Capítulo 2 - Drake, O Relógio de Vidro e o Universo Engolidor de Esquizofrênicos

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Eu moro no oitavo andar do edifício Yan Robertson Lar Temporário Para Pacientes com Doenças Mentais. Do oitavo até o décimo moram todos os pacientes que já progrediram o suficiente para saírem às ruas, testando uma vida e torcendo para que um dia o governo os reintegre como cidadãos.

Nunca vimos isso acontecer com algum interno. Ou ficam tão próximos da cura que são mandados como exemplo para outras unidades (que acabam por ruir todo o controle que conseguiram adquirir por anos) ou estabelecem habilidades o bastante para trabalharem em órgãos governamentais.

Ah, as habilidades podem ser as mais incríveis e preciosas possíveis, mas não passamos dos setores de limpeza e manutenção.

O fato é que, depois de considerados quebrados mentalmente, nunca mais iremos nos consertar de novo. Isso nos impedirá para sempre de termos vidas normais, família ou carreira. Muitos acabam conseguindo disfarçar muito bem entre os outros, mas não é difícil de nos identificar. Todos temos tornozeleiras que indicam nosso posicionamento global, e elas não são exatamente discretas: volumosas e de um azul neon gritante, que geralmente ultrapassa tecidos escuros.

As pessoas ao redor se afastam de mim. Posso classificá-las como assustadas, como se eu pudesse transmitir meus genes ruins no ar. Isso também traz reações como irritação e desconfiança, até mesmo raiva. Mas nada é pior que os olhares de pena. Posso quase ler as mentes:

Coitadinha, uma moça tão bonita!

Será que ela sabe que nunca permitirão que ela tenha filhos?

Meu Deus, como deixaram uma desorientada andar por aí? Ela pode ser atacada!

Isso me deixa transtornada de raiva, mas hoje em dia, graças as eficazes barreiras psíquicas do Dr. Chang eu sei como me controlar.

No metrô, eu pego meu seletor de músicas. É antigo e foi consertado algumas vezes, para você ter uma ideia ele é físico – uma tela transparente de quatro polegadas com um espaço para míseras cinco mil músicas. Por semana eu sempre tenho que trocá-las. Pego os fones de ouvido – pelo menos são legais e transparentes, feito de um material emborrachado quase indestrutível – mas de qualquer forma seria muito legal ter minúsculos implantes nos tímpanos. Uma garota alguns lugares à frente instalou seu seletor de músicas no pulso esquerdo. Com a mão direita ela dá play numa seleção e fecha os olhos, apreciando a música que reverbera de dentro do seu cérebro, sem se incomodar com os ruídos de fora. Eu enfio os fones o máximo que minhas orelhas permitem e tento relaxar enquanto a viagem de meia hora prossegue. Hoje continuo a escutar a coletânea do cantor chamado Drake. Esse cara sabia o que dizer.

Eu sei que você deve estar se perguntando o que tem de tão errado, infeccioso e perigoso numa garota de 23 anos que mora sozinha e sozinha sempre será. Mas todo mundo do oitavo andar para cima se parece comigo – até mesmo Jonathan quando sai para suas consultas, as segundas e sábados. As drogas que nos fizeram ingerir por pelo menos cinco anos já amarraram bem nossos neurônios desconexos e soltos. Só vamos aos especialistas para que eles tenham certeza que tudo permanece no lugar por tempo o bastante para que possamos ser reciclados em programas sociais de reintegração social.

Acho lindo isso, programas sociais de reintegração social. Um título grande, pomposo e vazio.

Igual a todos os médicos que já conheci.

Todos me cumprimentam quando entro no arrojado prédio de metal e vidro em seus estados mais puros. Respondo de forma automática. A clínica que me atende tem oito andares no complexo. Pego o elevador, fico o mais fundo possível, segurando as paredes com as mãos. Fecho os olhos quando ele sobe, tão rápido que parece que meu estômago ficou em terra.

Vá Embora de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora