- Você está se concentrando para fazer o pudim flutuar até sua boca? - Miguel perguntou.
Pisquei, confusa. Agora que eu percebia que estava encarando aquele pedaço de pudim desde a hora em que me sentara à mesa, só conseguia sentir vergonha. Vontade de cavar um buraco no chão, pular dentro dele e me enterrar. Pigarreei, endireitando a postura e dando uma garfada no pudim.
- Desculpe.
A copa era um lugar grande, como o restante da casa, e tinha paredes vermelhas com naipes de baralhos ilustrando-a. Uma mesa enorme se encontrava no centro, o que me parecia absurdamente desnecessário para cinco pessoas - seis, contando comigo. Ainda assim, era deslumbrante; eu poderia morar naquela copa, e ficaria feliz por isso.
Miguel estava sentado à minha esquerda, devorando tudo o que via pela frente. À minha direita, infelizmente, estava Johnny - ele agia com a maior naturalidade, comendo discretamente e sorrindo quando convinha; era como se nossa conversa tivesse, de fato, morrido no porão. À minha frente estava Eloisa, o que não me parecia uma boa coisa; para minha satisfação, Eloisa me ignorava enquanto roubava aperitivos do prato de Wesley, ao seu lado. Ao outro lado de Eloisa estava Rebecca - aparentemente a única que prestava atenção em mim.
- Diga-me, Luciana - Rebecca dobrou o guardanapo sobre a mesa e ergueu um sorriso enorme. - Como é a sua relação com sua família?
Engoli o pudim a força; apesar de ser um alimento leve, aquilo desceu rasgando em minha garganta, como cacos de vidro, assim que Rebecca me fez essa pergunta.
- Bem... Hm... - Me esforcei ao máximo para não olhar diretamente nos olhos escuros de Rebecca; fiquei perdida, fitando Eloisa e Wesley que conversavam baixinho. - Meus pais morreram quando eu tinha dez anos, num acidente. A partir daí, passei a morar com minha tia e meus primos gêmeos, mas agora que minha tia está morta, tenho morado apenas com os gêmeos.
Olhei-a de soslaio, temendo aquele tão famoso olhar de piedade que partia de todas as pessoas que ouviam minha história de vida. No entanto, estava claro que Rebecca não era como todo mundo; flagrei-a sorrindo, com o mais tranquilo dos olhares e uma expressão de quem está acostumada com coisas trágicas.
- Que pena - Ela suspirou, pescando com o garfo alguns docinhos. - Convenhamos que isso é um tremendo clichê. As pessoas, no geral, lidam com problemas de família o tempo todo. Meu irmão Wesley e eu, por exemplo - Ela indicou Wesley com o garfo, e ele sequer ergueu o olhar. - Nascemos no Brasil, contudo vivemos em Nova York durante bastante tempo; Wesley tinha nove anos quando nos mudamos, e eu, treze. Depois que nossa mãe morreu, voltamos ao Brasil e passamos a morar na mansão dos Mendes-Lima, Eloisa e Johnny.
- Qui toliche - Disse Miguel, com a boca cheia me fazendo voltar-me para ele com meu melhor olhar de desaprovação. Ele engoliu o que estava comendo antes de continuar a falar. - É bem idiota tentar comparar a história dos irmãos Lima-Oliveira com a da Luciana. Wesley e você pouco viam sua mãe, e contavam com o dinheiro infinito dela. Luciana perdeu tudo o que ela amava num piscar de olhos.
Senti meu rosto enrubescer e baixei o olhar para o prato. Se Miguel estava certo? Sim, sem sombra de dúvidas. Mas... Tentar passar a minha imagem de "coitadinha" para os demais era muito para eu aceitar. Eu não queria que os Lima me vissem como "a frágil". Eu queria que eles me vissem como a garota que eu era - determinada e simples. Apenas mais uma adolescente de dezessete anos como todas as outras.
- Talvez - Interveio Johnny e, só de ouvir sua voz, cerrei os punhos. - Você esteja sendo um pouco exagerado, Miguel. Não é como se a Luciana fosse uma coitada. Na verdade, ela só nasceu com azar além da conta por ser pobre.
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Apaixonada por um idiota
Random"Ele era tudo o que eu não suportava; tinha todos os defeitos do mundo. Então por que o amava tanto?" Luciana Mendes, uma adolescente problemática, achava que já tinha problemas demais em sua vida e que não precisava de mais um. Se apaixonar era tud...