Capítulo 7 - A Nova Mentirosa, 02:11 e Coelhos de Pelos Pintados

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O dia de reencontrar o Coelho Branco havia chegado.

Infelizmente, naquela semana a Sra. Jacobs não tinha nenhuma compra extra, então não havia falado com Frank sobre minhas últimas descobertas, eu teria de esperar mais uma semana para isso.

Como me apresentaria ao meu psiquiatra?

Encarei os fatos e os coloquei em folhas de caderno.

O Coelho Branco me conhecia.

Dr. Chang estava cuidando de mim e dos meus fantasmas a meia década. Ele sabia me ler, cada tique, cada frequência rítmica, manias, medos. Ele sabia o que dizer para acalmar meu coração ou fazê-lo disparar.

Ou seja: ele saberia se eu estivesse mentindo. Ou contando meias verdades.

Então, resolvi contar parte da verdade, mas recheá-la de fatos e detalhes de forma que ficasse tão expansiva ao ponto de preencher toda nossa hora semanal.

E o foco da conversa seria o fato de que as vozes não estavam mais lá. Nenhuma delas. Eu havia me dado conta na última consulta, e havia passado a semana tentando entender como havia acontecido.

Eu estaria fascinada, nervosa, deslumbrada.

E o deixaria assim também.

Mais um caso de sucesso do Dr. Chang. Mais um doente mental curado saindo do forno para se reintegrado. Prestigio, reconhecimento. Isso preenche o orgulho do homem mortal.

Mesmo que o homem mortal fosse um psiquiatra esperto, não deixava de ser humano. Ele tinha um ego para alimentar.

Então treinei no espelho o que dizer por no mínimo duas horas de discurso ininterrupto. Revisei os textos, decorei palavra por palavra. Como conduzi-lo para permanecer dentro dos limites que eu ia impor na conversa? Se ele tentasse escapar, o que eu poderia usar como isca?

Nunca havia sido tão esperta, sagaz e inteligente, e agora sabia o motivo.

Charles havia me deixado, e com ele todas as pessoas que haviam habitado em mim. Eu tinha horas inteiras sem interrupções. Ninguém para me usar, requerer minha atenção.

Espaços cerebrais inteiros, ansiando para serem preenchidos.

Treinei expressões faciais no espelho. Apavoramento, surpresa profunda. Olhares perdidos e brilhantes, cheios de esperança.

Falsos, no caso.

Na noite antes da consulta, queimei tudo o que eu havia anotado no meu pequeno forno na cozinha, e fiquei vendo as folhas incinerarem. De último impulso, pensei em queimar o desenho de Charles, cheguei a levá-lo até a frente do forno.

Mas não pude fazer aquilo. Eu dependia do desenho para mostrar a Frank que de fato, Charles estava entre nós, me chamando.

Eu precisava daquela força material em forma de traços precisos para continuar me certificando que a loucura havia passado.

Na manhã seguinte, eu teria de convencer o meu médico de que eu estava curada. Ele solicitaria a remoção da minha tornozeleira, eu seria reintegrada como cidadã.

Então pegaria meu dinheiro depositado no meu banco pessoal no armazém de Frank e sumiria no mundo, da exata forma que Charles havia tentado me ensinar milhares de vezes, e eu, na minha ignorância e teimosia havia relutado em aprender, mas gravado.

Vá Embora de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora