~Decimo Terceiro~

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- Olha, tia - Pietro me estendeu o seu mais novo desenho. - Gosta desse?

Estudei seu rosto por longos instantes, antes de forçar um sorriso e aceitar o papel. Contive um suspiro exasperado, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

No desenho, viam-se quatro pessoas, todas com olhos muito grandes e corpos de palitos - duas mulheres, um homem e um menino. Ao fundo, viam-se algumas árvores com suas copas manchadas pela tinta e, no céu, além de nuvens azuis, tinha também um sol sorridente. Voltei a fitar o menino.

- Está fabuloso - Disse, com doçura, embora no meu interior eu estivesse correndo de tristeza. - Mas e quem são? Esses bonequinhos aqui?

Estendi o desenho para ele avaliar, e ele se pôs de joelhos e apontou para cada um deles enquanto falava sem parar.

- Olha, essa aqui de cabelo enroladinho é a mamãe - Seu dedo correu pelo rosto do boneco. - Está vendo que os olhos dela são mais pequenininhos? É porque ela chora muito. Seus olhos ficam pequenos quando ela chora... Ficam apertados.

Engoli em seco.

- Esse daqui é o papai... Ele é o mais alto - Um sorrisinho orgulhoso apareceu no rosto do menino. - Mamãe diz que ele sempre vai estar aqui, cuidando da nossa família, mas que eu não posso vê-lo. Ela diz que posso senti-lo... Posso senti-lo no meu coração.

Meus olhos pinicaram, enchendo-se de lágrimas. Desviei o olhar do desenho para o garotinho, vendo sua expressão distante, porém animada, de quem tem muitos sonhos.

- Esse aqui sou eu - Ele gargalhou. - sou bem baixinho... Meus bracinhos são curtos e as pernas também. Mas, como mamãe sempre diz, um dia eu vou ser que nem meu pai: um homem forte e corajoso. Que encara seus desafios... Ah, e olha essa outra aqui! - Desci o olhar e vi seu dedo apontar para a última personagem: uma mulher com apenas dois fios de cabelo, um de cada lado da cabeça, olhos ligeiramente grandes, e sem boca. - Essa é você, tia Lu.

Fiquei boquiaberta, buscando olhar o rosto de Pietro. Ela sorria para mim.

- Eu?

- Você. - Assentiu. - Você tem olhos muito grandes porque está sempre observando. Eu sei o que você observa, tia. Sei que quando me olha, está pensando em alguma coisa além de mim.

De início, fiquei surpresa. Mas logo relaxei, desarrumando os cabelos de Pietro.

- Você é bem espertinho, garotinho. - Em seguida, segurei a folha e olhei para o desenho de mim mesma, averiguando-o. - Mas me diz uma coisa? Por que não tenho boca?

Pietro sorriu, como se tivesse chegado ao ponto que pretendia. Ele se sentou de pernas cruzadas e respondeu tranquilamente:

- Porque o que você vê, você não fala. Gosta de guardar segredos.

Apertei o papel entre os dedos, só então me dando conta de que eu não estava lidando com um molequinho de cinco anos qualquer, mas sim com uma mente brilhante. Devolvi o desenho, me levantando do chão e me ajeitando. Pietro imitou o movimento, com sua obra de arte nas mãos.

- Você pode contar pra mim - Sussurrou. - Prometo não dizer a ninguém...

Nesse momento, as portas duplas do salão se abriram e revelaram a mulher morena de sedosos cabelos cacheados. Pietro a espreitou por cima do ombro e saiu correndo ao seu encontro. Sua mãe, Aisha, o recebeu em seus braços, erguendo-o do chão em um abraço afetuoso.

- Meu pequeno herói!

Como eu queria ter minha mãe comigo... Só ela me entendia, e só ela poderia me dar um abraço como o que eu estava presenciando. Pietro segurou o rosto da mãe entre as mãos e beijou-lhe a ponta do nariz. Aisha retribuiu do mesmo modo, e o colocou no chão.

Pietro entregou-lhe o desenho, que agora estava um tanto amarrotado.

- Olha, mamãe! Lucy disse que eu podia desenhar!

Aisha apanhou o desenho e sorriu.

- Lucy é sempre muito gentil. - Afirmou. - Agora vá brincar lá fora, filho. Sua babá e eu temos assuntos para resolver.

Pietro passou pela porta correndo e gargalhando.

Estávamos apenas Aisha e eu.

Eu podia ver no seu rosto que havia algo de muito errado acontecendo. Aisha olhava para a janela, dispersa, enquanto amassava o desenho de Pietro despercebidamente. Ela ofegava; parecia querer desabar em pranto.

Cheguei a cogitar que seria por causa do desenho de Pietro, que a fez lembrar do falecido marido. Ou poderia ser algum problema financeiro? Quem sabe ela não podia mais pagar meus serviços como babá. Se fosse por isso, eu estava pronta a dizer que não fazia questão, que continuaria a cuidar do menino de graça...

Me precipitei para ela, no entanto, quando ia proferir uma palavra, Aisha ergueu a mão me silenciando. Ela começou a falar, com sua voz inacreditavelmente cansada.

- Depois do trabalho, fui ao médico. Ele me diagnosticou com... Com... Leucemia.

Meu coração errou uma batida, e eu já não soube mais o que dizer. Senti como se os pulmões estivessem cheios de água e a garganta cheia de areia. Engoli em seco duas vezes.

- Aisha, eu...

- Quero que fique com a guarda de Pietro quando eu morrer.

Suas palavras me esbofetearam de uma tal maneira, que recuei.

- Mas...

- Luciana, isso é muito sério - Seus olhos finalmente se cravaram no meu, e pude experimentar toda a tristeza ali existente. - Quero que fique com a guarda de Pietro. Por favor. Ele gosta muito de você, e não tem mais ninguém nesse mundo. Ele pode ir para uma casa de adoção, e eu só peço... Que o adote.

Tranquei o maxilar, tomando a mais séria decisão da minha vida. Pietro era um menininho, totalmente dependente. E eu, apenas uma adolescente. Mas eu gostava muito desse garoto, e jamais poderia deixá-lo desamparado. Unindo toda a coragem que consegui, murmurei:

- Tudo bem, Aisha - E suspirei. - Eu adotarei seu filho se algo te acontecer.

As lágrimas desceram desenfreadas por seu rosto, e ela me abraçou. Soluçou um fraco "obrigada", chorando sem parar.

Apaixonada por um idiotaOnde histórias criam vida. Descubra agora