~Décimo Quarto~

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Era quase meia-noite, e meus olhos se recusavam a fechar. A insônia havia se tornado uma constante na minha vida desde que Stephane morrera e Miguel partira; a mente trabalhava arduamente, torturando-me com lembranças cruéis de quando eu tinha-os perto de mim.

O jogo de basquete.

Os roncos da titia.

Cada simples recordação os fazia presentes na minha mente.

Revirei na cama, com os olhos bem abertos a fitar a escuridão. Lembrei de minha mãe... De meu pai. Lembrei de quando eu tinha uma família. Meu coração gelou.

Me sentei a afaguei os cabelos com as mãos trêmulas. No silêncio da noite, apenas minha respiração podia ser ouvida, ofegante. Era uma daquelas crises de novo; uma das crises que eu costumava ter quando sentia a ausência dos meus pais. E, agora, não era mais apenas deles.

Joguei as pernas para o lado e calcei as pantufas de coelhinho. Meu olhar relanceou o espelho, e vi não mais que um contorno meu reproduzido pelo filete de luz que partia da janela. Mas eu ainda podia me imaginar agora - com um par estúpido de pantufas de coelhinho, um pijama infantil de elefantes e olhos cansados. Me senti uma idiota...

Idiota.

Era ele de novo, atormentando meus pensamentos.

Abanei a cabeça e atravessei o quarto, chegando à porta e abrindo-a sem hesitação. Minha vontade era fugir; fugir de toda essa cruel realidade.

Mas o máximo que pude fazer foi tomar um longo banho e passar a noite em claro sentada no sofá, com uma xícara de chocolate quente firme entre as duas mãos e os olhos presos à tela da TV desligada. Sequer percebi quando fui engolida pelo sono e adormeci. Só sei que o que me despertou foi um som monótono de buzina.

Em menos de meia hora, um dos gêmeos surgiu na sala onde eu estava, carregando em mãos uma frigideira. Arqueei as sobrancelhas para ele, imaginando que utilidade aquilo teria. Se estavam buzinando, obviamente não iriam assaltar.

Saltei do sofá e estalei as costas, abrindo a boca em um longo bocejo.

- Ei, guarde isso - Falei por cima do ombro. - Você não vai acertar a cabeça de ninguém hoje. - Comecei a pentear os cabelos com os dedos. - E, a propósito, qual das figurinhas repetidas é você? Foi mal, mas não posso ver sua cicatriz.

Ouvi um bufo de incorformação vindo dele.

- Luciana, você come merda? - Perguntou, Imapaciente. - São três horas da madrugada. Quem viria nos visitar três horas da madrugada? E eu sou o Pedro.

Meu coração errou uma batida quando considerei que poderia ter algo a ver com Aisha. Quem sabe ela passou mal e mandou alguém me levar para vê-la no hospital? Girei nos calcanhares para ver o rosto de Pedro. Imediatamente, arranquei a frigideira das suas mãos.

- Escuta, Pedro, vá atender a porta - Ordenei, indicando-a com a frigideira. - Faça uma cara legal. Seja gentil. Ou então, quem vai te acertar essa frigideira sou eu.

Pedro ergueu as mãos em rendição, reclamando um pouquinho, mas indo fazer o que eu mandara. Quando ele abriu a porta, dois sentimentos me dominaram: alívio e surpresa.

Não era, nem Aisha, nem nenhuma pessoa que eu desconhecia. Era um homem de pele clara, cabelos escuros e olhos castanhos, que combinava perfeitamente com o terno risca de giz que vestia. Em seus lábios havia o mais terno dos sorrisos, e seu olhar determinado brilhava de empolgação. Atrás de si, havia um conversível; um conversível vermelho.

Recuei, engolindo em seco. Eu estivera tão ansiosa em revê-lo, que agora que o tinha diante dos meus olhos, não sabia como reagir. Minha vontade era fugir. Sair correndo, subir a escada e me trancar no quarto até ele partir de novo.

Apaixonada por um idiotaOnde histórias criam vida. Descubra agora