~Vigésimo Nono~

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Uma delegacia.

O único lugar onde eu nunca imaginei que estaria... e olha eu ali! Parada no meio de um corredor, em frente a uma cela, onde um garoto ruivo insuportável olhava para seus tênis caríssimos e estalava os dedos, resmungando coisas aleatórias que parecia até um ritual para invocar coisas do além. Bem, vindo de Johnny, isso não era impossível.

A Rebecca tentava negociar com o delegado sobre fiança e... enfim. Meios de libertar aquela criatura horrível que ela chamava de primo.

Eu viera por Miguel e, graças ao bom Deus, ele já não estava mais ali. Seu pai viera mais cedo buscá-lo e, propositalmente, largara o Johnny ali para sofrer. Pois é. Eu estava começando a gostar desse pai do Miguel (não fosse por toda aquela história em que ele estava envolvido, claro). Meu coração estava aliviado por Miguel estar bem, e eu mal podia conter a ansiedade em vê-lo. Poderíamos tomar um sorvete e conversar sobre tudo, principalmente sobre o que o levara a ficar preso com o enferrujado em uma cela mais enferrujada ainda.

Me aproximei da cela de Johnny e segurei as barras.

— Foi culpa sua, não é? – Falei. – Miguel estava aqui por sua causa.

Johnny olhou para mim com uma interrogação no rosto, porém, em seguida, apenas revirou os olhos. Ele tamborilava os pés no chão, e era presumível que estava completamente nervoso.

— Olha aqui, meu docinho – Disse ele, entre os dentes. – Eu não enfiei um litro de vodka e pinga pela goela dele e o forcei a entrar em uma briga. Não fui eu que mandei ele xingar aquele policial. Ele tem dezenove anos, não dez para ser manipulado. Vê se acorda para a vida e para de encher o saco.

Ouvir tudo o que Miguel fizera pela segunda vez naquele dia era como ser esfaqueada, e me deixou muito irritada. Eu queria jogar meu tênis na cabeça do Johnny, mas só apertei as barras com mais força e franzi o cenho, enquanto um bico se formava nos meus lábios.

— Você devia tê-lo parado!

Ele soltou uma risada sarcástica, abanando a cabeça. Eu sabia que Johnny não se importava com absolutamente ninguém além dele mesmo e de sua irmã, então era quase como dizer para um cachorro falar.

— Ele é o seu primo! – Tentei de novo. – Independente do que aconteceu, vocês são família!

E com aquilo, me senti ainda mais tola.

— Em primeiro lugar – Disse ele. Seu cabelo parecia castanho acobreado sob aquela luz tênue que perpassava sua janelinha. Seus olhos eram tão expressivos e intensos, que pareciam enxergar todos os meus pecados. Era, de fato, constrangedor olhá-los por muito tempo. – Eu estava vomitando as minhas tripas enquanto ele dava a louca e saltitava por aí. E segundo: mesmo se eu estivesse bem, eu não faria nada. Sabe por quê?

Ele se levantou e andou lentamente até as grades, me fazendo recuar instintivamente. Seu rosto, colado às barras, parecia ainda mais assustador. Então ele sussurrou:

— Porque eu não ligo. – E sorriu. – Família é uma mera ilusão criada por pessoas desesperadas por amor. Não é porque temos o mesmo sangue que vamos cuidar uns dos outros. Isso é apenas para gente fraca. Gente como você.

Apertei o maxilar, cerrando os punhos.

— Você está no lugar certo, sabia? – Me encorajei a dizer. – Víboras como você não podem ficar soltas pela cidade.

Ele riu, mostrando os dentes.

— Você é uma pessoa engraçada – Ele comentou. – Parecia tão intimidada quando eu te ameacei, daquela vez. Oh, pobre garotinha órfã! – Ele colocou a mão no rosto. – Agora olhe bem para você. Dizendo coisas como essa. Hm. Parece que você evoluiu um pouco.

Apaixonada por um idiotaOnde histórias criam vida. Descubra agora