A mudança de Alex para minha casa foi uma coisa natural. Dormíamos juntas praticamente todas as noites, fosse na casa dos seus pais ou na minha. Mas, aos poucos, aquilo que chamava de "meu" passou lentamente e naturalmente a ser "nosso". Ela comprou uma televisão para colocar na sala e levou os livros que tinha para a biblioteca. A geladeira começou a ter Coca-Cola e o fogão começou a assar carnes vermelhas, as quais ela comia cada vez menos, ficando cada vez mais com frangos, sucos e vivos enquanto eu continuava nas minhas saladas, na comida viva.
Quando nos demos conta, parte do armário já continha suas roupas e Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro pediam comida à ela, juntamente com o novo irmão que ganharam: Bernardo Soares, um gatinho abandonado que ela levara para nossa casa e que agora era parte de nossa família.
Quando percebemos que ela não dormia na casa dos pais há mais de um mês, declaramos que a casa passara a ser nossa.
- Então estamos casadas? – perguntou com o olhar esbugalhado.
- Não... – falei, séria.
- Não? – perguntou, triste.
Aproximei-me dela, encostei a testa na dela e sussurrei para ela:
- Você ainda não me pediu – eu disse e ela sorriu.
- Clara, você quer casar comigo? – falou-me também sussurrada e ainda com as testas juntas, que se separaram para um longo beijo e depois:
- Quero muito!
Então tocava-se a sempre melodia dos corpos se buscando para saciar prazeres do coração.
Naturalmente também foi o trabalho de Alex. Com as férias da faculdade, ela passou a ir para a escola todos os dias e começou a ficar responsável por auxiliar alguns grupos. Sua postura foi mudando aos poucos e, como a escola só entra de férias por 4 semanas, teve muito tempo entre um semestre e outro da faculdade para se dedicar exclusivamente à educação. Decidiu que faria Licenciatura e, quando nos demos conta, ela já participava das reuniões de sábado. Quando o próximo semestre começou, ela já estava empregada na escola e, com o primeiro salário dela, fez questão de comprar-nos alianças.
- Temos que oficializar, amor – disse-me, contente. – E também gostaria de casar no papel com você! Fazer o máximo que a lei nos permitir – falou, sorrindo.
- Eu acho uma ótima ideia! – falei, devolvendo o sorriso. – Eu te amo, Alexandra! Demais!
- Eu também te amo! Muito muito muito!
E esse clima de casamento não passou despercebido pelos nossos amigos.
- Vocês têm que fazer uma festa! – falava Felipe, o amigo de faculdade da Alex, que passou a ser uma grande companhia para nós.
- Estávamos pensando em alguma coisa sim... – ela admitiu.
E assim fizemos. Valéria morava numa casa bem maior que a nossa e cedeu o espaço para que pudéssemos comemorar nossa união. Todos os educadores da escola foram, claro. Éramos uma família! Alguns dos alunos também compareceram, como o pequeno Felipe e a Maria Aparecida. Meus pais e os da Alex também foram e se conheceram, ficando amigos. Um pessoal da faculdade também apareceu e até a Paloma e o Lucas foram, apesar de estarem um pouco afastados da Alex.
Passamos o dia brincando de mímica, videogame, jogos de tabuleiro e também aproveitando o grande gramado para jogar queimado e outras coisas. Cada um levou um prato de comida e bebidas. Fiquei na minha água da fonte e Alex em sua Coca-Cola. Paloma e Lucas estranharam nossos divertimentos, mas, apesar da ironia, jogaram videogame. No fim da noite, nos reunimos para cantar e tocar, desde músicas espíritas até MPB e canções populares. Foi um dia muito agradável e Alex e eu éramos só sorrisos.
...
- Minha irmã agora está casada! – falou Nanda, se aproximando com o marido e o filho.
- Pois é! Quem diria? – brinquei e olhei de relance para Clara.
Fui abraçada por todos eles e tratei de apresentar meu sobrinho ao Felipe e à Maria Aparecida.
- Vamos começar mímica agora, quer ir? – perguntei a Nanda, que me olhou desconfiada.
- Não tenho mais idade para essas coisas – tentou fugir.
- A Valéria vai brincar e ela tem a idade da mamãe! Vamos lá!
Ela acabou concordando e fui explicando como era. Luísa e Juliana voltaram com a lista de filmes e os times já divididos se posicionaram. Eu já estava completamente à vontade com a sintonia do grupo e vi que minha irmã demorou até pegar o jeito, mas no final acabou se divertindo.
O dia inteiro foi muito bom e não teria maneira melhor de comemorar nossa união do que essa, com nossa família.
Em dado momento, parei e comecei a olhar em volta. Clara conversava com nossos pais. Nossos amigos se dividiam entre o videogame e os jogos de tabuleiro, rindo e se divertindo. Olhei meu sobrinho brincando de bola com Maria Aparecida e Felipe e vi o outro Felipe, amigo da faculdade, tentando enturmar Paloma e Lucas, que reclamavam da falta de álcool.
Pensei na minha vida antes da Clara, antes da escola, antes de tudo aquilo e agradeci muito por ter me encontrado. Parei no meio de tudo e fiz uma prece.
"Pai querido, obrigada pela sua bondade em ter me proporcionado esses reencontros que ajudaram a me lembrar dos compromissos assumidos nessa reencarnação. Obrigada por ter colocado a Clara em meu caminho, esse espírito maravilhoso que caminha ao meu lado nessa vida. Que possamos saber lidar com o dia-a-dia de um casamento da melhor maneira, lembrando de vencer a todo momento as amarras do orgulho e do egoísmo que ainda nos prendem na dor. Que nós duas possamos aprender a humildade e a caridade e também passar essas virtudes para nossos filhos. Que assim seja"
- Te amo – ela sussurrou em meu ouvido, abraçando-me assim que abri os olhos.
- Eu também te amo. Desde sempre – disse e nos beijamos.
Fui jogar bola com Maria Aparecida, Felipe e meu sobrinho Pedro. Quando começou a anoitecer, algumas pessoas foram embora e ficamos em roda para tocar violão. Todos estávamos felizes e Joana aproveitou para começar a música que representava o que todos sentíamos no momento. "Bons caminhos", do Joelson Queirós.
Somos nós herdeiros das constelações,
Eternos companheiros das estradas imortais
Que nos levam aos confins e mesmo lá
Eu encontro você
Estamos em todos caminhos bons
Cores e sons
Novo viver, novo cantar
Nosso coração nos diz da ânsia de se ver feliz
Da busca sem descanso de um motivo pra viver
E encontrar enfim a razão pra vencer
Eu encontro você
Estamos em todos caminhos bons
Somos irmãos
Novo cantar, novo viver
Nosso coração.
Ficamos ainda cantando por um tempo e sorrindo cúmplices. Quando todos decidiram encerrar a noite, finalizamos com "A Mais Bela das Canções", que era minha música preferida. Arrumamos tudo e já era tarde quando chegamos em casa, mas não estávamos cansadas.
- Eu te quero toda – disse em seu ouvido enquanto subíamos para a cama. Nossa cama.
Nos deitamos e eu sentia o corpo inteiro vibrar o amor que eu sentia por Clara. E o corpo dela inteiro vibrava o amor que sentia por mim. E nós entendemos que o que viria a seguir era uma consequência externa do interno que sentíamos. Nos amamos a noite inteira e se fez uma bela canção.
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Apesar de ser lua cheia
RomanceAlexandra tem vinte e três anos e não gosta de responsabilidades. Tudo o que ela quer é continuar vivendo de bares, festas, boates, bebidas e mulheres. Tentando adiar sua formatura em Letras e o dia em que terá de começar a trabalhar, Alex decide fa...