Capítulo 5 - O Boné Cinza e Aquele que Escapou da Minha Mente

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     Jonathan me acordou naquela manhã abrindo a porta. Graças ao travesseiro minha cabeça não bateu no chão, mas tive de sufocar o grito do susto.

– Bom dia.

– Oi – respondi com voz de sono – que horas são?

– 07:42.

– Ainda cedo – levantei, levando meu travesseiro e meu cobertor – nos vemos mais tarde?

– Com certeza. Alguém tem que me ajudar na limpeza da caixa de gordura.

Ri sem vontade ao pensar no meu estômago embrulhado de mais tarde. Perdi totalmente a fome.

Ainda com meu apartamento no escuro, me joguei na cama. Com o rosto virado para o colchão sufoquei risos ao lembrar do sonho com Jonathan e Charles.

A onda de tristeza veio logo atrás.

Agora eu só veria Charles daquele modo: em cenas de meus sonhos. Os remédios que eu tomava todos os dias finalmente o expulsaram de minha mente, de forma tão incisiva e rápida que não me permitiu despedidas. Virei de barriga para cima, olhando para o teto de gesso descascado. Uma pessoa depois que morre apodrece até voltar a se tornar elementos básicos do ecossistema. Mas o que aconteceria quando alguém imaginário deixasse de existir? Em quais das minhas memórias ele andava? Apenas iria recordar da sua existência no passado, sem conseguir puxar sua existência semirreal de volta?

– Porque foi embora sem se despedir? – Sussurrei enquanto voltava a pegar no sono.

Acordei com meu despertador as 09hrs. Eu tinha autorização para dormir até as 10hrs (muitos de nossos remédios aumentavam exponencialmente nossos níveis de sono REM), mas preferia acordar antes e ter uma hora a mais para mim. Na ducha, soltei um suspiro de choro. Provavelmente havia derramado algumas lágrimas enquanto dormia.

Eu teria de reaprender a viver sem todos os outros habitantes da minha cabeça. Enquanto me vestia, tentava planejar algo para fazer em 15 dias, quando eu retornasse ao armazém. Quem sabe uma cerimônia de despedida.

Eu podia ser uma ex-louca, mas nunca fui ingrata. Eu era muitas vezes incomodada por todas aquelas pessoas vivendo embaixo da minha pele, mas aprendi muito com eles, eram parte de mim desde então. Achava justo os enterrar no passado com as honras que mereciam.

Inclusive a Charlie, que foi o mais real de todos e me levou a muito mais aventuras e descobertas do que um dia eu terei permissão de viver.

O mingau de aveia do café da manhã estava quase frio e com pedras de açúcar. Comi sem vontade, com a cabeça entre os ombros. Depois, a dose da semana: uma injeção de Risperdal*, que eu aplicava em mim mesma. Este remédio causava perda de peso (o que fazia com que a Sra. Jacobs ficasse em cima para que eu me alimentasse) e sintomas extrapiramidais**, que comprometiam todo o meu sistema motor por algumas horas, além de acatisia*** ocasional. Jonathan queria limpar a caixa de gordura ainda pela manhã, mas eu não tinha condições de ajudá-lo sob o efeito da droga, então recomendei que ele esperasse eu bater na porta dele, ou caso ficasse muito ansioso, fosse procurar outra pessoa.

Enquanto me recolhia em posição fetal em minha cama, me sentindo cansada como se eu tivesse corrido meia maratona, me perguntava o porque não havia apenas fingido tomar a dose. Eu não precisava mais, e estaria mais disponível para meus afazeres.

Na cama e no escuro das minhas cortinas blackout, eu senti algo rígido pressionando meu cotovelo direito. Girei o corpo para o lado, mas como punição meu cérebro desceu uma montanha russa inteira, e fiquei praguejando enquanto segurava a cabeça, sentada. Quando o horizonte pareceu se estabilizar acendi meu abajur em baixa potência, e mesmo assim tive de fechar os olhos, que ficaram quase feridos com o fio de luz. Ainda de olhos fechados tateei na cama até encontrar o que me incomodava.

Vá Embora de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora