Miguel dirigiu durante alguns minutos, por uma estrada de barro esburacada. Nesse meio tempo, eu não consegui dizer absolutamente nada; a tensão era tanta, que eu já não tinha mais unhas para roer. Afinal, eu era daquele tipo de pessoa que não podia falar enquanto estivesse com vergonha, porque só saíam coisas estúpidas da minha boca, como - Olha, um passarinho voando! Como será que eles voam?
Logo que ele estacionou o conversível, fiquei intrigada e até temerosa. Estávamos em exatamente lugar nenhum - mais precisamente, no meio do mato. A estrada seguia para um lugar ainda mais sombrio, portanto fiquei feliz por pararmos por ali. Haviam muitas árvores - bananeiras, coqueiros, palmeiras, dentre as muitas outras que eu não sabia identificar. O chão estava úmido, com algumas poças, e eu logo presumi que chovera há pouco. Olhei ao redor e aspirei o ar puro e fresco.
- Me trouxe para me matar? - Disse, mais sarcástica do que séria.
Miguel parou ao meu lado, de costas para seu carro.
- Posso fazer isso depois - Deu de ombros. - Agora venha.
Então ele pegou a minha mão e eu senti meu coraçao disparar loucamente. Sem ter muito o que fazer, o segui.
Passamos por alguns arbustos, e eu gritei duas vezes achando ter visto uma cobra. Ele só fez rir da minha cara, como sempre. No fim, acabamos encontrando uma cerca de madeira, com uma porteira presa com arames farpados. Ele, muito esperto, pulou a porteira habilmente. Eu, uma pamonha, fiquei do outro lado resmungando.
- Eu não consigo subir nisso! - Reclamei. - Você vai me deixar aqui? Seu idiota de merda! Cala a boca, para de rir!
Mas Miguel não se aguentava. Eu estava tão revoltada, que sequer parei para apreciar a beleza daquela risada. O som tão maravilhoso que ela produzia; o sorriso tão perfeito naquele rosto.
- Sua anãzinha - Disse ele, assim que pôde se conter. - Eu não vou te deixar, está bem? Nunca.
Minha boca se abriu lentamente, pronta para dizer alguma coisa, mas não tive palavras.
- Vem - Ele passou as mãos entre as vigas da parte superior da porteira. - Eu te seguro.
Receosa, porém fascinada, peguei suas duas mãos e subi. Não era tão difícil escalar uma cerca ou porteira; eu é que era mole mesmo.
Depois da cerca, andamos mais um bom pedaço. Eu tentava não reclamar dos mosquitos, no entanto estava prestes a enlouquecer. O sol brilhava alto no céu, enviando um calor insuportável. Era desconfortante... Mas valeu a pena.
Valeu a pena quando eu vi o lindo campo verdinho iluminado pelo sol; quando ouvi a correnteza do rio cristalino; quando avistei a única árvore, uma cerejeira, com um balanço amarrado a ela e uma convidativa sombra. Era tão lindo, e ao mesmo tempo tão simples, que eu achei que havia alcançado o paraíso.
Uma brisa morna serpenteou entre nós, varrendo meu cabelo e me fazendo estreitar os olhos. Eu tinha muita coisa para dizer, todavia não fui capaz de falar nenhuma palavra sequer.
- Bonito, não? - Ele suspirou, parado ao meu lado esquerdo e contemplando a beleza do lugar. - Uma vez, eu vim aqui com a minha mãe. Ela era uma mulher bondosa, sabe? Mesmo que fosse ocupada, ela sempre tirava uma parte do seu tempo para me fazer companhia. Seus conselhos eram fantásticos! Jamais encontrei alguém que me aconselhasse como ela; que me amasse como ela.
Me demorei avaliando os traços. Havia um pequeno sorriso em seus lábios; seus olhos eram recheados de orgulho e emoção.
- O que aconteceu? - Indaguei, receando a resposta. - Com a sua mãe?
Ele suspirou, sentando-se sobre a relva. Seus olhos permaneciam inabaláveis.
- Ela morreu quando eu tinha nove anos. - Disse ele. - Foi uma parada cardíaca. Numa hora ela estava ali, já na seguinte... - Ele se interrompeu. - É a lei natural, afinal. Tudo um dia acaba. - Ele recolheu algumas pedrinhas do chão. - A vida pode ser comparada a uma taça de cristal; é bela e preciosa, mas pode se partir com uma facilidade admirável. Depois são apenas cacos, que vão ao lixo. A vida some e é substituída por meras lembranças. Hoje, minha mãe é apenas uma lembrança (a minha lembrança mais feliz).
E então ele sorriu abertamente, e o meu mundo caiu.
Eu invejava muitas coisas em Miguel - sua autoconfiança, seu jeito sofisticado, seu bom humor incomparável... Todavia, naquele momento, eu descobri que invejava outra coisa nele - uma coisa acima de todas. Sem dúvidas, foi o momento em que mais invejei alguém.
Eu invejava sua capacidade de sorrir. O modo alegre e determinado com o qual ele falava de sua mãe. Eu sabia que se começasse a falar da minha, terminaria afogada em uma piscina de lágrimas. Que apesar de estar orgulhosa de tudo o que ela fez para mim, eu não conseguiria deixar de me questionar sobre o porquê de ela ter tido que partir. Por que não morri com eles? Por que eu tive a chance de continuar viva e começar a minha história? Tudo o que eu queria era estar com eles! No entanto, ao contrário de mim, Miguel falava da sua mãe com todo o coração e felicidade. Me fazia acreditar que, mesmo que ele tivesse passado apenas nove anos com ela, foram nove anos incríveis e inimaginavelmente especiais.
Sentei-me ao seu lado, de pernas cruzadas. O céu estava tão azul, e o sol tão brilhante, que era perfeito. Eu poderia ficar ali a tarde inteira, dormir ouvindo o chiar da correnteza do rio, sentindo o vento no rosto. Ao lado da pessoa que eu... Que eu...
Balancei a cabeça para me livrar do pensamento. Mesmo que eu já tivesse admitido em voz alta que amava Miguel, a ideia ainda me assustava.
- Você é a minha âncora, Luciana - Disse ele, respirando fundo. Era mais uma frase solta ao vento do que uma declaração de amor. - Eu queria que entendesse isso. Por isso te trouxe a esse lugar especial.
Olhei-o de soslaio, esperando ele prosseguir.
- Minha mãe e eu quase nunca saíamos juntos - Contou ele. - Só houve uma vez... Uma única vez. E viemos para cá. Era só eu e ela. Foi o melhor dia da minha vida.
Meus olhos marejaram, assim que pensei em meus pais. Engoli em seco, mas o nó na minha garganta não se desfez.
- Uma semana depois, ela morreu - Ele encolheu os ombros e, apesar de permanecer sorrindo, pude notar as lágrimas se acumulando em seus olhos castanhos.
Antes que nós dois desmontássemos, eu lancei meus braços em seu pescoço e o abracei. Era bom o calor humano; o perfume. O contato com o único que poderia me consolar naquele momento. Senti como se, enquanto eu estivesse ali, em seus braços, nada poderia me atingir. Como se, ainda que o mundo desmoronasse ao meu redor, com ele eu estaria segura; protegida de tudo e todos.
Para finalizar, ele me afastou e passou os dedos entre meus cabelos. Quando menos esperei, estávamos nos beijando. Era um beijo cheio de emoções - saudade, tristeza, orgulho e... Amor. Aquele foi o beijo mais significativo e importante para mim, como se fosse o meu primeiro. Me fez perceber que eu não suportaria ficar longe desse idiota, e não iria fazê-lo. Dane-se Johnny, dane-se minha vida maluca, dane-se o passado dele, dane-se o mundo!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Apaixonada por um idiota
Diversos"Ele era tudo o que eu não suportava; tinha todos os defeitos do mundo. Então por que o amava tanto?" Luciana Mendes, uma adolescente problemática, achava que já tinha problemas demais em sua vida e que não precisava de mais um. Se apaixonar era tud...