamar.

- Deixa esse celular um pouco, criatura! – disse Lucas.

- O que tanto você está mexendo aí, hein? – perguntou Paloma.

- Nada, gente, deixem de ser chatos! Estou só olhando meu e-mail.

- Ele está bombando hoje, hein? E-mails da Fabiana? – brincou Paloma.

- Claro que não...

- Outra mulher, é? – Lucas sorriu. – Esse seu jeito ansioso geralmente tem a ver com mulher...

- Não é nenhum e-mail específico não, tá? Podem parar! – disse sem muita convicção. Os dois riram e fingiram que acreditaram.

Já eram 22 horas e ela ainda não havia respondido. As pessoas já tinham começado a chegar e em meia hora o pequeno apartamento já estava com a capacidade atingida. Tínhamos uns dez amigos lá. Fizemos caipirinhas das mais diversas frutas e eu deixei o celular de lado para tocar violão. Ficamos bebendo, rindo e cantando até de madrugada. Fomos deitar quando já passava das quatro da manhã. Mesmo cheia de sono por conta da bebida, ainda consegui abrir meu e-mail para olhar uma última vez e lá estava sua resposta, enviada por volta das duas da manhã: "Oi, Alex, que bom que ficamos no mesmo grupo. Quem sabe agora podemos voltar àquela conversa sobre aulas? Segue meu celular. Beijos". Fiquei sorrindo bobamente enquanto tentava salvar o número dela. Só que eu estava tão bêbada que sem querer apaguei o e-mail.

- Merda!!!! – gritei bem alto, cheia de raiva de mim mesma.

- Vai dormir, porra! – gritou Lucas do quarto dele.

Fiquei me xingando mentalmente e imaginando o que ela estaria fazendo para só responder o e-mail já de madrugada. Peguei no sono.

...

- Que cara horrível é essa, filha? – perguntou minha mãe ao abrir a porta para me receber.

- É que acabei de acordar – disse com uma leve dor de cabeça por conta do meu fim de semana.

Já era domingo. Havia passado metade do sábado dormindo e me xingando por ter apagado o e-mail e a outra metade numa boate com meus amigos, onde havia beijado umas duas meninas que nem chegavam perto da Clara.

Costumava passar na casa dos meus pais algum dia do fim de semana, ou durante a semana para algum almoço esporádico. Era meio que uma condição para que eles continuassem pagando meu aluguel: visitá-los.

- Isso não é só sono! Já vi que bebeu de mais outra vez! – reclamou minha mãe.

Até nos sentarmos à mesa para almoçar, ela ficou falando e falando e falando sobre a minha vida. Reclamando das minhas bebedeiras e da maneira como vivia.

- Está na hora de algumas responsabilidades, Alexandra! – finalizou, percebendo que eu estava ignorando todos os seus comentários.

Meus pais adoravam condenar o fato de eu ser lésbica, mas nunca tinham coragem de confrontar isso e, como era mais confortável para mim ignorar o assunto, fazia que nem eles e não comentava nada. Mas em toda oportunidade que minha mãe tinha em julgar minha vida, ela fazia.

- Fernanda não vem? – perguntei sobre minha irmã mais velha.

- Foi almoçar na casa dos pais do Rodrigo – seu marido. – Eles já estavam com saudades do Pedrinho – meu sobrinho.

Almoçamos em paz e em grande parte em silêncio. Fiquei pensando na mancada que eu dera em apagar o e-mail da Clara. "Agora vou ter que esperar até quarta-feira para encontrar com ela!". Fiquei repassando o e-mail na cabeça para tentar, por um milagre, lembrar os números, mas claro que não tenho memória fotográfica. Nisso lembrei a nossa conversa sobre aulas e que minha mãe é professora aposentada.

- Mãe – quebrei o silêncio da mesa. Ela olhou-me interessada. – Então... Você é professora. Tem algum jeito de ser professora sem se dar aula?

- Que tipo de pergunta é essa, Alexandra? – falou, confusa.

- É que estou fazendo matéria de educação agora, mãe... Então... Me diz... Dá pra ser professor e não dar aula?

- Claro que não. Dei aula por trinta anos! Acha que eu quis sofrer em sala de aula por todo esse tempo? – brincou, mas de uma forma um pouco séria.

Fiquei pensativa. O que a Clara quis dizer naquele dia? Iria mesmo ter que esperar até quarta para vê-la?

Passei o dia na casa dos meus pais. No fim da tarde, fiquei assistindo jogo de futebol americano com meu pai. Nós adoramos e estava bem no começo da temporada. Apesar de torcermos por times diferentes, era divertido poder assistir com ele. Voltei para casa a noite e tomei um banho antes de cair na cama e dormir tanto a ponto de perder a primeira aula do dia seguinte.

Apesar de ser lua cheiaOnde histórias criam vida. Descubra agora