Toc, toc, toc, alguém bate na porta.
São 04:83, melhor, 04:38 e já aprendi a ignorar.
Toc, toc, toc alguém insiste.
Estou sem dinheiro para comprar um computador novo. É melhor fingir que isso não está acontecendo.
– Eu sei que você ainda não saiu, sua vadia imunda! – Diz a voz do outro lado da porta.
Ah, ele adora isso. Para Ben, insultos dirigidos a mim são sempre de vadia para baixo.
Ele vai continuar a bater. Até que a minha paciência se esgote e com uma joelhada eu coloque suas bolas e parte do seu raciocínio no lugar. Maldito viciado.
Ele sabe que se eu machucá-lo vai poder denunciar a senhora Jacobs. E aí sim eu vou ter problemas.
Porque ela vai denunciar a polícia e ao responsável pela minha condicional com toda a certeza.
Toc, toc, toc, a porta ameaça arrebentar.
– Saia daí, sua vagabunda!
– Hei, Benjamin – grito – os traficantes da Rua 42 ainda estão ativos a essa hora. Vamos lá, passe sua conversa neles outra vez atrás de uma dose! Porque eu vou te dizer, meu velho, você não entra mais aqui para roubar nada.
Então ele começa a gritar. Fecha os punhos e fica urrando e batendo. Sinto que a parede começa a tremer com o esforço, ele finalmente acorda outros no andar.
Guardo o notebook na gaveta, dou a volta na minha escrivaninha e espero. Eu não vou socá-lo, mas só por precaução estalo as juntas dos meus dedos.
Ele finalmente derruba a porta. Com sua força, empurra a tranca até que esta arrebente o batente, caindo para dentro, no meio da minha sala. Não estou com as luzes acesas, então a fraca lâmpada nua do corredor tenta com esforço recortar sua imensa silhueta. Um metro e noventa e quase 250 quilos, branco e suando mais que um cachorro que foge dos explosivos do ano novo.
Um filete grosso de baba escorre da sua boca, entrando pelo pescoço cheio de dobras para dentro da camisa xadrez azul. Ele ainda está com a cabeça raspada da última vez que foi contido, ela brilha como uma bola de boliche.
Cerro os olhos e tento sentir pena dele. Demência é seu diagnóstico final. Depois de ver por tantos anos o pai bêbado bater na mãe até que ela morresse de hemorragia cerebral, ele passou a copiar o comportamento, como se todos os dias da sua vida vivesse dentro daquele momento.
O que tenho quase certeza que é verdade.
– E aí grandão – digo, cruzando os braços – sabe que vai ter que comprar uma porta nova pra mim.
– Não – ele vocifera a negativa – eu não quebrei nada.
– Iiiiisso n-não é verdade! – A voz do meu vizinho da esquerda, um garoto esquálido e autista propenso a gagueira quando nervoso, diz – todos nnnnnnós aqui vimos você derrubar a porta. E meme-mesmo que negue, tem sssuas digitais e DNA nela. A popo-polícia vai te prender.
– Chame a polícia – ele disse, dando o primeiro passo para dentro – eles vão precisar raspar o resto dessa vadia do tapete quando eu terminar com ela.
Ergo uma sobrancelha. Hoje ele está variando entre vadia e vagabunda.
Ben tem um ódio ferrenho da minha existência. Não por conta das vezes que me defendi dele ou pelo fato de que sou tão boa em me defender que ele nunca tenha conseguido me dar um soco.
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Vá Embora de Mim
Science FictionAlice é uma jovem diagnosticada com esquizofrenia paranoide. Ela vive numa instituição e tem cada minuto do dia meticulosamente controlado pelos seus médicos para que não perca o controle. Numa sociedade que isola permanentemente pessoas com doenças...