Capítulo 3 - Vejo Elisa

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Elisa Pov

- Bom dia, mãe. - Eu disse, como uma zumbi de tão desanimada que estava.

- Bom dia, filhota. Dormiu bem? - respondeu minha mãe, animada, como se não fosse segunda-feira.

- Mais ou menos. Aquele barulho na sala de baixo não me deixava dormir, sério.

- Que barulho? Eu fiquei lendo até tarde e não escutei nada filha.

- Você devia estar concentrada mesmo, hein. Que livro era? - Perguntei, esperando que ela não percebesse meu pequeno susto.

- Deve ser mesmo... Era um clássico da literatura, um ramo do Shakespeare. Você não vai se interessar.

- Verdade. - Ri um pouco.

Minha mãe é muito inteligente, mas ela não é muito boa em descobrir as emoções de outras pessoas, o que elas estão sentindo. Quando eu era menor, tinha uns sete ou oito anos por aí, passei três dias dizendo que estava me sentindo mal e não conseguiria ir a escola, quando na verdade eu só estava com o nariz e os olhos vermelhos. Isso porque estava chorando por ter tirado uma nota extremamente ruim. Parece bobo, mas meu pai me dizia que eu seria atormentada pelos fantasmas da escola, se eu não fosse uma boa aluna. Naquela época, não tinha como não acreditar no que os pais, minha maior referência, me diziam.

- Já está pronta, filha? Vou te deixar lá na escola.

- Quase! - respondi, enquanto comia meu último pedaço de bolo. - Eu só vou pegar uma coisa ali no quarto, me espera rapidinho, por favor.

Sai correndo, quase deixando a cadeira da cozinha cair. Geralmente eu sou bem lenta, mas sabe como é. O atraso...

Doze anos atrás, quando eu tinha um sete aninhos, por aí, um pouco antes de eu ser adotada pelos meus tios, tive a minha primeira experiência sobrenatural. Isso foi quando vi um espírito. Pois é, eu vejo "fantasmas". São fantasmas de pessoas normais, e não aqueles que meu pai biológico, Carlos, dizia que existiam. Com corpos pretos e que viviam debaixo da nossa cama. Já me acostumei, acho que tem outras pessoas que também os vêem, só nunca conheci ninguém.

Parece irônico que justamente eu, que vejo gente morta tive um desastre na minha família. Meus pais biológicos morreram em um cruzeiro que estava no pacífico. Não, o Cruzeiro não afundou igual o Titanic. Eu fui a única que sobrou da nossa família de três.

Meus pais, que na verdade se formos considerar pelo lado biológico são meus tios, decidiram me acolher de bom grado. Para eles foi um prazer. Bom, não posso dizer a mesma coisa com meu irmão, antes meu primo. Foram tempos cansativos e que eu não guardo tantas memórias, mas lembro de algumas vezes que me pegava chorando sozinha durante a noite. Vivíamos brigando, principalmente porque ele teve que dividir seus luxos de filho único comigo. Não era sobre coisas materiais, mas a atenção não era mais a mesma. O ciúme e a psique humana construíram isso na mente dele. Isso foi até os doze anos, mais ou menos. A partir disso, tudo melhorou, quando nos mudamos para minha antiga casa, que era maior, mais confortável, e o mais importante, tinha quartos separados para mim e meu irmão.

Meus pais biológicos, tinham viajado com dois amigos deles. Eu não sabia, mas descobri, na noite em que houve a tragédia. Eu estava dormindo no quarto deles, e como lá era grande, qualquer barulho era ouvido até do outro lado do quarto. Num momento, acordei com uma voz me chamando, desesperadamente. Acordei assutada e saí perambulando pela casa. Não sei como a babá não acordou. Meus olhos se depararam com Giulia e Rodrigo, amigos de meus pais biológicos. Os dois tinham semblante triste. Eu perguntei apavorada o que estava acontecendo e porque eles estavam meio opacos, e como entraram ali! Mesmo eu esperando que eles não respondessem, eles responderam.
Viajaram no mesmo cruzeiro que meus pais. Eles disseram que depois de morrer, acordaram ali.
- Como assim? Mortos? - Lembro me que disse essa frase em alto e bom tom.
Logo pensaram que deveriam dar o recado do falecimento dos meus pais e assim se fez.
Até hoje eu não consigo compreender, não entendo o porquê, de eles próprios não terem vindo me dar o recado, mas ninguém pode me explicar, não ha respostas para isso no google, e eu já tentei. Quando acabaram, sinalizaram com as mãos e desapareceram lentamente como brisa de inverno. Naquela mesma semana, foi tudo uma bosta. Minha vida tinha mudado permanentemente.

Estava correndo atrasada mas algo me atraía. Já na cozinha me deparei com uma figura meio humana. Quase digo "meio", quero dizer literalmente partido ao meio, serrado. Eu não gostaria de saber como ele morreu.
- Que diabos é isso? E porque você está sem sua mão direita? - eu tive que perguntar, sei que fui indelicada.

- Oi pra você também. Meu nome é Caio e estou bem sim. - respondeu o primeiro fantasma que eu tinha visto nesta nova casa.

- Hmm... Ok. Mas eu não posso conversar agora. Estou atrasada - Respondi, começando a ficar aflita.

- E você acha que eu não estou? Estou te chamando desde ontem. E você não acordou nem quando eu tentei puxar seu pé.

- Bem, eu senti umas cócegas nos pés mesmo. Então aquele barulho você! Eu sabia que não era o vento...

- O que? Acha que o vento praticamente derrubaria uma estante no meio da madrugada?

- Você é engraçadinho né! Você está na minha casa, não me deixa dormir e ainda vem com essas ironias? Eu não tenho culpa de poder ver vocês espíritos. Ficam invadindo meu espaço. - respondi saindo apressada da sala.

- Espera! - O fantasma me puxou pelo braço. Porém, no mesmo instante, ele percebeu que era inútil me puxar pelo braço.

- Não sabia que não pode enconstar nos vivos? O que você pensou? Você está morto! É um fantasma!

O olho dele ficou quase vermelho de raiva, mas depois virou um olhar de extrema decepção e desgosto.

- Olha aqui garoto. Eu só... Esquece isso e fica aqui até eu voltar. Depois eu te ajudo em qualquer que seja a coisa que você quer.

- Saiba que eu não quero ficar aqui, mas eu não consigo sair. Eu acordei aqui e percebi que as pessoas não me escutavam, só você, que não conseguia dormir.

- Você entrou no meu quarto?! - Percebi que ele poderia ter me visto em momentos particulares.

- Não! Sim! Quer dizer... Você que disse que não conseguia dormir! - o garoto disse rapidamente, mas não conseguiu disfarçar. Agora, foi sua vez de ruborizar.

- Então está bem. Eu vou te ajudar a sair daqui, porque acho que não vou conseguir passar mais um dia com você.
- Elisa! Cade você garota? Quer perder o horário? - Minha mãe gritava da janela.

Ele ficou olhando pra mim, como se estivesse esperando eu fazer algo, mas eu não fazia ideia de por onde começar. Comecei a ficar constrangida.

- Elisa, vamos? - minha mãe pode não ser boa com sentimentos, mas ela é boa em sabe quando entrar em ação. Desde pequena, eu vejo esse instinto nela, antes mesmo de ser adotada. Ela veio e me puxou pelos braços.

- Vamos, mãe, pode ir indo que eu vou só passar no banheiro sabe? - Olhei para que ela entendesse algo qualquer.
- Não, vai na escola. Anda logo! - Ela saiu da sala esperando que eu a seguisse.
- Olha só eu tenho que ir para colégio agora, então você vai ter que esperar até eu chegar. Fique aqui e não fale com ninguém. - Falei baixinho com o sujeito.
- Como se eu pudesse.

Ele fez uma cara muito engraçada do tipo "você escutou alguma coisa do que eu falei" e eu acabei rindo.

- Me desculpe.

Comecei a sair e a pensar em quando os amigos dos meus pais apareceram no meu quarto. Geralmente eu vejo poucos fantasmas e eles desabafam, se despedem do mundo e vão embora. Mas uma vez, um cara muito suspeito estava perto da minha sala de aula, do lado de fora da sala. Não sei se era o sol, mas acho que ele era meio transparente. Dois dias depois e Puff!, ele estava no meu quarto. Ou pelo menos acho que era o mesmo. Tive medo de que esse menino aparecesse sem querer na minha sala de aula e alguém percebesse meu rosto assustado.

Mesmo com um fantasma em casa, minha atenção já estava focada em outra coisa. No primeiro dia de aula. Que dia...

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