Ia dar meio-dia quando Pietro e eu saímos do supermercado. A relação entre mim e ele tornou-se algo muito mais complicado depois de tudo o que eu descobrira sobre sua mãe e o que o aguardava no futuro. Eu tentava permanecer a mesma, brincar com ele e sorrir sempre que podia... Mas era inevitável sentir pena. Era impossível olhar para ele e não lembrar de tudo o que eu vinha fazendo para conseguir mante-lo ao meu lado.
O sol estava em seu auge, portanto eu era obrigada a ficar de olhos semicerrados. Aquela rua era a mesma, movimentada e margeada de casinhas humildes; quem não era a mesma era eu. Na verdade, aquele ano estava sendo exaustivo demais para uma adolescente como eu. Minha vida nunca havia sido lá muito normal - tinha a morte dos meus pais e a primeira decepção amorosa incluída no histórico - contudo, para ser franca, eu não achava que tudo ia virar do avesso outra vez. Agora, meu histórico contava com o acréssimo de Pietro, Miguel, a família estranha do Miguel, a morte da minha tia, minha mudança de residência e minha tentativa de casar meu primo com minha melhor amiga.
É. Definitivamente eu não era normal.
- Ei, Pietro - Chamei. Trazia algumas sacolas de supermercado penduradas em um braço, enquanto que com a outra mão eu segurava a de Pietro. - Posso fazer uma pergunta hipotética?
- Hipo... O quê? - Ele franziu as sobrancelhas. - Sei nem o que é isso.
Revirei os olhos. Bem, afinal Pietro só tinha cinco anos. Eu, nessa idade, achava que a palavra "péssimo" era para elogiar alguma coisa.
- Só escuta - Sorri. - Imagine que você foi à casa de um coleguinha e a família dele era toda estranha. O que você faria depois?
Pietro demorou um tempo para responder. De onde eu o olhava, só conseguia ver uma montoeira de cachinhos escuros e, ora ou outra, um rostinho infantil e um pouco confuso aparecia sob ela.
- Como assim, estranha?
- Hmm... Deixa eu ver - Mirei adiante, lembrando dos horrorosos instantes que passei naquela casa, com os primos esquisitos do Miguel. - Um deles é do mal. Tem uma dupla bem sinistra e... Uma garota equilibrada que faz de tudo para manter as coisas sob controle, sorrindo e sendo gentil o tempo inteiro.
Pietro estacou, me forçando a parar também. Quando olhei para trás, o vi de cabeça baixa, fitando seus sapatos. Sua mão escorregou da minha antes que eu pudesse impedir.
- Se eu fosse na casa de um colega - Ele praticamente sussurrou. - e lá tivesse uma pessoa equilibrada... Eu nunca mais voltaria.
Pestanejei, sem conseguir entender por que ele parecia tão triste ao dizer isso. De todos os primos de Miguel, Rebecca, a "garota equilibrada", era realmente o meu menor problema. Não era totalmente ruim alguém tentando nos fazer sentir mais confortável, enquanto os outros trabalhavam para nos deixar perturbados. Rebecca só estava se esforçando para que eu não tirasse as piores conclusões sobre sua família. Eu, de fato, não entendia por que "equilibrado" era algo ainda mais ruim para Pietro do que "do mal" e "sinistro".
Abaixei-me diante dele, em tempo de ver uma lágrima desprender-se de seus olhinhos e pingar na calçada.
- Equilibrado é ruim - Chorou ele. - Eu não gosto.
Engoli em seco, sentindo um nó na garganta. Poxa, eu gostava mesmo desse menininho. Vê-lo chorar dividia meu coração ao meio...
- O cabelo dela caiu - Disparou Pietro, fungando. - Ela está branca. Está magra. Eu... Eu escuto ela chorar todas as noites.
Minha vista ficou turva. Lembrei de mim mesma, quando perdi meus pais. Era um vazio tão grande, que eu acreditava que jamais seria preenchido. Uma dor terrível, que parecia crescer a cada lágrima, a cada lembrança. Eu sabia que a partir dali estava sozinha... Era apenas uma menina perdida em um mundo imenso. Uma menina estúpida e vulnerável. Eu sabia exatamente como era todo esse sentimento de angústia, e olhar para Pietro tendo a ciência de que ele passaria pelo mesmo... Era devastador.
Estiquei minha mão para pegar a sua, mas ele cerrou os punhos e recuou um passo.
- Mas mesmo assim - Ele aumentou o tom de voz, agora me olhando diretamente. Eu jamais conseguirei descrever a tristeza que morava no fundo daqueles olhinhos. - Mesmo assim ela continua sorrindo, e sendo gentil, e fingindo. Mesmo assim ela continua tão... Equilibrada.
- Pietro... - Tentei segurar as lágrimas, mas meus olhos me traíram.
- Tia Lu - Ele me interrompeu, se aproximando novamente de mim. - Eu escutei o médico outro dia. A minha mãe... Ela vai morrer, não vai?
Tranquei o maxilar. Eu podia inventar uma desculpa, ou apenas dizer a verdade, no entanto, naquele momento, fui dominada por um silêncio cruel. Nenhuma palavra surgiu; minha boca se abriu, porém não havia voz. Apenas a melancolia misturada ao ar quente daquele verão.
- O que eu vou fazer? - Os olhos dele inundaram. - Tia, o que eu faço?
- P-Pietro - Apoiei a mão livre em seu ombro; meu rosto já estava riscado de lágrimas, e eu detestava o fato de ser uma tremenda chorona. - Olha, você não está sozinho. Você nunca vai estar sozinho, ok? Eu sou sua melhor amiga e eu vou sempre estar ao seu lado.
Eu achei que ele fosse gritar, e dizer que eu não passava de uma pessoa qualquer, e que tudo que ele queria era a mãe dele. Mas eu estava lidando com Pietro. Pietro, a criança de cinco anos mais inteligente que eu já vira. Pietro, o menino doce e observador. Em menos de um ano, ele havia se tornado a pessoa que eu mais amava em todo o mundo. Portanto, ao invés de ficar bravo, ele simplesmente abriu um sorriso.
- Tia Lu - Disse ele, piscando para expulsar as lágrimas. - Eu te amo. Mas eu amo a minha mãe também, entende? Eu não quero que ela se vá. Eu preciso muito dela e...
Seu rosto se contorceu em uma careta, e ele se entregou de vez ao pranto. Eu o entendia. E entendia também o que ele mais precisava agora. Algo que eu não tive em meus piores momentos, mas que tinha a chance de oferecer a essa criança. - um abraço.
Abracei Pietro e deixei-o chorar em meu ombro, enquanto afagava seus cabelos. Naquele momento, eu só consegui pensar que um menino de cinco anos estava sendo mais forte do que eu fui até agora.
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Apaixonada por um idiota
Random"Ele era tudo o que eu não suportava; tinha todos os defeitos do mundo. Então por que o amava tanto?" Luciana Mendes, uma adolescente problemática, achava que já tinha problemas demais em sua vida e que não precisava de mais um. Se apaixonar era tud...