Capítulo 8 - Alucinações em Grupo e a Consulta Final

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Eu estava no apartamento dos trigêmeos Malckin numa tarde de sol entre nuvens, dois dias depois dos enfermeiros do meu psiquiatra terem me levado para casa.

Eles me deixavam entrar, e era uma das únicas a ter estre privilégio. Os garotos tinham onze anos, e se chamavam Yohann, Nataniel e Bruno, mas eram tão iguais que eu nunca sabia com quem estava falando, então costumava diferenciá-los por Malckin #1, #2 e #3.

Os pais deles também eram esquizofrênicos, como eu. Eles pertenciam à parcela não tratada das sociedades, aqueles que têm as mazelas psíquicas tão profundas que se tornam um perigo para qualquer lugar. Eles viveram sua curta vida na Fronteira, onde as poucas construções ainda de pé abrigavam dezenas de milhares de indigentes com diversas perturbações e danos mentais irreversíveis. Eles nunca foram velhos, morriam muito anos antes de começar a envelhecer: por fome, doenças e brigas de sangue.

A mãe deles era Teresa Malckin, ela se dizia casada com Enrich Malckin. Ambos tinham dezessete anos quando ela ficou grávida. Teve os bebês nos portões que guardavam as Fronteiras, de pernas abertas para os guardas. Sem anestesia, no chão, com o marido segurando um guarda-chuva quebrado em cima de sua cabeça enquanto a neve quase os engolia. Um menino atrás do outro se esparramou pela neve, a tingindo de rosa, enquanto berravam de susto e frio.

Dois guardas abriram o portão e recolheram os bebês antes que morressem. Teresa morreu poucas horas depois do parto por hemorragia aguda e depois disso, seu marido deixou seu último rastro de sanidade ser engolido pela loucura. Nunca mais foi visto.

A principio cuidaram dos garotos e os levaram para adoção. Sempre apareciam pretendentes, mas estes desistiram de tudo ao saberem de sua origem insana infectando seu DNA conforme cresciam.

Aos sete anos, os sintomas começaram.

Pesadelos perturbadores eram interrompidos com gritos lancinantes. Os três se isolaram das outras crianças, pararam de falar, apenas se comunicando através de gestos e pequenos sons. Sofriam bullying constantemente, mas não deixavam de serem unidos.

Então, as alucinações chegaram, e tudo começou a ficar pior.

O estopim foi a tentativa de assassinato dos três ao colega de orfanato que mais os perturbava. O garoto foi encontrado sendo afogado numa banheira por dois dos irmãos, enquanto o terceiro o recortava com uma lâmina cega.

Viveram o inferno em St. Ivogne, o pior sanatório já construído pelo homem. Eu nunca vivi lá, mas já passei perto. Jamais vou esquecer seus inúmeros andares, suas janelas escurecidas pelos vidros fortemente pintados de preto, gradeados. Dizem que se você conseguir ficar na entrada do prédio à noite e escutar quinze gritos sem correr, pode se considerar alguém corajoso.

Eu já vi internos tentarem se matar quando descobriram que iriam para lá.

Benjamin passou uma temporada da vida em St. Ivogne, depois que atacou seu antigo psiquiatra. Ele foi homem e voltou como um animal ferido e acuado, que olha a todos como potenciais agressores, principalmente a mim.

Eu lia para os meninos mais um dos soturnos contos que Jonathan escrevia nas horas livres. Nós escondíamos os contos dobrados dentro de um velho livro dos contos de Grimm, já que a Sra. Jacobs castigaria Jonathan severamente se descobrisse que ele escrevia. Ele sabia ser tão perturbador nas palavras quanto nos traços, e confesso que diversas vezes tinha de parar de ler para recuperar o fôlego de alguma cena chocante, mas os meninos pareciam não se afetar. Pelo contrario, escutavam tudo com atenção e concentração sobre-humana.

–... e depois de ver os olhos da escuridão tão de perto, Maria nunca mais quis voltar para casa – concluí o conto, dobrando as folhas de papel grampeadas – gostaram? Ah, eu sei que não preciso perguntar isso, vocês sempre gostam dessas histórias loucas do Jonathan.

Vá Embora de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora