Prólogo

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Sem Revisão!

24 de outubro de 2001

Era quarta-feira, mamãe estava de folga do seu serviço de técnica de enfermagem e foi visitar sua amiga Anne na comuna Silenen, menos de 2 horas de carro de Zurique, cidade onde morávamos na Suíça. Mamãe pediu para a vizinha passar a manhã em nossa casa, ela era uma senhora de meia idade, meio brava, porém sempre ajudava a mamãe de bom grado quando não tínhamos onde ficar para algum compromisso. Ela não quis nos levar para não incomodar a tia Anne que estava com a perna quebrada, ela era amiga, mas também era como uma tia para nós.
Se mamãe soubesse que seria seu último dia, teria nos acordado antes de sair, dado um beijinho em cada uma e lembrado mais uma vez de como nos amava.

Aquele foi um dia triste, foi um dia em que minha ligação com Selina ficou maior ainda, não era mais só a questão de sermos gêmea idênticas e sim, o fato de que dali em diante só teríamos uma a outra.
Quando mamãe estava voltando para casa ocorreu um acidente, dois caminhões se chocaram dentro no túnel de Gotthard na coluna de Erstherfild, o túnel tem 57 quilômetros de comprimento e o acidente aconteceu a 5 km de uma saída, porém um dos caminhões carregava pneus que pegaram fogo, em pouco tempo já havia chamas para todos os lados e a fumaça se alastrou.
O túnel tem saídas próximas nas laterais, muitos conseguiram sair de seus carros e fugir das chamas, mas mamãe foi uma das onze pessoas que morreram por inalação de fumaça, foi a única mulher a morrer, ela estava a poucos carros de distância do acidente, conseguiu evitar de bater, pois se sucedeu vários outros acidentes de motoristas que não conseguiram frear antes dos caminhões em chamas, mas a sorte durou pouco, pois ela não conseguiu ser rápida o suficiente para achar uma saída, inalou muita fumaça. Chegou a ser socorrida, mas não resistiu e faleceu algumas horas depois. No dia seguinte contabilizaram 128 desaparecidos nos escombros do túnel.

Faltava menos de 10 dias para nosso aniversário de 5 anos, não éramos capaz de compreender tudo com exatidão, mas no momento que nos contaram que mamãe nunca mais voltaria eu e Selina choramos. Eu só queria correr para o abraço dela, sentir o conforto e saber que tudo estava bem e normal como sempre, mas esse era o motivo das lágrimas, nada estava bem, nunca mais teríamos isso e nada seria como era antes.
Fomos levadas de nossa casa e acabamos em um abrigo de acolhimento de menores, pois não tínhamos familiares para ficar conosco.

 Maio de 2002

Passaram 7 meses e 1 semana e já estávamos indo para uma  nova família, estávamos acima da idade que preferem para adoção, mas por causa da nossa triste história, da repercussão do acidente e por sermos gêmeas idênticas a nossa adoção foi rápida. Rose, uma senhora de 46 anos que tinha vindo com seu marido dos Estados Unidos para passar as férias na Suíça, acabou vendo a notícia do acidente no noticiário local, repercutiu mais pela infelicidade de nossa mãe ser a única mulher a falecer e ter deixado duas filhas pequenas que foram recolhidas pelo conselho tutelar. Ela nos contou depois que quando viu passar no jornal a notícia pensou que devia ser um aviso, que tinha chegado a hora de ter sua menina, seu marido não estava muito a favor, já que seria muito mais simples seguir procurando a criança certa em seu país, mas Rose bateu o pé que devia ser essas duas crianças, que nunca tinha pensado em adotar mais de uma, mas seu sonho era uma família grande e aí estava a oportunidade. Eles já tinham um menino de 9 anos, Rose sempre sonhou ser mãe de uma família grande, porém precisou de muitos tratamentos para ter o Richard, já tinha 37 anos na época e um pouco depois do nascimento do filho ela constatou que tinha desenvolvido um mioma no útero o que resultou em uma histerectomia para remover o órgão.

   E agora, talvez vocês estejam esperando que eu diga que tudo transcorreu bem, conte que devia ser eternamente grata pela Rose ter nos adotado, que se não fosse ela, com a idade que já tínhamos, nunca sairíamos de abrigos e casas de acolhimento, mas na verdade as coisas não melhoraram a partir dai. Rose e o marido foram bem receptivos, ela até era carinhosa e ele não era muito presente, vivia envolvido em viagens de trabalho, eles eram ricos e não nos faltava nada, mas Richard, este não ficou nada contente com nossa chegada em sua casa, o menino era mimado e rebelde, fazia coisas e botava a culpa na Selina e em mim, falava para todos que fomos adotadas e esquisitas na escola, não sabíamos falar inglês quando chegamos e ele adorava zombar da gente por não entendermos e por pronunciar as palavras erradas. Selina acabou se adaptando melhor em tudo, ela era menos tímida, impetuosa quando queria, com os anos foi gostando dos caprichos que o dinheiro trazia, as bonecas, as roupas caras e brilhosas, as maquiagens, se mostrou vaidosa desde nova, Rose dava tudo que ela pedia, mimou ela e muitas vezes cheguei a pensar que ela tinha esquecido da mamãe, do nosso país. Eu não tinha esquecido, eu sentia tanta falta, da nossa casa, o frio mais intenso, os abraços quentinhos que mamãe dava, da tia Anne que sempre vinha nos visitar e trazia chocolate.

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