Lá fora

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MassMutual Center, Springfield, MA

Eu nunca iria imaginar o quanto um pão velho era precioso. Os mantimentos no estádio estavam acabando, enquanto as pessoas que lá viviam só aumentavam. Todos os dias, alguém morria de fome, desidratado, de frio -os aquecedores deram defeito a três dias atrás- ou doente. Todos os dias o som de tiros podiam ser ouvidos, tanto dentro quanto fora do prédio. O exército estava concentrado em Springfield, era o que dizia a televisão, mas de que adianta se pessoas morrem todo dia por causa da falta de luz, comida e água? Há centenas de milhares de cobertores e casacos para serem distribuídos, mas de que adianta se algumas pessoas roubam umas das outras, deixando dezenas de pais e mães sem nenhuma proteção contra o frio porque deu a sua para os filhos não congelarem? Estavam dentro de um estádio, seguros contra os infectados, mas de que adianta se não estavam seguros de si mesmos, humanos? Se a humanidade não consegue parar de se destruir aos poucos nem no próprio leito de morte, eu desisto. A única razão para eu não ter me voluntariado para sair de lá era Lily, que estava enrolada em um edredom azul e roxo de um desenho antigo. O frio fazia suas bochechas ficarem rosadas e seus cabelos caíam nos olhos.

-Tate... -Ela chamou. -Quando a gente vai sair daqui? -A pergunta me pegou de surpresa e fitei seus olhos por um tempo, até pensar em algo para dizer.

-Logo. -Foi tudo o que respondi.

O alarme toca novamente e a palavra "almoço" estampa o telão, avisando a todos que era hora de comer. Os soldados passavam distribuindo biscoitos velhos, pães amassados ou frutas desidratadas para todos e um plano começou a ser arquitetado em minha mente. Peguei dois pacotes de maçãs secas e dei para Lily, sem tirar os olhos do soldado. Ele carregava, no mínimo, três armas visíveis. Uma pistola no coldre preso à perna, uma metralhadora nas costas e uma faca de caça enorme na bota. Aparentemente, usava colete à prova de balas ou tinha um tronco enorme. Eu realmente espero que seja a primeira opção. Possuía um walkie-talkie, muito útil se estiver lá fora, e um sinalizador pequeno no mesmo bolso. Tudo o que era preciso para enfrentar hordas e hordas de pessoas infectadas que só pensam em morder e comer outras pessoas.
Todos os dias eles estão recrutando. Para um morto aqui dentro, dois lá fora. Era minha chance, que ia ficando cada vez mais distante a medida que o soldado ia andando. Levantei-me num piscar de olhos e andei em sua direção, tocando em seu ombro para chamar sua atenção. Ele se virou, com a mão já na barra da calça, onde o coldre com a pistola se encontra.

-Você já recebeu sua porção de almoço, moleque. -Sua voz saiu séria e ríspida.

-O que? Não, não quero mais comida. Quero ir lá fora! -Disse, quase arrependendo-me assim que as palavras saíram da minha boca. O homem inclinou a cabeça e me analisou por inteiro. Seus olhos fitavam cada centímetro meu e podia ouvi-los dizer "não, muito magro" ou "não, muito idiota". Ou o pior de tudo. 

"Claro, siga-me"

-Por que quer ir lá fora? -Ele perguntou.

-Porque sim. Quero ajudar. Precisa dê motivos? -Surpreendi-me. Dezenas de soldados morrem e preciso explicar porque quero ajudar?

-Não, só para saber mesmo. Venha, sigam-me. Vou te apresentar ao tenente Oswalt. Ele é o responsável por aqui, vai te mostar tudo. -Dizia enquanto andávamos para fora da quadra. Passamos pela porta que dava em um vestiário escuro, para depois sairmos em um escritório iluminado.

-Aqui dentro tem energia? -Simplesmente não conseguia acreditar. Olhava em volta embasbacado, sem perceber que havia um homem sentando em uma cadeira na sua frente. Ele pigarreou e, finalmente, o vi.

-Depois que a energia acaba, os geradores são ligados. Desviamos toda a energia para essa sala e outras partes específicas do estádio, por razões que não são da sua conta. -Ele dizia para mim, logo depois fitando o soldado que me trouxe. -Henry, o que ele faz aqui?

-Ele quer ir lá fora, senhor. -O soldado, que descobri ser Henry, falava como se fosse um robô, postura reta e pausadamente.

-Descansar, soldado. Estamos só nós aqui, não há razão para formalidades. -O tenente Oswalt disse, cansado, como se repetisse isso pela centésima vez. -Então, o bonitão aqui quer ir ver o mundo? -Sua fala voltou-se para mim. Assenti com a cabeça, concordando com ele. -Motivo específico? -Neguei, novamente com a cabeça apenas. -Já pegou numa arma? -Concordei. -Tem uma língua? -Imediatamente estranhei a pergunta e levanto a cabeça, olhando-o. 

-Desculpe, senhor. -Disse, baixo. Ele riu, desdenhoso.

-Ah, então o moleque sabe falar. Henry, dê a ele sua pistola. -Ordenou. Virei-me para o soldado e peguei e arma de sua mão. -Agora, veja se tem balas. -Fiz o que ele mandou, retirei o pente e coloquei-o de volta. Completamente carregado. -Muito bem, agora destrave-a. -Puxei a alavanca. -Perfeito. Agora atire. -Olhei-o confuso.

-Mas essa é a parte mais fácil. -Disse. Se eu sei mexer em uma arma, obviamente sei atirar.

-Eu sei. Mas quero testar sua mira. Vamos lá, atinja aquele relógio. -Ele apontou para um relógio de parede quebrado que marcava uma hora qualquer. Mirei bem no meio, mas errei por pouco. O soldado e o tenente analisavam o furo, a precisão... Eu mesmo.

-O que você era antes daqui, moleque? -Tenente Oswalt perguntou e gelei na hora.

-Eu estudava. -Tentei mentir sem parecer que estava mentindo.

-Além disso. Quem te ensinou a atirar bem assim? -Henry disse. Merda, merda, merda. Foco, Tate!

-Meu pai me ensinou quando eu era menor. -Menti descaradamente, trazendo a memória do meu pai e uma tristeza repentina por lembrar que ele havia morrido.

-Vocês caçavam? -Oswalt quis saber.

-Às vezes, sim. -Continuei mentindo, inventando desculpas. Tudo para não dizer que eu traficava drogas.

Ninguém sabia. Nem meus compradores sabiam. Nem quem trabalhava para mim. Porque geralmente, tanto quem comprava quanto quem trabalhava para mim, eram conhecidos, e eu não podia arriscar que contassem a alguém. Nunca mostrei meu rosto em uma compra ou quando queria falar pessoalmente com o meu pessoal. Tudo era feito em sigilo. O mais engraçado de tudo é que eu já fui detido várias vezes e nenhuma era por posse de drogas. Irônico não? A última vez que vi a delegacia, foi a algumas semanas atrás, no dia que fiz meu melhor negócio. Matei aula, saí no primeiro intervalo e fui para o lugar marcado com um comprador. Lembro-me de ter deixando uma dúzia de sacos com PCP dando sopa sobre a mesa do lado de fora de uma lanchonete qualquer lá pelo cento. Menos de dez minutos depois, as drogas não estavam mais lá, dando lugar a outro saco com o pagamento. O combinado era 20 dólares por saco, mas ali haviam quase 600. Quando parei para contar novamente, incrédulo, não vi o soco chegando. Três caras apareceram do nada, me batendo e espancando. Quando dei conta, metade do dinheiro tinha sumido e havia sirenes na rua. Escondi o que sobrou da venda no sapato e desmaiei. E mesmo assim, com 300 dólares no sapato, todo surrado e sangrando, com as costelas quebradas e na delegacia, ninguém desconfiou. Não vai ser hoje que vou contar.

-Ok, moleque. Qual o seu nome? -A voz do tenente puxou-me de novo para o mundo real.

-Willis. Tate Willis. -Respondi.

-Ok, Tate. Henry vai te mostrar suas armas. Apronte-se, você vai sair hoje mesmo.

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⏰ Última atualização: Jan 28, 2016 ⏰

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