Eu estava deitada na minha cama, refletindo sobre o quão patética era a minha vida, quando alguém bateu na porta. Na época em que Stephanie era viva, eu provavelmente seria obrigada a atender, mas com meus primos as coisas eram mais tranquilas. Reuni toda a coragem que eu tinha para me levantar e ir ver quem era, ignorando completamente o fato de estar vestida com uma das enormes camisas de Hugo e Pedro (sim, eles compartilhavam roupas) e meias encardidas, sem contar o meu cabelo, que estava preso em um rabo de cavalo frouxo, com muitos fios soltos. Não importava quem fosse, me ver assim não faria a menor diferença, já que eu estava igualmente bagunçada por dentro.
Saí no corredor, e de lá avistei a porta de saída. Um dos gêmeos - sei lá quem - estava parado de costas, bloqueando a minha visão. Quando ele abriu passagem, vi duas criaturas entrarem: Alana e Bryan.
Alana estava visivelmente corada e tímida, tanto que colocava o cabelo atrás da orelha a cada instante. Bryan, ao contrário, parecia prestes a cair na gargalhada. É claro que não era fácil para Alana encarar Pedro (ou a figura exata dele, Hugo) depois dos meus planos malucos que os envolvia. Mas, convenhamos, eles eram uma gracinha quando ficavam envergonhados perto um do outro.
Nós três passamos as primeiras horas deitados no chão e comendo doce de leite com biscoito recheado, até que Bryan resolveu ir se juntar aos gêmeos lá na sala. Ficar sozinha com Alana foi um alívio, e isso não queria dizer que eu não confiava em Bryan, ou que não me sentia a vontade perto dele, mas é que tem coisas que não dá para ser ditas a um garoto que particularmente ri de tudo e encontra qualquer motivo para te zoar para sempre. Era impressionante o quanto nós quatro, Alana, Liz, Bryan e eu, éramos diferentes, e por que justamente fomos nos tornar melhores amigos. A começar por Alana e Liz, que, originalmente, se odiavam por não suportar a personalidade uma da outra. Bryan, que era um galanteador, amante do basquete, um típico mauricinho que eu detestaria, se não fosse meu amigo. Mas quer saber? Depois de refletir tanto sobre isso, cheguei a conclusão de que eram nossas diferenças que nos mantinham unidos. Nossa irmandade.
- Ah, cara - Alana resmungou, ao deitar no chão com as mãos atrás da cabeça. - Eu vou mesmo ter que me casar com aquele idiota?
Me virei para avaliar seu rosto. Os olhos fitavam o teto perdidamente, e eu não pude deixar de notar um pequeno indício de sorriso em seus lábios.
- Se não fosse por "aquele idiota" não seríamos amigas hoje.
E era verdade. Pode até parecer estranho, mas o modo como nos aproximamos foi um tanto incomum. Eu tinha treze anos, notas péssimas e uma dificuldade gigantesca em fazer amigos. Meus primos, como sempre, estavam sempre dispostos a infernizar minha vida ao lado da mãe chata deles. A primeira mudança que eu percebi no comportamento de Pedro foi sua falta de interesse em me incomodar. Depois, ele passou a ficar cada vez mais trancado no quarto, e sorria do nada, sem qualquer motivo. "É aquela garota, a Alana" Comentara Hugo, certa vez. "Ouvi dizer que Pedro está saindo com ela. Só de sacanagem vou me passar por ele e pegar ela também, hahaha". Não era como se Hugo fosse realmente fazer isso, e considerando que Lana conhecia bem o seu namorado, jamais os confundiria tão facilmente. Mas houve um dia em que a vi chorando, lá na escada da escola. Ela disse que havia flagrado-o com outra garota, na cama. "Pode ser o Hugo" eu disse. "Não era o Hugo" ela garantiu. E, após uma longa conversa, nós duas passamos a ser amigas. Liz e Bryan vieram ao acaso, e se juntaram a nós através de confusões e brigas. Mas, concordemos, não há nenhum jeito melhor de se começar uma amizade senão por brigas.
- Foi a única coisa boa que ele me trouxe - Suspirou ela. - No fundo, ele não fez muito diferente do Gustavo.
- Shh. - Soltei. - Não repita esse nome na minha presença.
No entanto, eu estava rindo. E era curioso que eu, depois de remoer tanto um sentimento de ódio e mágoa por esse garoto, estivesse simplesmente falando e rindo com a maior naturalidade sobre ele. Acho que isso é o que chamamos de "superar". Fiquei feliz em admitir para mim mesma que o Idiota tinha um papel fundamental nisso.
Alana respirou fundo, com as mãos na barriga.
- Sabe, Lucy - Disse ela. - Eu só tinha quinze anos, mas foi a primeira vez que amei alguém. Eu era tímida, nunca deixava ninguém se aproximar, até que um dia eu abri o meu coração... E ele o despedaçou. Acha que eu vou mesmo ser capaz de me casar com ele?
- Não precisa fazer isso, se não quiser. - Falei, calmamente.
- Eu não sei - Ela fechou os olhos. - Eu quero te ajudar, e sei que estamos falando de uma criança indefesa que vai perder a mãe. Mas... E se eu não conseguir?
Nesse instante, a porta se abriu de repente e Bryan apareceu do outro lado. Alana e eu nos sentamos de imediato, quando Bryan declarou:
- Você vai conseguir.
E então recuou e começou a discutir com alguém aos sussurros, fora de nosso campo de visão.
- Eu não vou! - Reclamou a pessoa.
- Vem logo!
- Não, cara, por que eu tenho que fazer isso?
- Se você não fizer eu arranco suas orelhas.
Então a pessoa - meu primo - foi jogado quarto adentro e cambaleou até a minha cama. Bryan não voltou, ele apenas bateu a porta assim que Pedro entrou.
Quando Pedro nos olhou, ele estava com um sorriso estranho nos lábios - nervosismo. Ele sugou todo o ar que conseguiu e expulsou-o em seguida, e então disse um "olá" que soava como "eu quero me matar". Alana de repente ficou verde, seus olhos ficaram enormes e nós duas paralisamos. A diferença é que eu estava morrendo de vontade de rir.
- Hmm... Então... Como eu vou dizer isso? - Ele coçou a parte de trás da cabeça, começando a enrubescer. - Tipo, eu gosto de você. Pra caramba. E eu gosto do Pietro. Então... Você... Você...
- A frase que você está procurando é - Tentei ajudar. - "Quer se casar comigo?"
Pedro me olhou de cara feia.
- Eu ia dizer "quer ser a mãe do meu pivete" mas já que não é um casamento pra valer, isso ta bom. - Ele encolheu os ombros. - Laninha. Preciso conversar com você sobre o que houve entre a gente há quatro anos.
Alana parecia ter ficado muda, portanto apenas assentiu. Estava claro que eu já não tinha mais espaço ali, então vi minha deixa para me retirar. Quando abri a porta, ela foi em cheio no nariz do Bryan, que gemeu baixinho.
- O que faz aí? - Ralhei.
- O que parece? - Retrucou. - Vamos escutar, é claro.
Revirei os olhos.
- O que você acha de jogarmos video game com o Hugo?
Ele ponderou.
- É. Melhor.
Passei o braço em torno do ombro do meu melhor amigo, agradecida pelo que ele fizera. Cá para nós, era torturante ver a forma como Pedro e Alana lidavam com a presença um do outro, e eu tinha certeza de que Pedro agora estava mais maduro do que há quatro anos. Ele gostava de Alana de verdade, desde aquela época, e embora eu diga que era tudo em nome do Pietro, a verdade é que eu queria resolver esse conflito de uma vez por todas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Apaixonada por um idiota
Random"Ele era tudo o que eu não suportava; tinha todos os defeitos do mundo. Então por que o amava tanto?" Luciana Mendes, uma adolescente problemática, achava que já tinha problemas demais em sua vida e que não precisava de mais um. Se apaixonar era tud...