16 - Festival

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Meu rosto estava enfiado entre as páginas de um livro antigo. O cheiro que vinha das páginas amareladas e sensíveis fazia meu nariz coçar. Fazia uma semana que eu procurava por cada livro da biblioteca sobre algo que falasse sobre o Protetor, mas estava difícil, a maior parte era apenas historias que não explicavam nada. Quando Ramon havia aparecido naquela noite depois da festa só com Brina e Kris, perguntei o que ele sabia sobre o Protetor, o que causava aquilo, como era formado o laço entre o Protetor e a Protegida, porém, Ramon estava tão por fora quanto eu. Quase ninguém do castelo sabia me dizer exatamente o que era o Protetor, todos sabiam a função dele: proteger; mas ninguém sabia como havia surgido, como isso ligava duas pessoas. Ka, o novo bibliotecário, havia me dito que faria algumas pesquisas sobre o assunto se eu quisesse, contudo, ele não havia achado nada ainda depois de uma semana. Eu também não havia achado nada. Estava começando a me desesperar, ninguém sabia explicar essa ligação, e se não houvesse uma explicação, não teria como eu levar essa justificativa para a Corte e tentar mudar a sentença de Guilherme.Quando procurei sobre a Estaca de Calibrer também havia sido a mesma coisa. Eram poucas as coisas que se sabia sobre. As informações não eram detalhadas, por isso todos entendiam que isso era apenas uma lenda. A história era simples e direta: Calibrer havia encantando uma estaca, - ao menos, todos achavam que era uma estaca, depois da batalha com Thales concluímos que ele estava encantando e que a estaca era apenas o instrumento que ele usava – que utilizava para matar as pessoas de seu interesse, porém, ele matava as pessoas deixando seus corações ainda bombeando sangue, isso confundia todo o reino e ninguém podia dar as pessoas como mortas, pois seus corações ainda estavam batendo. De alguma forma, o encanto de Calibrer tinha atingindo Guilherme. Clara havia feito algumas pesquisas na árvore genealógica de Guilherme e descobriu que ele era tataraneto de Calibrer. A família dele nunca assumiu de verdade sua relação com o assassino encantado, mas ela existia e Guilherme era o último dessa família, de alguma forma, pelo que dava para entender, o encantamento havia passado pelo sangue. De certa forma, uma forma meio ruim, era bom que Guilherme não tivesse mais nenhum parente vivo, só assim não corríamos o risco de mais alguém querer continuar o que Thales começou e nos pegar de surpresa com alguém que também podia ser considerado a Estaca de Calibrer. Eu não havia conseguido me comunicar com Guilherme depois do acidente. Eu havia mandado diversas mensagens de fogo e nenhuma tinha resposta. Esse era o único meio que tínhamos para nos comunicar. Eu não sabia se ele não estava me respondendo por que alguém podia estar vigiando esse meio também, ou se ele estava simplesmente me evitando. Eu entendia se ele estivesse evitando-me, entendia perfeitamente, mas isso não queria dizer que eu não sentisse como se alguém estivesse levando embora outro pedaço do meu coração. - Alie. – ouvi a voz de Clara me chamar da porta da biblioteca.Tirei os olhos do livro velho e pisquei varias vezes tentando umedecer meus olhos que pareciam ter secado do nada. Ela se aproximou de mim e puxou a cadeira ao meu lado, olhando o livro que eu estava lendo.- Nada ainda? - Nada. – respondi fechando o livro e apoiando meus cotovelos na mesa. – Parece que não existe uma explicação para isso.- Ninguém nunca estudou esses casos, Alie, a maioria das pessoas acreditava que eram lendas. -Eu sei. – concordei e deitei minha cabeça nos braços. – Não sei mais aonde procurar. Já li todos os livros desse lugar que poderiam ter uma explicação e não encontrei nada. Ka me ajudou com algumas pesquisas, mas também não encontrou nada. Não sei mais o que fazer, Clara.- Acho que o que você tem que fazer agora é descansar. Você está à semana inteira escondida nesta biblioteca atrás de respostas. Quando foi a ultima vez que você dormiu?- Eu não lembro. – respondi e um bocejo escapou dos meus lábios.- Vamos, Alie, está na hora de você dormir um pouco. – avisou Clara pegando meu braço e me ajudando a levantar da cadeira.- Estou tão desesperada, Clara. Não sei mais o que fazer para mudar essa situação. – murmurei enquanto subíamos as escadas em direção aos quartos.- Vamos dar um jeito. - Estou começando a achar que papai está certo, que não há nada que possamos fazer. – revelei, ignorando o que ela havia dito.- Descanse um pouco, Alie, e amanhã pensaremos em algo. – disse Clara quando alcançamos a porta do meu quarto.- Boa noite. – falei entrando no quarto e caindo, cansada, na cama.Eu não ouvi a resposta dela. Assim que meu corpo tocou o colchão macio foi como se algo dominasse minha mente e a apagasse por completo. Fazia um tempo que eu não dormia assim tão bem. O sono teria sido melhor se eu não tivesse acordado ao nascer do sol como sempre acontecia.Quando saí da cama naquela manhã olhei para fora da janela e vi o tempo fechado, cinzento e chuvoso. Lembrei-me do dia que Declan havia morrido e de como o tempo estava parecido. As árvores do lado de fora balançavam violentamente junto com o vento e eu podia ver as folhas voando por todo lugar. Abri um pouco a janela e senti gotas fracas e geladas de chuva tocar meu rosto. Fechei os olhos com a sensação boa que aquilo me trazia. Era a primeira vez que eu havia acordado ao nascer do sol e não sentia aquela sensação de medo do que veria a seguir. Uma imagem de um lugar aberto, com flores por todos os lados e um céu cinza veio a minha mente. Eu não sabia que lugar era aquele, mas tive a sensação de já ter estado lá. O cheiro de mato molhado penetrou minhas narinas como se eu estivesse naquele campo. Abri os olhos encarando as montanhas perdidas entre as nevoas e sorri. Eu conhecia aquele lugar, só não sabia quando havia estado lá.Pensei na vez em que Damen e eu havíamos fugido de Ambika e do lugar maravilhoso que ele havia me levado. Minha avó havia criado ele. Eu queria ser capaz de criar algo como aquele lugar, mas eu mal conseguia usar magia para limpar uma roupa sem me sentir exausta, quem diria criar um lugar inteiro. Senti as gostas de chuva que não paravam de cair no meu rosto e me afastei da janela. Vi Ramon surgir ao meu lado e me olhar confuso. Sentei-me na cama ainda sentindo o frescor da chuva no rosto e perguntei:- Você se lembra de como foi morrer?- Da dor que eu senti quando morri? – perguntou sentando ao meu lado.- Não, da sensação que vem depois, do que acontece depois que você fecha os olhos.- Eu lembro-me um lugar. – disse e olhou em direção da janela. – Era parecido com a visão que você tem da sua janela. Havia montanhas, mas não tinha os castelos.- E o tempo? Você lembra como estava o tempo?- Era um dia ensolarado, não tinha uma nuvem no céu, mas havia uma brisa fresca que mal movia as folhas da árvore.- O que aconteceu com esse lugar?- Eu passei por um riacho raso e então me vi outra vez no castelo. – ele deu de ombros.- Nunca mais viu esse lugar? – perguntei encarando seu rosto.- Não, nunca mais vi esse lugar.Mordi os lábios, pensativa. Eu não me lembrava de um lugar assim, eu não me lembrava de nada entre Thales me matar e eu acordar nos braços de Guilherme. A lembrança do campo era a primeira que eu tinha de algo que podia ter acontecido antes de acordar.- Você lembra algo? – perguntou Ramon chamando minha atenção.- Não, eu não me lembro de nada. – respondi encarando o nada na minha frente. – Queria poder me lembrar de algo, acho que eu poderia entender melhor as coisas que estão acontecendo se eu lembrasse algo.- Quem sabe? – Ramon encolheu os ombros e sorriu para mim. – Conseguiu dormir?- Melhor do que nas últimas noites.- Isso é bom.- Eu acho que sim. – concordei. – Sabe o que eu penso às vezes?- Não, o quê?- Fico me perguntando por que posso ver você e falar com você, mas não posso fazer isso com Declan.- Eu não sei. Talvez porque sejamos primos e compartilhamos o mesmo sangue? - Não sei. Eu acho que não. Eu consegui ver Thales aquela noite na estrada lembra? Não só vi como consegui falar com ele e ele conseguiu me tocar.- Eu não sei, Alie. Isso é um mistério tanto para mim quanto para você. - É, acho que não vamos saber. – dei de ombros e ouvi passos se aproximando da porta do meu quarto. – Por que eles estão acordados tão cedo?- Ah, ouvi mamãe falar algo sobre ter um tornei hoje, um festival, algo assim.- Festival? – perguntei confusa. – Ah! O Festival da Morte de Ambika.- Já faz um ano?- O tempo passou rápido, não é? – falei sorrindo tristonha para ele e então ouvi alguém bater na porta. – Só um instante.Ramon desapareceu do quarto como se alguém fosse vê-lo. Eu segui até a porta e a abri para encontrar tia Bea ali.- Já está acordada? – perguntou surpresa quando percebeu que eu não estava com cara de sono.- Estou acordando cedo ultimamente. – respondi dando de ombros e sorrindo para ela.- Bem, isso nos poupa tempo. – ela entrou no quarto e se dirigiu para o meu armário. – O Festival da Morte de Ambika começara daqui duas horas e temos muitas coisas que resolver.- Resolver? – perguntei observando ela empurrar cabides e mais cabides dos meus vestidos.- Sim. E ainda temos que tomar café da manhã. – continuou puxando um vestido para fora do armário, analisando-o e devolvendo-o ao seu lugar. - Pensei que tudo já estivesse resolvido.- Ajustes de última hora. – ela pegou outro cabide analisando o vestido e se virou na minha direção. – Acho que esse cairá perfeitamente.Olhei o vestido azul rodado que estavam em suas mãos e o peguei. Comecei a me despir e me virei de costas pedindo ajuda com o corpete que ia por baixo. Tia Bea apertou tanto o corpete que senti que a qualquer momento eu pararia de respirar. Ela riu quando falei isso, mas continuou apertando. O vestido era de um azul turquesa feito todo de seda. As mangas deixavam os ombros de fora e se abriam na altura do cotovelo formando algo parecido com um sino. As rendas brancas trançadas por toda a frente e costas do vestido formavam desenhos interessantes. Quando sentei para pentear os cabelos, tia Bea pegou a escova das minhas mãos e começou ela mesma a arrumá-los. Ela terminou de prender meu cabelo em um coque trançado e me entregou a coroa que eu havia usado no dia do meu casamento com Declan. - Agora vou preparar, Clara. Faça seus truques de maquiagem. – ordenou saindo do quarto com passos firmes.Quando fiquei pronta, desci em direção à cozinha atrás de comida. Ouvi as vozes baixas vindas do salão de jantar e me dirigi para lá. Papai e tia Bea estava, sentados cada um no seu lugar e discutiam sobre algo referente ao Festival. Clara surgiu atrás de mim na porta do salão e me olhou de cima a baixo. - Mamãe passou no seu quarto também? – perguntou analisando meus cabelos.- Sim. – concordei e olhei seu vestido vermelho e seus cabelos presos em tranças que caiam sobre os ombros. – No seu também ao que parece.- Você nem imagina. – disse rindo e fomos nos sentar para tomar café.***O festival não era bem o que eu esperava. Eu tinha pensado mais em algo como uma festa que duraria o dia todo, com barracas de comida e lembrancinhas, mas, na verdade, parecia muito mais com uma gincana. Havia diversos jogos que nobres e camponeses participavam. A maioria era voltada para os homens, eram poucas as coisas que as mulheres podiam fazer por lá além de assistir os homens jogarem. A Família Real e alguns integrantes da Corte ficavam, a maior parte do tempo, sentados embaixo de uma tenda enorme e luxuosa assistindo alguns dos jogos. Estávamos cercados por guardas e eu estava completamente entediada. Pensei em como seria bom ter Guilherme ali.Eu estava com a bochecha apoiada na minha mão enquanto via dois homens montados a cavalos tentando derrubar o outro com uma enorme lança de madeira com ponta de borracha. Eu achava completamente entediante, mas todos os outros membros que estavam na barraca pareciam gostar desse tipo de jogo. Isso era pior que futebol. Debrucei-me um pouco sobre a grade de proteção que separava a Família Real do resto das pessoas e vi de longe um concurso de arco e flecha. Sorri pensando no tempo que fazia desde que eu havia disparado minha última flecha. - Papai. – chamei sua atenção.- Sim? – disse tirando seus olhos dos dois homens que corriam com seus cavalos.- Posso ir ver o arco e flecha ou tenho que me manter aqui? – perguntei.- Leve alguns guardas com você. – concordou papai.- Eu vou com você, Alicia. – disse Clara levantando ao me lado.- Quero as duas cercadas por guardas. – informou papai ao Capitão da guarda do castelo.- Sim, senhor. – disse o homem grande parado atrás de papai. Ele fez sinal para alguns homens parados segurando lanças do lado de fora da tenda. Quando saímos, eles nos acompanharam.Seguimos em direção ao concurso de arco e flecha e observei quando um garoto de uns quinze anos acertou sua flecha no chão, em frente ao alvo. Paramos atrás das grades de proteção que delimitavam onde estava acontecendo o concurso e observei outro homem pegar o arco e se preparar para atirar. O homem me parecia familiar. Forcei os olhos em direção ao homem magro e alto e percebi que ele era nosso bibliotecário. Quando soltou sua flecha ela voou girando em direção ao alvo e ficou a centímetros do circulo menor que marcava o meio do alvo. - Ka, está lá. – comentei cutucando Clara e apontando para o bibliotecário.- Não sabia que ele iria participar do Festival. – disse olhando na direção dele.- Pensei que ele fosse do tipo que vive dentro de uma biblioteca, que vive para o trabalho.Clara concordou e voltamos a observar o concurso. Eu queria fazer mais que observar, mas eu não sabia se mulheres podiam participar do concurso de arco e flecha. Eu não havia visto nenhuma fazer nada mais que olhá-lo. Olhei em direção a entrada para o local do concurso e vi que havia alguns arcos dispostos livremente encostados na grade. Afastei-me de Clara, indo em direção aos arcos. Alguns guardas me seguiram e a outra metade ficou com Clara. Quando me aproximei da entrada, o senhor que estava sentado com as flechas no colo se levantou rapidamente e se curvou para mim.- Alteza.- Pode se levantar. – falei quando percebi que ele iria ficar nessa posição até que eu ordenasse que se movesse.- Como poderia ajudá-la, Alteza?- Eu queria participar. – disse indicando os alvos.- Participar, Vossa Alteza? – perguntou surpreso.- Sim, algum problema com isso?- Não, nenhum. – respondeu o homem abaixando a cabeça. – Só nunca vi nenhuma mulher da Família Real participar dessas competições.- Bem, eu quero participar. - Como desejar, Alteza. – o homem idoso me estendeu as flechas que segurava no seu colo antes e eu peguei duas. Escolhi um dos arcos e entrei no cercado.Era bom sentir o arco e flecha em minhas mãos outra vez. Fazia algum tempo desde a última vez que eu havia pegado em uma arma de batalha e era boa a sensação de tê-la. Claro que eu preferia a espada ao arco e flecha, mas papai, provavelmente, não deixaria que eu tentasse uma luta contra os cavaleiros e eu também não queria estragar o vestido que tia Bea havia escolhido tão cuidadosamente para mim. Ouvi algumas vozes atrás de mim e percebi pelo canto do olho que varias pessoas se aproximavam da grade. Ignorei as vozes a minha volta e arrumei minha postura erguendo o arco em minhas mãos e me preparando para soltar a primeira flecha. Mirei no centro do alvo e lentamente puxei a corda do arco até que estivesse esticada na posição que eu queria. Com um movimento relaxado soltei meus dedos da corda e vi a flecha sair voando em direção ao arco.A flecha acertou o centro do alvo e ouvi vários aplausos ao meu redor. Peguei a segunda flecha e me preparei. Outra vez mirei a flecha no meio do alvo e a soltei. Ela voou girando em direção ao alvo, mas acertou a beirada do circulo do centro. Ouvi novamente os aplausos e senti uma mão passar pelas minhas costas. Virei-me em direção ao toque e vi Clara com o arco nas mãos e cinco flechas nas mãos do guarda ao seu lado. Ela sorriu divertida para mim e vi um dos guardas que estavam do meu lado parecer com mais cinco flechas.- Sem usar magia? – sugeriu colocando a flecha no arco e afastando seus pés.- Nem se eu quisesse poderia usar. – sussurrei em resposta e peguei uma flecha com o guarda.Clara riu e arrumou a postura para trás e puxou a corda do arco. Vi sua flecha voar em linha reta na direção do alvo e se cravar no meio do circulo. Ela sorriu arrogante para mim e me preparei para atirar minha flecha. Ela voou em direção ao circulo e acertou o meio do alvo. Olhei arrogante para minha prima e ela preparou outra flecha. Por fim, todas as flechas haviam sido lançadas e Clara havia me vencido. Ela havia acertado quatro das cinco flechas no centro do circulo enquanto que eu havia acertado apenas três das cinco. Os guardas pegaram nossos equipamentos e nos saímos do cercado. As pessoas abriram caminho enquanto nos dirigíamos em direção a uma barraca que estava vendendo tortas. - Não posso dizer que isso foi justo. – falei enquanto andávamos. – Você pratica arco e flecha desde pequena, aprendi a segurar um arco faz pouco mais de um ano.- Você tem o dom ao seu lado, priminha. – discordou.- Não acho que meu dom inclua arco e flecha. Ele deve se limitar as espadas.- Se você diz. – ela riu e parou analisando as tortas nos mostruários. – Qual você vai querer?- Um pedaço da de chocolate com chantilly. – pedi para a moça que estava atrás do balcão.- O mesmo para mim. – disse Clara. Voltamos com nossos pedaços de tortas para a tenda onde papai e tia Bea estavam. Assistimos mais um pouco daqueles homens tentando derrubar um ao outro de cima do cavalo e então, quando estava começando a escurecer, alguns servos apareceram e começaram a afastar o corrimão que separava os homens a cavalo. Um palco foi montado no centro e varias pessoas começaram a se posicionar nele. Era um teatro. Percebi isso quando eles trouxeram um fundo de papelão, uma mulher parecida comigo e outra vestida como Ambika. Eles iam representar como matei Ambika. Olhei para o papai e me levantei. Eu não queria ver aquilo. Por mais que eu entendesse que aquilo era uma forma de homenagem e que não havia nada demais na peça, eu não queria me lembrar de como havia sido matar Ambika. Não queria me lembrar das coisas que havia visto naquele dia, de Guilherme sendo torturado, da angustia de não poder fazer nada a não ser esperar. Papai mandou guardas virem atrás de mim e eu me dirigi para onde estavam os arcos e flechas. Não havia mais ninguém nas barracas ou em qualquer outro lugar. Peguei um arco e indiquei para um guarda que me ajudasse com as flechas. Posicionei-me novamente me frente ao arco e disparei a primeira flecha.Quando eu estava prestes a disparar a terceira flecha, vi pelo canto do olho uma criança de olhos violentas entrando no cercado. Soltei o arco e me abaixei com os braços aberto enquanto Eric corria em minha direção. Ele se chocou contra meu corpo, quase derrubando-nos no chão.- Que saudades que eu estava de você, querido. – falei abraçando-o forte.- Saudades, tia Alie. – disse beijando meu rosto.- O que você está fazendo aqui? – perguntei pegando-o no colo e começando a me afastar dos alvos.- Eu vim pegar um pedaço de bolo quando vi você.- Bem, vamos pegar seu pedaço de bolo. – falei andando até onde estavam os mostruários de tortas. – Qual você quer?- O de chocolate com coco.Um dos guardas entrou na barraca e serviu o bolo entregando-o a Eric. Sentamo-nos em uma das mesinhas que havia ali enquanto ele comia. Estava tão distraída brincando com Eric que não vi quando um tumulto começou a se formar. Os guardas que estavam comigo, nos rodearam e desembainharam suas espadas. Ouvi um grito de longe e agarrei Eric nos meus braços me aproximando dos guardas.- O que é isso? – perguntei para um deles.- Vampiros. – respondeu um dos guardas pegando meu braço e me puxando para a barraca. – Vamos escondê-la, Alteza.- Vampiros? – repeti abobalhada.- Sim. – concordou o guarda me levando para os fundos da barraca. – Fique em silêncio e talvez ele não note nossa presença.Encolhi-me com Eric fazendo sinal para que ele ficasse em silêncio e esperei. Eu conseguia ouvir a correria do lado de fora e os gritos. Os guardas abaixados junto comigo atrás de um balcão, estavam todos com as espadas nas mãos e prontos para usá-las. Vampiros. Pensei nos vampiros que eu conhecia e em como eles eram bons. Lembrei que eu havia matado dois vampiros. Senti um embrulho no meu estômago lembrando que um deles era Marlo, o irmão de Mary. Meu corpo se arrepiou ao pensar no modo como eu havia feito de tudo para evitar Mary depois de matar Ambika. Ouvi passos suaves entrando onde estávamos e os guardas se olharam preparados para matar quem quer que fosse. Continuei em silêncio, apenas escutando. Eu estava tão concentrada em identificar a pessoa pelos sons que levei um susto quando o balcão que estava na nossa frente foi arrancado e arremessado para o lado. Meus olhos se arregalaram quando vi a pessoa parada ali. Mary.Olhei a vampira loira de olhos claros, parada na minha frente com o vestido coberto de sangue e senti meu estômago se revirar. Ela havia descoberto. Ela não precisava falar nada para eu entender o motivo que a levava até ali. Eu havia mentido e ela queria me matar. Da mesma forma que eu havia matado seu irmão. Senti os bracinhos de Eric apertar-se envolta do meu pescoço e levantei segurando-o firme. Os guardas apontavam suas espadas afiadas para ela, mas eu sabia que isso não iria deter Mary de se aproximar.- Afaste-se! – gritou um dos guardas para a vampira.Ela simplesmente o ignorou e deu um passo para frente com os olhos raivosos focados em mim. Um dos guardas avançou para cima de Mary e ela o descartou com um tapa que o enviou para fora da barraca. - Protejam a Princesa. – gritou um dos guardas e me empurrou para trás com um dos braços, tentando me afastar ao máximo da vampira.- Princesa Alicia. – soou a voz musical de Mary.- Mary. – falei sentindo minha voz tremer. Se eu ainda tivesse meus poderes, poderia me transportar para um lugar segurando levando Eric comigo, mas minha magia estava tão fraca que eu não sabia se conseguia transportar nós dois. Pensei em Damen e em onde ele estaria. Imaginei a figura do meu antigo amigo na minha frente e transportei Eric para essa imagem, rezando para que ele chegasse bem. Quando Eric não estava mais nos meus braços, senti o tremor de cansaço em minhas mãos, mas mesmo assim transformei meu anel em espada. E pensar que mais cedo eu havia desejado usá-la outra vez.Os guardas se fecharam em um circulo comigo no meio e ouvi sons de passos correndo em nossa direção. Mary se aproximou dos guardas com aquela velocidade incrível dos vampiros e afastou todos de mim, mandando-os para longe, fora da barraca. Senti minha espada tremer em minhas mãos. Ela se aproximou de mim lentamente e me agarrou pelo pescoço.- Você mentiu para mim. – falou entre dentes, apertando tanto minha garganta que não passava nenhum ar por ela. – Você matou meu irmão.Eu queria responder que se eu não tivesse matado ele, ele iria me matar, mas o pouco ar dentro do meu corpo não me permitia isso. A vampira me colocou no chão, afrouxando o aperto no meu pescoço, mas não me soltou.- Você merece morrer da forma mais dolorida possível. - Mary, não. – sussurrei apertando meus dedos envoltos do cabo da espada que eu não havia soltado. Vi quando papai entrou rodeado de guardas na barraca e nos cercaram. Todos os guardas apontavam lanças, espadas e flechas em direção a vampira. Ela me soltou e deu uma risada irônica. No momento seguinte, metade dos guardas estava morto e a outra metade havia sido arremessada para fora da barraca, sangrando. Papai era o único que continuava de pé na cabana comigo e Mary. Ela sorriu ameaçadora para o Rei e se aproximou dele, parando a milímetros de distância dele.- Eu sou leal a você, Vossa Majestade. Não quero machucá-lo. – disse fazendo uma pequena reverência.- Então, fiquei longe da minha filha. – avisou papai.- Infelizmente, não posso fazer isso. – respondeu Mary levantando. Papai agarrou o braço de Mary e achei que nesse momento seria o fim dele. A vampira só tinha que virar o braço que o mandaria para longe ou o mataria. Mas o que aconteceu foi o contrario. O braço de Mary começou a pegar fogo e, de repente, todo o seu corpo estava em chamas. Como havia acontecido com o irmão dela, Mary explodiu em chamas. Papai correu até onde eu estava e agarrou meus braços me puxando para fora da barraca que já começava a pegar fogo também. Quando a chuva fina começou a cair sobre nossas cabeças, fechei os olhos sentindo o alivio por ter saído de lá viva e por papai estar bem. Observei os guardas que estavam machucados se levantarem com ajuda de outros que vi que, na verdade, só havia dois mortos. Respirei aliviada por não ter sido um número grande de mortos e deixei papai me conduzir em direção ao resto da família.

Coração de Sangue - livro 2 da série Coração AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora